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ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da mudança de modo de estimulação ventricular para atrioventricular sobre a qualidade de vida em pacientes com cardiopatia chagásica e bloqueio atrioventricular na troca eletiva do gerador de pulsos

Luiz Antonio Castilho TENO; Roberto Costa; Martino MARTINELLI FILHO; Fabian Cechi Teno CASTILHO; Ivan RUIZ; Ulisses Bruno STELLA; Sérgio Almeida de Oliveira

DOI: 10.1590/S0102-76382005000100008

INTRODUÇÃO

A estimulação seqüencial de átrios e ventrículos permite a reconstituição do sincronismo atrioventricular em pacientes com bloqueio atrioventricular, proporcionando, em relação aos marcapassos ventriculares, maior enchimento ventricular, pela contribuição da sístole atrial, e o controle fisiológico da freqüência cardíaca, pelo aproveitamento das ondas "P" espontâneas do paciente.
Existem evidências de que a estimulação atrioventricular seja superior à ventricular em pacientes portadores da doença do nó sinusal, proporcionando maior longevidade e menor morbidade, o que não tem sido demonstrado em pacientes com bloqueios atrioventriculares [1]. As diretrizes nacionais e internacionais, entretanto, publicadas a partir de consensos das sociedades médicas, sugerem, para o implante inicial em pacientes com bloqueio atrioventricular, o uso de marcapassos de dupla-câmara, por serem estes, teoricamente, mais fisiológicos que os marcapassos unicamente ventriculares [2,3].
Nas trocas eletivas de gerador de pulsos não existe consenso quanto à conduta a ser adotada. A manutenção do modo ventricular ou a sua mudança para o modo atrioventricular ("up grade") é realizada de forma não padronizada, conforme a rotina de cada profissional. A atualização do modo de estimulação no momento da troca eletiva, embora possa representar um beneficio teórico, implica em maior custo do sistema, maior permanência hospitalar, maior tempo operatório e risco de complicações relacionadas à introdução de um cabo-eletrodo adicional.
No Brasil, a doença de Chagas representa importante causa de bloqueio atrioventricular e atinge população de idade mais jovem que a dos pacientes com bloqueios degenerativos. Teoricamente, modos de estimulação mais fisiológicos devem causar maior impacto sobre a qualidade de vida desses pacientes [4,5] .
O objetivo do presente estudo é avaliar os efeitos da mudança eletiva do modo de estimulação na qualidade de vida de pacientes com miocardiopatia chagásica e bloqueio atrioventricular total no momento da troca do gerador de pulsos.

MÉTODO

O estudo foi realizado no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no Hospital de Beneficência Portuguesa de Ribeirão Preto, no período de 8 de setembro de 2001 a 18 de março de 2004.
Foram incluídos 27 pacientes com cardiopatia chagásica, bloqueio atrioventricular total e marcapasso ventricular, que necessitavam troca eletiva do gerador de pulsos. Foram excluídos do estudo pacientes com qualquer achado de fibrilação ou flütter atrial, sintomas sugestivos de síndrome de marcapasso, gravidez, doença limitante associada ou expectativa de vida reduzida.
Os pacientes foram orientados quanto ao tipo de procedimento que seria realizado, seus riscos e potenciais benefícios. Após convenientemente esclarecidos, concordaram em participar do protocolo de pesquisa, tendo assinado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Casuística
A idade dos pacientes variou de 29 a 79 anos, com média de 55,9 ± 12,7 e mediana de 54 anos. O sexo era feminino em 15 e masculino em 12 enfermos. A raça era branca em 14, negra em oito e cinco pacientes eram mestiços. Os pacientes eram portadores de marcapasso ventricular permanente por períodos que variaram de 3 a 30 anos com média de 11 ± 6 anos e mediana de 10 anos. Em 13 enfermos, o procedimento de troca substituiria o primeiro sistema de estimulação implantado; em sete, o segundo gerador de pulsos utilizado; em três, o terceiro e em quatro, o quarto. O ritmo próprio de todos os pacientes era sinusal para os átrios com bloqueio completo da condução atrioventricular, constatado com o teste de diminuição da freqüência de estimulação do marcapasso.
Na avaliação clínica pré-operatória, segundo os critérios estabelecidos pela New York Heart Association, 14 pacientes estavam em classe funcional I, 11 em classe II e dois em classe III. Apenas sete pacientes não estavam em uso de medicamentos. Os demais, utilizavam um ou mais fármacos com atuação no sistema cardiovascular: anti-hipertensivos (14), diuréticos (13), digitálicos (seis) e antiarrítmicos (seis).
As medidas ecocardiográficas realizadas no início do estudo mostraram: fração de ejeção (TEICHOLZ) de 26 a 77% com média de 50,7% e desvio padrão de 14,8; DDFVE de 37 a 63mm com média de 51,8mm e desvio padrão de 7,6mm e diâmetro de átrio esquerdo de 29 a 45mm com média de 37,6mm e desvio padrão de 4,4mm.

