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ARTIGO ORIGINAL

Preditores de mediastinite em cirurgia cardíaca

João Carlos Guaragna0; Luciane Maria Facchi0; Carolina Guerra Baião0; Ivana Beatrice Mânica da Cruz0; Luiz Carlos Bodanese0; Luciano Albuquerque0; João Batista Petracco0; Marco Antônio Goldani0

DOI: 10.1590/S0102-76382004000200011

INTRODUÇÃO

A mediastinite é uma das mais graves complicações de esternotomias medianas, estando associada a morbidade e mortalidade significativas [1,2].

A etiopatogênese permanece pouco compreendida, acreditando-se que a contaminação da ferida operatória, durante o ato cirúrgico, seja o principal fator associado e, mais comumente, por bactérias gram-positivas [1-3]. Vários estudos têm demonstrado a interação de fatores de risco pré e transoperatórios na gênese da mediastinite, especialmente obesidade, diabetes, história de cirurgia cardíaca prévia e o uso de ambas artérias mamárias internas nos procedimentos de revascularização miocárdica [1,4,5].

O diagnóstico é difícil e geralmente tardio, necessitando, portanto, elevado índice de suspeição [6]. Achados clínicos e radiográficos ajudam na investigação, destacando-se a utilidade da tomografia computadorizada de tórax na detecção de sinais de significância diagnóstica, como a presença de coleção líquida retroesternal, deiscência ou erosão esternal ou pneumomediastino [3,7]. Entretanto, o diagnóstico definitivo é realizado através da punção esternal (coletando-se material para posterior análise do Gram e do cultural) ou da própria exploração da ferida cirúrgica. Dentre estes dois métodos, o diagnóstico por punção do esterno pode demonstrar mais precocemente a existência de mediastinite nos pacientes em que existe suspeita clínica, pois é um procedimento menos invasivo e com menos riscos do que reabrir a cavidade torácica [8,9]. O tratamento requer reexploração cirúrgica e instituição de antibioticoterapia empírica imediata [6,10-12].

Neste trabalho buscamos identificar os preditores de risco pré e transoperatórios relacionados a mediastinite após a cirurgia cardíaca realizada no nosso Serviço.

MÉTODO

Foi realizado um estudo observacional, descritivo-analítico (coorte), a partir de variáveis obtidas do banco de dados do setor de pós-operatório em cirurgia cardíaca. Foram incluídos todos os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca no Hospital São Lucas da PUCRS, no período de março de 1997 a maio de 2000.

A população estudada (n=1298) foi composta por 813 (62,6%) homens, 237 (18,3%) pacientes diabéticos, 212 (16,3%) portadores de DPOC, 75 (5,8%) obesos e 558 (43%) tabagistas. Oitenta e um (6,2%) pacientes tinham história prévia de cirurgia cardíaca e em 146 (13,2%) a fração de ejeção pré-operatória era menor que 40%. Foi utilizada ponte mamária em 592 (45,6%) pacientes que realizaram revascularização miocárdica e o tempo de bypass cardiopulmonar foi maior que 90 minutos em 376 (30,1%) pacientes.

Os dados foram obtidos pelo mesmo examinador, de acordo com o protocolo específico da unidade de pós-operatório de cirurgia cardíaca, durante o período em que os pacientes permaneceram internados. Sempre se observou a ocorrência do desfecho até a alta hospitalar. Tabularam-se os dados usando-se o programa Access e, posteriormente, analisou-se a associação entre mediastinite e fatores de risco pré e transoperatórios através do programa SPSS 9.0.

Foram analisadas nove variáveis: (1) sexo; (2) diabetes mellitus (DM); (3) doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); (4) obesidade (definida como Índice de Massa Corporal superior a 30); (5) tabagismo; (6) cirurgia cardíaca prévia; (7) fração de ejeção pré-operatória inferior a 40%; (8) uso de ponte mamária e (9) tempo de bypass cardiopulmonar maior que 90 minutos.

Para a análise univariada utilizou-se o teste qui-quadrado. Após, as variáveis que apresentaram significância estatística (p< 0,05 ) foram submetidas à análise de regressão logística, através do programa Foward Wald.

A mediastinite foi definida com base em critérios clínicos, laboratoriais e tomográficos.

Foi realizada revisão de literatura nas áreas de cirurgia cardíaca e cirurgia torácica, através do PubMed, e livros textos.

RESULTADOS

Trinta e oito (2,9%) dos 1298 pacientes estudados desenvolveram mediastinite no pós-operatório. As características deste grupo e a prevalência das variáveis analisadas encontram-se descritas na Tabela 1. Dentre os pacientes que desenvolveram o desfecho, 6 (15,8%) foram a óbito.



Das nove variáveis analisadas, observou-se associação significativa com desenvolvimento de mediastinite somente obesidade, diabetes, DPOC e ponte de mamária. A análise de regressão logística mostrou como preditores independentes de risco elevado para o desfecho as variáveis obesidade, diabetes e DPOC, conforme os dados da Tabela 2. Estas variáveis permaneceram como preditores independentes de risco, após controle para sexo e idade. O uso de ponte mamária foi observado como preditor de risco apenas quando associado à obesidade.



