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ARTIGO ORIGINAL

Novo conceito de Bioprótese: bioprótese com descontinuidade do anel de sustentação (Less Stented)®

Pablo M. A Pomerantzeff; Carlos M. A Brandão; Domingo M Braile; João Marcelo A. C. de Albuquerque; Vladimir D. A. Ramirez; Adalberto Camim; Marcelo Negri; Marcelo L. Vieira; Max Grinberg; Sérgio A Oliveira

DOI: 10.1590/S0102-76382004000300003

INTRODUÇÃO

Tecidos biológicos têm sido utilizados por mais de 30 anos para a confecção de substitutos valvares das valvas cardíacas, tanto homólogos quanto heterólogos [1-5]. Atualmente, os tecidos mais utilizados são os heterólogos, destacando- se o pericárdio bovino e as valvas aórticas porcinas, ambos fixados em glutaraldeído.

As primeiras gerações destas biopróteses foram montadas em anéis de sustentação ("stents") de aço inoxidável. A evolução para anéis de plástico de poliacetal ou polipropileno foi rápida e justificada pela flexibilidade dos mesmos, o que diminuiria a tensão sobre os folhetos de tecido biológico das biopróteses. Estas são, portanto, biopróteses ditas "stented", que são utilizadas tanto para a posição aórtica, quanto para a posição mitral e são de implante fácil e rápido.

No final década de 80, surgiram as biopróteses "stentless" montadas sem o anel de sustentação, para a substituição da valva aórtica [6-8]. Estas foram idealizadas para diminuir as desvantagens hemodinâmicas das biopróteses convencionais ("stented"), já que a ausência do anel diminuiria o gradiente transvalvar.

Surgiram porém alguns problemas, dentre eles: a colocação das biopróteses "stentless" é mais difícil, quando comparada às biopróteses convencionais "stented", além de mais demorada, e por estes motivos têm sido pouco utilizadas.

Estimulados por estas dificuldades, desenvolvemos a bioprótese "Less Stented" (Figura 1), de pericárdio bovino tratado em glutaraldeído no intuito de somar as vantagens dos dois conceitos já existentes. Nas biopróteses "Less Stented" existe a descontinuidade do anel de sustentação, determinando flexibilidade das biopróteses e diminuição do gradiente. Esta bioprótese é montada de tal forma que a sua técnica de implante é igual às biopróteses convencionais "stented". Assim como nas biopróteses "stented", nestas novas biopróteses "Less Stented", os pontos que são passados no anel da valva aórtica são passados no anel de Teflon da bioprótese "Less Stented" e, em seguida, amarrados. Este trabalho tem por objetivo analisar as características hemodinâmicas "in vitro" deste novo conceito de Bioprótese e relatar a experiência clínica inicial.



MÉTODO

1. Confecção da Bioprótese de pericárdio bovino "Less Stented"

A prótese valvular orgânica biológica de pericárdio bovino "Less Stented" é confeccionada com pericárdio bovino previamente tratado com glutaraldeído e submetido a rigoroso controle de qualidade.

O pericárdio bovino é obtido em frigorífico imediatamente após o abate do animal, cuja idade varia de 30 a 60 meses, previamente examinado pelo SIF (Serviço de Inspeção Federal). Utiliza-se o pericárdio rico em fibras colágenas e livre de gorduras. Posteriormente faz-se o tratamento com cloreto de sódio e cloreto de magnésio tamponado.

No laboratório, o pericárdio é montado sobre um suporte e, então, submetido ao curtimento por imersão, sem pressão, em solução de glutaraldeído a 0,5% purificado e tamponado. Todo o procedimento visa curtir o pericárdio, mantendo contudo o alinhamento ou paralelismo dos feixes colágenos, de modo que não sofram estiramento ou alteração da sua ondulação natural.

Dessa forma, os pericárdios terão a devida elasticidade mecânica, necessária para a correta funcionalidade da bioprótese.

Depois de curtido, o tecido é submetido a um tratamento com solução oxidante, a qual retira do pericárdio substâncias antigênicas e impurezas, restos celulares, além de aumentar a resistência do tecido. Após completado o período de curtimento, os pericárdios são colocados em solução conservadora de formaldeído a 4%. Após esta fase, são submetidos a controle de qualidade, sendo apenas liberado aqueles que preencheram os critérios rígidos de controle preestabelecidos [9].