Desenho do estudo
Trata-se de estudo clínico controlado, prospectivo, randomizado e duplo-cego. Todos os pacientes selecionados foram submetidos ao mesmo tipo de procedimento cirúrgico: implante de cabo-eletrodo atrial e troca do gerador de pulsos unicameral por outro, porém, dupla-câmara. A seguir, o gerador era programado para o modo de estimulação selecionado pela randomização. Para permitir a comparação dos dois modos de estimulação e minimizar o efeito da tendência do primeiro modo de estimulação programado, os pacientes foram subdivididos em duas condições, segundo randomização gerada por computador (Figura 1).
Na condição A, os pacientes permaneceram, após a operação, no modo de estimulação ventricular durante 90 dias (fase I), sendo posteriormente reprogramados para o modo atrioventricular e mantidos por mais 90 dias (fase II).
Na condição B, os pacientes foram programados, após a operação, no modo de estimulação atrioventricular, sendo mantidos durante 90 dias (fase I) e, posteriormente, reprogramados para o modo ventricular e mantidos por mais 90 dias (fase II).

Programação do marcapasso
Todos os geradores utilizados na substituição foram do tipo dupla-câmara, dotados de telemetria para mudança não-invasiva de parâmetros programáveis. Os modos de estimulação comparados no estudo foram o ventricular e o atrioventricular, identificados segundo o Código Internacional de Padronização dos Modos de Estimulação Cardíaca Artificial por VVI e DDD, respectivamente. Modo VVI: A freqüência programada foi de 70bpm e como os pacientes tinham bloqueio atrioventricular de grau avançado não houve em nenhum momento o sincronismo AV. Modo DDD: A freqüência mínima de estimulação foi de 70bpm, sem resposta de freqüência, e a freqüência máxima foi calculada com base em 80% da freqüência máxima para a idade. O intervalo AV não foi individualizado e foi programado para 120ms após uma onda "p" espontânea e 180ms após uma onda "p" estimulada.


Fig. 1 - Desenho do estudo


A sensibilidade atrial foi programada em 0,5mV e a ventricular em 2,5mV. Ao final do estudo, todos os pacientes tiveram seu marcapasso reprogramado para o modo atrioventricular.

Técnica operatória
A técnica cirúrgica foi semelhante nos dois Centros, com a incisão realizada no mesmo local da cirurgia anterior. Após a dissecção por planos, o gerador e o cabo-eletrodo foram isolados. O gerador foi desconectado e o cabo-eletrodo submetido aos testes de avaliação de rotina. Após a confirmação das condições favoráveis do eletrodo ventricular, com limiares crônicos de estimulação menores que 3,0V, sensibilidade acima de 4,0mV e impedância de 400 a 1300 ohms, um novo cabo-eletrodo foi introduzido (por punção de veia subclávia ou jugular) e fixado no átrio direito. O cabo-eletrodo utilizado, sempre de fixação ativa, foi posicionado na aurícula ou na região mais favorável do átrio direito, de acordo com os melhores limiares de estimulação e de sensibilidade obtidos. Os limiares agudos de estimulação atrial considerados satisfatórios foram abaixo de 1,5V, sensibilidade acima de 1,0mV e impedância de 300 a 1300ohm. As medidas foram realizadas nas situações unipolares e bipolares, quando os eletrodos tinham as duas configurações. A seguir, ambos os cabos foram conectados ao gerador de pulsos e a porção excedente dos cabo-eletrodos foi posicionada atrás do gerador, e o mesmo acondicionado e fixado na loja em uma posição confortável sem tensão na pele. A antibioticoterapia profilática foi feita com dose única de cefazolina (2,0 g), administrada por via intravenosa, antes do início do procedimento.