COMENTÁRIOS

Mediastinite é definida como a infecção dos tecidos profundos da ferida operatória associada à osteomielite do esterno, podendo comprometer também o espaço retroesternal. A incidência de mediastinite varia de acordo com a instituição, sendo estimada entre 0,4 a 4%, conforme os Guidelines do American College of Cardiology e da American Heart Association (ACC/AHA) [13]. Quanto à mortalidade, os estudos apresentam uma taxa ampla de 10 a 47% [14]. Em nosso Serviço, a incidência encontrada foi de 2,9% e a taxa de mortalidade foi de 15,8%.

Inúmeros fatores têm sido associados ao desenvolvimento de mediastinite após a cirurgia cardíaca. Entretanto, não há consenso na literatura sobre quais sejam mais importantes e o quanto cada um é preditor independente de risco elevado para mediastinite pós-operatória [6]. Os diversos estudos realizados até o momento mostraram resultados conflitantes sobre os fatores de risco associados, devido, provavelmente, às diferenças metodológicas. Além disso, pode haver variação de acordo com a instituição onde foi realizado o procedimento cirúrgico, bem como sua localização geográfica [4]. Os guidelines do ACC/AHA utilizam uma estimativa de risco criada pelo grupo de estudos de doenças cardiovasculares da Inglaterra, como podemos ver na Tabela 3.



No nosso estudo, os fatores encontrados como preditores independentes de risco elevado para mediastinite foram obesidade, DPOC e diabetes mellitus. Segundo os dados revisados, entre todos os fatores de risco, a obesidade parece ser o preditor independente mais importante para a mediastinite, já tendo sido demonstrada em diversos estudos [2,5,15-20]. No estudo do Parisian Mediastinitis Study Group Risk Factors for Deep Sternal Wound Infective [21], obesidade foi o único fator de risco pré-operatório independente para mediastinite.

O mecanismo exato pelo qual os pacientes obesos são predispostos não é bem conhecido. É provável que, nestes pacientes, os níveis teciduais de antibióticos utilizados profilaticamente no período peri-operatório sejam inadequados, já que tais pacientes apresentam um volume de distribuição maior. Além disso, o preparo da pele em pacientes obesos pode ser mais difícil, ou mesmo inadequado. Um fator adicional é que a grande quantidade de tecido adiposo pode servir como substrato para infecções da ferida cirúrgica.

Diabetes mellitus tem sido associada com mediastinite pós-operatória em algumas séries da literatura [5,15,17,22,23], principalmente em pacientes que utilizam insulina. Alguns estudos, porém, mostram resultados contraditórios [2,5,15]. FURNARY et al. [24] e ZERR et al. [25] demonstraram que a manutenção da glicemia em valores abaixo de 200 mg/dL, através da infusão endovenosa contínua de insulina, reduz significativamente a incidência de mediastinite em pacientes diabéticos. A partir destes resultados, é orientação do ACC/AHA Guidelines for Coronary Artery Bypass Graft Surgery [13] estabilizar os níveis glicêmicos abaixo de 200 mg/dL. Atualmente, utilizamos como rotina em nosso Serviço infusão endovenosa contínua de insulina quando a glicemia permanecer em níveis superiores a 160 mg/dL, tendo como objetivo manter a glicemia em torno de 100 mg/dL. Este controle é efetuado no pós-operatório imediato até de 36 a 48 horas de pós-operatório.

DPOC também já foi demonstrada como fator de risco para o desfecho em estudos prévios, embora não de maneira independente [11,26,27]. Os pacientes com DPOC seriam mais suscetíveis à infecção de ferida operatória devido a hipoxemia tecidual. Muitos destes pacientes necessitam de corticoterapia no pré e/ou pós-operatório, o que poderia facilitar o surgimento de infecções.

STÄHLE et al. [28] mostraram que o uso das artérias mamárias internas para revascularização do miocárdio é fator de risco aumentado para complicações pós-operatórias, especialmente em pacientes diabéticos. Isto também já havia sido relatado em outros trabalhos [5,19,21,23,29] e, inclusive, alguns estudos sugeriram que o uso de pontes de mamária deveria ser bem selecionado em obesos, diabéticos [23], portadores de DPOC ou com doença vascular periférica [26,30]. Entretanto, publicações mais recentes sugerem que em casos selecionados, o uso criterioso de pontes de mamária pode não se comportar como fator de risco independente para mediastinite [2,8]. Nosso estudo não apontou o uso de ponte mamária como preditor independente de risco, mas os pacientes obesos submetidos a tal procedimento apresentaram maior incidência de mediastinite.

Histórico de cirurgia cardíaca prévia e tempo de bypass cardiopulmonar são variáveis relacionadas à duração do procedimento cirúrgico, tendo se mostrado como possíveis preditores de risco em alguns estudos [2,5,9,17,21,22,27,31], mesmo quando analisados individualmente. O tempo de bypass não apresentou nenhuma correlação com o desfecho no trabalho de MILANO et al. [2] e de LOOP et al. [5]. Ambas as variáveis não demonstraram associação significativa com mediastinite no presente trabalho.

Fração de ejeção pré-operatória, sexo e tabagismo não foram preditores de risco em nosso estudo.

CONCLUSÃO

A mediastinite ocorreu com maior prevalência no nosso hospital nos pacientes obesos, com diabete mellitus, com DPOC e naqueles onde foi utilizada ponte de mamária quando associada à obesidade. É fundamental que cada instituição identifique seus fatores de risco para mediastinite, periodicamente atualizados, não só para estabelecer condutas preventivas mas também, para informar ao paciente e ao seu médico a taxa de ocorrência desta grave complicação pós-operatória.

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Article receive on quarta-feira, 1 de outubro de 2003

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