Ao longo do preparo da prótese processam-se diversos testes:

 Teste de Encolhimento

Este teste permite avaliar quantitativamente a ação da substância fixadora nas estruturas do pericárdio bovino, em especial sobre as fibras colágenas, isto é, se o tecido biológico foi efetivamente fixado pelo glutaraldeído. Realiza-se em amostras de todos os pericárdios, rejeitando-se aqueles que não atingiram os limites desejados.

O pericárdio fresco encolhe-se a 60°C, enquanto aquele que foi fixado resiste a temperaturas maiores. Considera-se 83°C a temperatura mínima para garantia de fixação adequada das fibras colágenas pelo glutaraldeído.

 Teste de Resistência Mecânica - Ensaio de Tração

É realizado com o pericárdio bovino já fixado, seguindo direções aleatórias.

É empregado um equipamento que permite a realização dos testes de limites de confiabilidade. A medida que é aplicada uma carga sobre o corpo de prova, esta é automaticamente correlacionada com a elongação provada no material, acabando por fornecer um diagrama de carga e elongação. A partir desse diagrama pode ser calculado diretamente valores para Tensão, Ruptura, Elongação e Índice de Tenacidade. O valor mínimo para a tração é de = 1,5 kg/mm2.

 Análise Histológica e Histoquímica

É realizada em amostras dos pericárdios, sendo que as exigências histológicas mínimas são: ondulação proeminente dos feixes de fibras colágenas, preservação das fibras elásticas, escassa quantidade de substância fundamental amorfa e espaço reduzido entre os diferentes extratos entrecruzados de feixes colágenos, além de ausência de degeneração.

 Teste Microbiológico

Este controle inclui a cultura para identificação de bactérias aeróbicas e fungos. Para as bactérias é usado como meio de cultura o caldo glicosado (BHI - Brain Heart Infusion) e, para os fungos, o agar sabouraud. O material é incubado, respectivamente, por 72 horas e 15 dias em estufa bacteriológica a 37°C. A bioprótese somente será liberada para o uso após o resultado para todas as culturas realizadas.

 Confecção e Revestimento do Anel "Less Stented"

O anel de delrin usado na válvula de pericárdio bovino é dividido em 3 partes iguais, devidamente manufaturado para que fique sem ranhuras. Estas hastes darão sustentação à válvula "Less Stented". As dimensões do anel estão relacionadas na Figura 2.



As hastes são revestidas com pericárdio bovino, cada parte separadamente com sutura contínua.

 Revestimento do Anel de Suporte da Válvula

As membranas de pericárdio bovino utilizadas no revestimento dos anéis, são selecionadas de acordo com o diâmetro e espessura do pericárdio, ou seja, o tamanho e a espessura será em função do diâmetro da prótese a ser montada.

O pericárdio bovino, previamente selecionado, é recortado de forma retangular, com dimensões do diâmetro dos anéis de delrin.

Unem-se as extremidades laterais do "patch" pelo lado do avesso do pericárdio bovino e faz-se uma sutura contínua com o fio cirúrgico adequado.

Introduz-se o tubo de pericárdio no interior do anel e dobra-se de maneira que o revestimento exceda ± 3 mm para futuro acabamento da válvula. Faz-se uma sutura contínua contornando todo o anel.

Recorta-se cuidadosamente o pericárdio bovino da parte externa (primeira camada), ao redor e entre as hastes do anel.

Recorta-se a segunda camada do pericárdio bovino ao redor e entre as hastes do anel, deixando uma margem do pericárdio, que será utilizada no arremate e acabamento do anel.

Montagem da bioprótese "Less Stented"

Corta-se o pericárdio bovino de acordo com o diâmetro do anel da bioprótese a ser confeccionada.

As laterais do pericárdio bovino são unidas com três pontos isolados. A partir do terceiro ponto realiza-se uma sutura contínua. Em seguida, após alinhamento do centro das cúspides, o pericárdio é fixado nas hastes.

Acabamento

Fixa-se o pericárdio bovino da válvula na haste do pericárdio bovino do anel do suporte, retirando os fios de sutura do anel de suporte.

Retira-se delicadamente o anel que foi usado para montagem da válvula.

As hastes de delrin já revestidas são inseridas na válvula pré-moldada.

Corta-se o excesso de pericárdio bovino na altura da válvula e realiza-se a sutura do pericárdio restante do revestimento do anel, com o pericárdio da válvula e a haste juntos com pontos contínuos. O pericárdio da parte interna da válvula é suturado na parte externa também com pontos contínuos.

A seguir, coloca-se a válvula dentro de tubo de dacron para construção da aba.