Teste de caminhada de seis minutos
O teste de caminhada de seis minutos, por assemelhar-se à atividade diária, foi utilizado para a avaliação funcional dos pacientes, e a distância caminhada foi o marcador da condição clínica. Foram medidas a freqüência cardíaca antes do início e no final do teste e a distância que o paciente percorreu em 6 minutos de caminhada. A velocidade foi controlada pela escala de Borg, que visa avaliar o índice de esforço perceptível do paciente durante o teste.

Qualidade de vida
O instrumento genérico de avaliação de qualidade de vida utilizado neste estudo foi o protocolo Medical Outcomes Study SF-36 Health Survey, que é um questionário multidimensional de fácil administração e compreensão e avalia tanto os aspectos positivos quanto os negativos da saúde e bem-estar. Foi desenvolvido nos Estados Unidos e validado para pacientes brasileiros. É uma das medidas internacionais mais usadas em Medicina [6,7]. As respostas do questionário foram avaliadas num banco de dados (software específico) que mensurou as dimensões de qualidade de vida numa escala (Raw Scale) que varia de 0 (pior estado de saúde) a 100 (melhor estado de saúde). As perguntas foram realizadas em uma entrevista individual com o paciente, de forma simples e clara, para que as respostas não sofressem nenhum tipo de indução mesmo que involuntária.

Análise Estatística
A análise estatística dos efeitos da mudança do modo de estimulação foi realizada na condição Pré (basal), modo VVI e modo DDD. As variáveis quantitativas foram comparadas com a análise de variância para medidas repetidas. Quando significantes, realizou-se teste complementar de contraste para discriminar as diferenças. Os valores de p<0.05 foram considerados significantes.

RESULTADOS

Os procedimentos cirúrgicos de troca dos geradores de pulsos, com mudança do tipo de estimulação, foram realizados com sucesso em todos os pacientes incluídos no estudo. Não houve óbitos no período estudado. A via de acesso para a introdução do eletrodo atrial foi a punção da veia subclávia em 25 (92,5%) pacientes e da veia jugular interna em dois (7,5%).
Foram observadas quatro complicações pós-operatórias: um deslocamento do eletrodo atrial, tratado com reposicionamento; uma taquicardia atrial e um episódio de flütter atrial, ambos conduzidos para os ventrículos pelo marcapasso gerando taquicardia; e um hematoma de loja do gerador, secundário ao uso de anticoagulante, tratado apenas pela suspensão do medicamento.
Não houve mudança do status funcional do paciente quando comparadas às condições basal e pós-operatórias estudadas (modos VVI ou DDD).
O teste de caminhada de seis minutos mostrou que a distância percorrida nos seis minutos do teste pelos pacientes, durante a condição basal, foi de 210 a 525m e média de 407,5m, de estimulação ventricular (VVI) foi de 230 a 625m e média de 463,4m, e a de estimulação atrioventricular (DDD) foi de 375 a 650m e média de 462,6m. Não houve diferença significativa entre a média de caminhada percorrida nos dois modos (p=0,945), porém a distância percorrida em ambos foi significantemente superior à condição basal (p=0,0006). A freqüência cardíaca inicial média na condição basal foi de 66,3bpm, na condição VVI foi de 69,3bpm e na condição DDD foi de 70,6 e não mostrou diferença estatística entre os dois modos de estimulação, porém a média da freqüência na condição basal foi significativamente menor que nas fases VVI e DDD. A freqüência cardíaca final média foi de 73,1bpm na condição basal, 75,1bpm na condição VVI e 77,8bpm na condição DDD (Tabela 1).


Tabela 1. Dados referentes ao teste de caminhada de seis minutos nas condições basal, VVI e DDD.


A qualidade de vida, avaliada pela capacidade funcional, pelo estado geral e pela vitalidade não mostrou diferença significativa na média dessas dimensões em nenhuma fase do estudo. A capacidade funcional média foi de 68,0 (35 a 95) na condição basal, 71,3 (20 a 100) no modo VVI e 69,3 (30 a 95) no modo DDD (Figura 2). O estado geral teve média de 73,9 na fase basal (35 a 97), 68,1 (10 a 97) em VVI e 69,4 (17 a 97) em DDD (Figura 3). A vitalidade teve média de 63,5 (20 a 100) na fase basal, 64,8 (0 a 100) em VVI e 67,6 (0 a 100) em DDD (Figura 4). Os dados individualizados dos pacientes podem ser identificados na Tabela 2.
Não houve efeito de tendência ao primeiro modo de estimulação programado, observado pela análise separada das situações A e B (Tabela 3). Os resultados foram semelhantes na análise dos pacientes com fração de ejeção acima e abaixo ou igual 40% e com tempo de uso de marcapasso maior e menor ou igual 10 anos (Tabelas 4 e 5).


Fig. 2 - Qualidade de vida avaliada pela capacidade funcional (p=0,489) nas condições Pré (basal), VVI e DDD, dos pacientes com cardiopatia chagásica e bloqueio atrioventricular. Total de pontos (SF36) da avaliação da capacidade funcional, representados em média e desvio-padrão; DDD: condição do paciente após 90 dias de estimulação atrioventricular; p: nível descritivo do teste de variância para medidas repetidas; Pré (basal) condição do paciente em estimulação ventricular exclusiva na seleção do estudo; VVI: condição do paciente após 90 dias de estimulação ventricular


Fig. 3 - Qualidade de vida avaliada pelo estado geral (p=0,546), nas condições Pré (basal), VVI e DDD, dos pacientes com cardiopatia chagásica e bloqueio atrioventricular. Total de pontos (SF36) da avaliação do estado geral representados em média e desvio-padrão; DDD: condição do paciente após 90 dias de estimulação atrioventricular; p: nível descritivo do teste de variância para medidas repetidas; Pré (basal) condição do paciente em estimulação ventricular exclusiva na seleção do estudo; VVI: condição do paciente após 90 dias de estimulação ventricular.


Fig. 4 - Qualidade de vida avaliada pela vitalidade (p=0,593), nas condições Pré (basal), VVI e DDD, dos pacientes com cardiopatia chagásica e bloqueio atrioventricular. Total de pontos (SF36) da avaliação do estado geral representados em média e desvio-padrão; DDD: condição do paciente após 90 dias de estimulação atrioventricular; p: nível descritivo do teste de variância para medidas repetidas; Pré (basal) condição do paciente em estimulação ventricular exclusiva na seleção do estudo; VVI: condição do paciente após 90 dias de estimulação ventricular.


Tabela 2. Avaliação das dimensões de qualidade de vida (Raw Scale), segundo o protocolo SF-36.


Tabela 3. Avaliação das dimensões de QV por randomização (situação A e B).


Tabela 4. Avaliação das dimensões de QV por fração de ejeção.


Tabela 5. Avaliação das dimensões de QV por tempo de uso de marcapasso.