2 -Fases de Estudo

2.1- Primeira Fase - Estudo "in Vitro"

As biopróteses foram confeccionadas e avaliadas laboratorialmente na Braile Biomédica, em São José do Rio Preto, São Paulo.

As próteses foram avaliadas em simulador de pulso utilizando-se volume sistólico fixo calibrado para 80 ml (79,3±1,0). Foram utilizadas biopróteses nº 25 e realizadas cinco medidas em cada uma das freqüências utilizadas (60, 70, 80, 90 e 100 batimentos por minuto). Desta forma, no total, foram realizadas 25 medições.

As características avaliadas foram:

1. Gradiente pressórico transvalvar no fluxo médio e no fluxo máximo;

2. Fração regurgitante e fração de escape;

3. Coeficiente de descarga, índice de performance e de eficiência.

2.2 - Segunda Fase - Estudo Clínico

Protocolo foi aprovado pela Comissão Científica e de Ética do Instituto do Coração e pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para implante da Bioprótese Less-Stented em posição aórtica. Foram implantadas duas biopróteses Less Stented, no Instituto do Coração, após assinatura dos pacientes do Termo de Informe Consentido.

RESULTADOS

1- Estudos "in vitro "

Análise do Gradiente Pressórico Transvalvar

Observou-se que ao longo do fluxo médio, equivalente ao débito cardíaco e que variou de 4,39 a 7,96 l/min, o gradiente transvalvar se manteve dentro de níveis clinicamente aceitáveis (6,37 a 11,62 mmHg). A curva de regressão mostrou boa correlação com o aumento de débito cardíaco com R2 = 0,8291. No momento de fluxo máximo, verificou-se que pode ocorrer gradiente clinicamente significante em situações de alto débito (> 7 l/min), também com boa correlação (R2 = 0,9284), conforme Figura 3.



Análise da fração regurgitante e da fração de escape

O volume regurgitante, equivalente à soma do volume de fechamento (volume necessário para fechar a prótese) mais o volume de escape (volume que é perdido por vazamento na prótese durante o processo de fechamento). A fração regurgitante (regurgitant fraction %) variou de 10,95 a 17,94%, sendo que a fração de vazamento (leakage volume %) variou de 4,49 a 7,87%. Esses valores podem ser considerados baixos, mas o aspecto mais relevante é que há uma tendência para menores frações regurgitantes com o aumento do débito cardíaco (R2 = 0,3544) e, principalmente, não há aumento da fração de vazamento com débitos progressivamente maiores (R2 = 0,0033), demonstrando boa capacidade de fechamento da prótese em estudo, conforme a Figura 4.



Análise do coeficiente de descarga, índice de performance e índice de eficiência

Esses coeficiente e índices quantificam o funcionamento hidrodinâmico da prótese e teoricamente devem se manter estáveis à medida que aumenta o débito cardíaco ou, preferencialmente, mostrar elevação. Com a prótese em estudo, verificou-se que esses parâmetros mostraram comportamento favorável com aumento progressivo do débito cardíaco, com excelente correlação tanto para o coeficiente de descarga quanto para o índice de performance e o índice de eficiência (R2, respectivamente, 0,9385; 0,9332; 0,9024), conforme Figura 5.



2- Experiência clínica inicial

Caso 1

N.E.R., sexo masculino, 44 anos, 1,75m de altura, 76,2kg, cor branca, com história de sopro há dois anos, desmaio há um ano e com quadro de dispnéia progressiva e dor precordial desde então. Ao exame físico, pressão arterial em membro superior direito de 110x 70 mmHg, pulso 62 bpm, "parvus tardus", acianótico, hidratado, anictérico, normocorado. Tórax; pulmões com murmúrios vesiculares sem ruídos adventícios, frêmito palpável em foco aórtico, mitral e região cervical. Na ausculta cardíaca, sopro sistólico em foco aórtico ++++/6+ com irradiação para todo precórdio e carótidas.

O cateterismo cardíaco mostrou circulação coronária sem lesões obstrutivas, dupla lesão aórtica com predomínio de estenose, com ventrículo esquerdo de aspecto hipertrofiado e contração normal. O gradiente ventrículo esquerdo - aorta foi de 120 mmHg. O ecoDopplercardiograma pré-operatório diagnosticou insuficiência aórtica de grau discreto e estenose aórtica de grau importante, com gradiente transvalvar aórtico de 144 mmHg (pico) e 91 mmHg (médio) e hipertrofia miocárdica do tipo concêntrica com VE adaptado, fração de ejeção de 69% e volume diastólico final 40 ml. A ressonância magnética mostrou hipertrofia ventricular esquerda do tipo concêntrica de grau importante com função ventricular esquerda global preservada, várias áreas de fibrose miocárdica de pequena extensão focais em especial segmentos ínfero-latero-basal e septo-basal do ventrículo esquerdo.