COMENTÁRIOS

O uso de marcapassos cardíacos artificiais, iniciado em 1958 com a estimulação ventricular direita ou esquerda, modificou, radicalmente, a evolução natural dos pacientes portadores de bloqueios atrioventricular, por evitar seus efeitos mais temidos: as crises de Stokes-Adams e a morte súbita. A evolução tecnológica ocorrida nas quatro últimas décadas, entretanto, propiciou a incorporação de muitos recursos a esses dispositivos.
Dentre estes, a estimulação atrioventricular seqüencial de átrios e ventrículos foi um marco na estimulação cardíaca, por permitir a reconstituição do sincronismo atrioventricular, perdido com a instalação do bloqueio da condução.
Existem evidências claras de que o modo de estimulação atrioventricular seja superior ao ventricular em pacientes portadores da doença do nó sinusal, proporcionando maior longevidade e menor morbidade. Em pacientes com bloqueios atrioventriculares, entretanto, embora algumas publicações sugiram vantagens, não existem evidências definitivas quanto aos benefícios do uso desse tipo de marcapasso, que requer o implante de mais um cabo-eletrodo, implicando em maior taxa de complicações e maior custo.
A despeito dessa falta de evidências, que justificaria o emprego indiscriminado de marcapassos atrioventriculares em pacientes com bloqueios atrioventriculares, as diretrizes nacionais e internacionais, publicadas a partir de consensos das sociedades médicas, sugerem, para os implantes iniciais, o uso de marcapassos atrioventriculares, por serem estes, teoricamente, mais fisiológicos que os marcapassos unicamente ventriculares.
A atualização do modo de estimulação no momento de uma troca eletiva, embora possa representar um beneficio teórico, por permitir o aumento fisiológico da freqüência cardíaca aos esforços e o melhor enchimento ventricular, implica em maior custo do sistema implantado, maior permanência hospitalar, maior tempo operatório e risco de complicações relacionadas à introdução de segundo cabo-eletrodo. O desconhecimento dos reais benefícios dessa conduta foram a principal justificativa para o presente estudo.
A presente casuística incluiu apenas pacientes com cardiopatia chagásica, característica diferencial e única dentre os ensaios que comparam os efeitos dos diversos modos de estimulação cardíaca artificial. Estes pacientes apresentam diferenças fundamentais quando comparados a pacientes portadores de bloqueios atrioventiculares degenerativos: são mais jovens no momento do implante inicial de marcapasso e, por terem uma sobrevida maior, são submetidos a maior número de trocas de gerador de pulsos [5].
A doença de Chagas provoca, também, denervação cardíaca intrínseca, muitas vezes de magnitude não previsível [8,9]. Vários trabalhos, como o de GUZZETTI et al. [10], que estudou a variabilidade da freqüência cardíaca em pacientes com cardiopatia chagásica sem insuficiência cardíaca, demonstraram redução da atividade simpática. A conseqüência clínico-funcional mais expressiva desse comportamento é a insuficiência cronotrópica, manifestação do predomínio parassimpático sobre o nódulo sinoatrial.
No presente estudo, os resultados obtidos no teste de caminhada de seis minutos sugerem que os pacientes avaliados apresentavam graus diversos de insuficiência cronotrópica. Foi possível verificar que durante a caminhada, sob o modo de estimulação DDD, que permite a estimulação ventricular sincronizada às ondas "P" espontâneas, a variação da freqüência cardíaca foi menor do que o esperado para pacientes da mesma faixa etária com cardiopatia não chagásica. Quando orientados a caminhar, em níveis de dificuldade subjetivamente definidos com sendo de relativamente fácil a ligeiramente cansativo, os pacientes podem atingir até 77% da freqüência cardíaca máxima [11]. A variação pouco expressiva da freqüência cardíaca pode ter sido o fator responsável pela falta de melhora clínica observada pelos testes de qualidade de vida aplicados.
Face à polêmica a respeito do tema central deste estudo, os resultados obtidos no presente estudo poderão ser de grande valia. Alguns autores entendem que o procedimento de mudança do modo de estimulação na troca eletiva do gerador não deveria ser realizado rotineiramente porque, em geral, envolve pacientes idosos e com estilo de vida sedentário. Os resultados do presente estudo sugerem que mesmo pacientes mais jovens, exercendo, portanto, atividade física mais intensa, a mudança do modo de estimulação pode, também, ser inócua.