No dia 13 de junho de 2003, foi submetido à substituição da valva aórtica por bioprótese "Less Stented" A-27. O ecoDopplercadiograma transesofágico intra-operatório revelou gradiente transvalvar pré-circulação extracorpórea de 84 mmHg (pico) e 44 mmHg (médio), com área valvar de 0,8 cm2 e fração de ejeção de 40%. No período pós-circulação extracorpórea, após o implante da bioprótese, apresentava gradiente transvalvar de 33 mmHg (pico) e 13 mmHg (médio), com área valvar de 1,7 cm2 e fração de ejeção de 45%.

O resultado anatomopatológico da valva aórtica mostrou valvulite crônica com calcificação e neovascularização, trombo de fibrina em organização em pequena área de superfície valvar e aspecto morfológico compatível com seqüela de doença reumática.

O paciente apresentou boa evolução, recebendo alta hospitalar no sexto dia de pós-operatório. O ecoDopplercardiograma realizado no 6o dia pós-operatório mostrou gradiente transvalvar aórtico de 28mmHg (pico) e 13 mmHg (médio), discreta hipertrofia miocárdica do tipo concêntrica, fração de ejeção de 76% e volume diastólico final de 166 ml.

Caso 2

R.B.C, sexo masculino, 43 anos, 1,66 m de altura, 60kg, cor branca, com história de dor precordial desencadeada pelo esforço há um ano. Desde então, vem apresentando quadro de dispnéia progressiva. Ao exame físico, pressão arterial em membro superior direito de 130 x 70 mmHg, pulso 80 bpm, acianótico, hidratado, anictérico, normocorado. Tórax: pulmões com murmúrios vesiculares sem ruídos adventícios, frêmito palpável em foco aórtico. Na ausculta, ritmo cardíaco regular, com segunda bulha hipofonética, com sopro sistólico em foco aórtico ++++++/ 6+ com irradiação cervical e sopro diastólico em foco aórtico ++++/ 6+.

O cateterismo cardíaco mostrou circulação coronária sem lesões obstrutivas, dupla lesão aórtica com predomínio de estenose, com ventrículo esquerdo de aspecto hipertrofiado e hipocinesia difusa discreta. O gradiente ventrículo esquerdo - aorta foi de 110 mmHg. O ecoDopplercardiograma pré-operatório diagnosticou insuficiência e estenose aórtica, ambas de grau importante, com gradiente transvalvar aórtico de 165mmHg (pico) e importante hipertrofia miocárdica do tipo concêntrica, fração de ejeção de 68% e volume diastólico final 85 ml. A ressonância magnética mostrou hipertrofia ventricular esquerda do tipo concêntrica de grau importante com função ventricular esquerda global preservada, dupla lesão aórtica com predomínio de estenose e realce tardio de padrão focal na porção ântero-medial.

No dia 1 de dezembro de 2003, foi submetido à substituição da valva aórtica por bioprótese "Less Stented" A-27. O ecoDopplercadiograma transesofágico intra-operatório revelou gradiente transvalvar pré-circulação extracorpórea de 139 mmHg (pico) e 78 mmHg (médio), com fração de ejeção de 68%. No período pós-circulação extracorpórea, após o implante da bioprótese, apresentava gradiente transvalvar de 23 mmHg (médio), com fração de ejeção de 65% (Figura 6).



O paciente apresentou boa evolução, recebendo alta hospitalar no décimo primeiro dia de pós-operatório. O ecoDopplercardiograma transtorácico foi realizado dia 22 de março de 2004, 4o mês pós-operatório, e evidenciou prótese biológica "Less Stented" em posição aórtica normal, com gradiente transvalvar aórtico de 14 mmHg (pico) e de 7 mmHg (médio), importante hipertrofia miocárdica do tipo concêntrica, fração de ejeção de 70% e volume diastólico final de 91 ml. A ressonância magnética mostrou função ventricular preservada, hipertrofia ventricular esquerda importante, presença de realce tardio focal na porção ântero-medial e observou-se bem a abertura da prótese nos limites das hastes com ausência de refluxo.