HILDICK-SMITH et al. [12], em 1998, avaliando retrospectivamente 44 casos de "upgrade" de MP ventricular para atrioventricular observaram que apenas os pacientes sintomáticos, maioria dos incluídos, se beneficiaram, mas apresentaram taxa de complicações de 45%, considerada muito elevada. GRIBBIN et al. [13], em avaliação de sua experiência, observaram também taxa muito elevada de complicações relacionadas ao implante do eletrodo atrial (36%), e por isso concluíram que a mudança do modo de estimulação na troca eletiva do gerador deveria ser realizada apenas por motivos bem definidos.
A avaliação da qualidade de vida pelo questionário SF 36, com escolha dirigida nas dimensões da capacidade funcional, do estado geral e da vitalidade, permitiu correlações consistentes em pacientes com boa evolução clínica. O presente estudo demonstrou, portanto, que quando se trata de pacientes com cardiopatia chagásica, bloqueio atrioventricular e marcapasso VVI, evoluindo clinicamente bem e sem intolerância ao modo ventricular, o implante de cabo-eletrodo atrial adicional, além de não ser isento de riscos, não proporcionou mudanças clínico-funcionais que justificassem seu emprego rotineiro. Recentemente, em 2003, NEWMAN et al. [14], em um subestudo do CTOPP, com o mesmo protocolo para qualidade de vida, também obtiveram resultados semelhantes aos nossos.
Em outro estudo que envolveu pacientes brasileiros (Estudo Brasileiro de Marcapasso Fisiológico - ESBRAMAF - resultados preliminares), MARTINELLI FILHO et al. [15], em 2001, avaliaram os potenciais benefícios da estimulação cardíaca artificial atrioventricular sobre a ventricular, comparando o comportamento clínico-funcional dos pacientes, concluíram que, em seguimento a curto prazo, não houve diferença entre os modos.
Por outro lado, alguns autores entendem que a oportunidade da troca de gerador deva ser utilizada para realizar o implante do cabo-eletrodo atrial para a profilaxia de taquiarritmias supraventriculares. Este procedimento foi proposto pela primeira vez em 1992, por SULKE et al. [16], por meio de um estudo randomizado incluindo 16 pacientes assintomáticos, com marcapasso VVI implantado há mais de três anos por doença do nó sinusal e bloqueio atrioventricular. O modo DDD promoveu melhora da capacidade física e de bem estar (avaliação subjetiva), mas não foi diferente do ponto de vista ecocardiográfico.
Recentemente, HÖIJER et al. [17] publicaram achados obtidos da observação de 19 pacientes submetidos à mudança do modo ventricular para atrioventricular. Esse estudo randomizado mostrou maior preferência dos pacientes pelo tipo DDDR, assim como melhor qualidade de vida e função cardíaca. A inclusão, entretanto, de pacientes com síndrome de marcapasso, determinou um viés de seleção que comprometeu a comparação dos modos de estimulação. Esse efeito pôde, também, ser observado no estudo MOST, em que a qualidade de vida melhorou após implante de MP, com discreta vantagem para a estimulação atrioventricular. A avaliação realizada, com exclusão do grupo que realizou "crossover" por intolerância ao modo VVI, entretanto, não revelou diferença entre as duas situações [18]. No presente estudo, os pacientes estavam adaptados ao modo de estimulação ventricular o que isenta o estudo desse tipo de crítica.
Torna-se importante ressaltar, finalmente, que a mudança de modo de estimulação, ventricular para atrioventricular, tem indicação absoluta quando houver intolerância ao primeiro, o que não foi objeto do presente trabalho. Estudos em andamento como o STOP-AF (Systematic Trial of Pacing to Prevent AF), o ADEPT (Advanced Elements of Pacing Trial), o UKPACE (UKPACE Trial) e o DANPACE (Danish Pacemaker Trial) podem trazer novos subsídios a essa questão.

CONCLUSÕES

A análise comparativa da estimulação ventricular com a atrioventricular na troca eletiva do gerador de pulsos, em 27 pacientes com cardiopatia chagásica e bloqueio atrioventricular, demonstrou que não houve diferença de comportamento clínico, avaliado pela qualidade de vida e pela classe funcional, ocorrendo, ainda, complicações relacionadas à mudança do modo de estimulação. Em se tratando de pacientes com doença de Chagas, face à possibilidade de co-existência de insuficiência cronotrópica pela denervação provocada por essa entidade nosológica, torna-se necessário o estudo comparativo dos modos de estimulação com a correção do cronotropismo pelo o uso de sensores não atriais.

Agradecimentos

Ao fisioterapeuta Paulo César Bosio e a Enfermeira Cristiane K. P. Sousa, pela dedicada colaboração na realização do teste de caminhada de seis minutos e no questionário de qualidade de vida.

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