COMENTÁRIOS

No final década de 80, surgiram as biopróteses "stentless" montadas sem o anel de sustentação, para a substituição da valva aórtica [6]. Estas foram idealizadas para diminuir as desvantagens hemodinâmicas das biopróteses convencionais ("stented"), já que a ausência do anel diminuiria o gradiente transvalvar e, conseqüentemente, o "stress" sobre o tecido, diminuindo os problemas da disfunção estrutural e reduzindo o volume de massa do ventrículo esquerdo [8], melhorando a função ventricular esquerda e a sobrevida tardia dos pacientes. Porém, a técnica de seu implante é mais complexa que as próteses convencionais, sendo associada a maiores taxas de mortalidade e reoperações precoces por insuficiência protética.

Os resultados clínicos a médio prazo com a utilização das próteses stentless são satisfatórios. GOLDMAN et al. [10] publicaram a evolução de oito anos com as próteses Toronto Stentless implantadas em 447 pacientes na posição aórtica. Os autores observaram baixas taxas de eventos e sobrevida livre de disfunção estrutural de 97,4%, com baixos gradientes transvalvares médios (4,4 mmHg) e boa área valvar efetiva (2,4 cm2). No entanto, quase 20% dos pacientes apresentavam insuficiência aórtica moderada ou importante no pós- operatório tardio, sendo cinco destes pacientes reoperados (0,3% pacientes-ano), o que foi atribuído pelos autores à dilatação da aorta.

Outra prótese "stentless" muito utilizada é a Cryolife O'Brien. Em série de sete anos de seguimento, GELSOMINO et al. [11] publicaram sobrevida actuarial de 93,6% e sobrevida livre de disfunção estrutural de 98,1% em sete anos, bem como redução significativa do índice de massa ventricular esquerda, dos gradientes transvalvares médio e máximo e melhora da função ventricular esquerda. Segundo os autores, estas próteses estão bem indicadas na substituição aórtica em pacientes com anel aórtico pequeno. LUCIANI et al. [12] publicaram resultados semelhantes com as próteses Biocor PSB Stentless, com 92% de sobrevida livre de disfunção estrutural em oito anos.

Segundo PEPPER e CHIR [13], alguns problemas podem ocorrer no implante de biopróteses "Stentless" pocinas. A situação mais comum seria que a junção sinotubular apresentasse diâmetro menor que o anel aórtico. sendo implantada uma bioprótese grande em relação ao anel, aumentando demasiadamente a coaptação dos folhetos, resultando em gradiente excessivo.

Também segundo os autores, quando a junção sinotubular é maior que o anel facilmente pode ocorrer falta de coaptação com o uso das biopróteses "stentless", acarretando regurgitação.

Na experiência inicial de O´BRIEN et al. [14], os autores ressaltam vários problemas técnicos relacionados ao implante das próteses stentless: não utilizar a aortotomia oblíqua, para preservar a geometria da raiz aórtica; não deixar tecido remanescente da valva aórtica nativa, principalmente resíduos de cálcio; não utilizar sutura intra-anular, pois leva à diminuição do orifício valvar efetivo; quanto à sutura supra-anular na borda da bioprótese não deixar espaço abaixo desta, fixando adequadamente a parede da prótese com a parede aórtica.

VRANDECIC et al. [7], em experiência publicada dos 100 primeiros implantes no Instituto Biocor, relatam que na maioria dos casos se fez necessária a utilização de remendo de pericárdio heterólogo para o fechamento da aorta, no sentido de evitar distorções na bioprótese "stentless" implantada.

Como vemos, a grande maioria dos autores relata maiores dificuldades técnicas para o implante das biopróteses "stentless", com relação às biopróteses convencionais. Nestes dois primeiros casos relatados, a técnica de implante da bioprótese Less Stented foi realizada da forma habitual, isto é, da mesma forma que um implante de uma bioprótese "stented".

Está descrito que o gradiente transvalvar diminui progressivamente no pós-operatório das biopróteses "stentless" [15,16], fato este que também ocorreu nos nossos dois pacientes.

CONCLUSÃO

A bioprótese "Less- Stented®" poderá representar uma nova alternativa de substituto valvar.

Agradecimentos

Argemiro Falcetti Junior - Ilustração Médica - InCor - HC - FMUSP
Sérgio Spezzia - Videoteca - InCor - HC - FMUSP
Sônia Regina de Souza - Digitação e Secretária da Unidade Cirúrgica de Cardiopatias Valvares - InCor - HC - FMUSP

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Article receive on sábado, 1 de maio de 2004

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