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ARTIGO ORIGINAL

Utilização da artéria radial como segundo enxerto arterial em pacientes acima de 70 anos

Joseph Fredric WHITAKER; Pedro Horácio Cosenza PASSOS; Gustavo de Moraes RAMALHO; Antônio José MUNIZ; Rogério de Castro PIMENTEL; João Batista Lopes LOURES; Ângela de Fátima BORGES; Antônio Augusto Miana

DOI: 10.1590/S0102-76382005000100013

INTRODUÇÃO

Os dados demográficos no Brasil e nos países desenvolvidos apontam um evidente aumento da população de idosos. Estimativas colocam-nos como a sexta população de idosos no mundo, em 2025 [1].

Fontes do IBGE demonstram atualmente uma expectativa de vida em torno de 67,6 anos. Dados dos EUA revelam uma expectativa de vida, para quem atinge 65 anos, de 15,6 anos, com tendência a aumentar [2].

A incidência de doença aterosclerótica nestes pacientes é sabidamente alta, com elevado índice de comprometimento multiarterial, lesões complexas, com artérias rígidas e tortuosas, tornando a alternativa cirúrgica mais atraente, apesar da evolução do tratamento intervencionista [2-4].

Os avanços na técnica cirúrgica, tipos de oxigenador, proteção miocárdica, maior utilização de cirurgia sem CEC, cuidados na terapia intensiva e melhor fisioterapia pré e pós-operatória contribuíram para uma atraente redução da morbi-mortalidade neste grupo especial de pacientes.

Já está consolidada a utilização da artéria torácica interna esquerda também neste grupo de pacientes [3,5,6] pela sua superior patência. O uso de ambas as artérias torácicas internas esbarra no maior número de complicações esternais, os enxertos venosos ainda amplamente utilizados apresentam sabidamente alto índice de oclusão, principalmente após o quinto ano [7]. Então por que não utilizar um segundo enxerto arterial, quando possível, neste grupo de pacientes, evitando uma provável reoperação?

Os resultados de ACAR et al [8] e CALAFIORE et al. [11] estimulam-nos a utilizar a artéria radial como segunda opção de enxerto arterial também em pacientes com idade superior a 70 anos que apresentem, porém, boas condições físicas e situação coronariográfica compatível.

Técnica Cirúrgica
Todos os pacientes foram abordados por esternotomia mediana; cuidadosa dissecção da artéria radial com mínima manipulação foi realizada simultaneamente. Neste grupo de pacientes foi utilizado oxigenador de membrana e bomba centrífuga, com heparinização sistêmica (4 mg/kg), hipotermia moderada, cuidadosa manipulação da aorta com um único pinçamento, com pinça protegida, caso necessário, procurando evitar placas e a drenagem venosa com cânula única de dois estágios. A proteção miocárdica foi realizada com cardioplegia sanguínea hipotérmica anterógrada intermitente. Em todos os pacientes foi realizado o teste de Allen previamente, com utilização de Doppler, caso necessário, e também o oxímetro de pulso. Foi utilizado Diltiazem EV na indução anestésica, infusão de nitroglicerina contínua foi mantida no peroperatório e CTI. Até sua utilização, a artéria foi mantida embebida em solução contendo diltiazem, papaverina e xilocaína. Procurou-se evitar a utilização de resfriamento tópico quando a radial foi utilizada. As anastomoses distais foram realizadas inicialmente. Anastomoses seqüenciais com a artéria radial foram realizadas sempre que possível, e ela foi anastomosada preferencialmente em Y com a artéria torácica interna esquerda.

RESULTADOS

Receberam a artéria radial como segundo enxerto arterial, 142 pacientes com idade inferior a 70 anos (Grupo I) e 36 pacientes com idade superior a 70 anos (Grupo II) - Figura 1.


Fig. 1 - Tipo de operação x faixa etária, de agosto de 1994 a dezembro de 2002.
* Pacientes selecionados para o estudo


Ocorreram dois óbitos na fase hospitalar, ambos no Grupo II. Um devido a espasmo da artéria radial, refratário a medicação, evoluindo com baixo débito, foi submetido a reoperação com substituição por enxerto venoso, manteve o baixo débito, falecendo no 4º dia do pós-operatório (PO). O segundo paciente, portador de cardiomiopatia dilatada associada, evoluiu com baixo débito, insuficiência respiratória, falecendo no 60º PO. Os dois receberam suporte mecânico (balão intra-aórtico).

O porcentual de portadores de lesão de tronco de coronária esquerda no Grupo II foi de 27,7% (10 pacientes). Não houve necessidade de revisão de hemostasia neste grupo.

O porcentual de complicações no Grupo II foi semelhante ao grupo submetido ao mesmo tipo de operação com idade inferior a 70 anos (Grupo I), conforme Tabela 1. Os antecedentes mais comuns estão na Tabela 2.


Tabela 1. Análise comparativa de complicações em pacientes submetidos ao mesmo tipo de operação, de acordo com o grupo etário: < 70 anos (Grupo I) e > 70 anos (Grupo II).


Tabela 2. Antecedentes mais comuns nos dois grupos em pacientes submetidos ao mesmo tipo de operação.


A média de anastomoses por paciente no Grupo II foi 3,47, conforme Tabela 3.


Tabela 3. Média de anastomose por faixa etária restrita às operações.


Os principais tipos de complicações e principais tipos de antecedentes não apresentaram evidências de que haja diferença estatística em relação aos grupos, conforme Tabelas 1 e 2, respectivamente. Em relação ao óbito, também não se observam evidências de diferença significativa entre os dois grupos estudados (Tabela 4).


Tabela 4. Porcentual de óbito por faixa etária restrita às operações incluindo arterial radial como 2º enxerto arterial.


A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa estatístico SPSS v.11.01 (Statistical Package for Social Sciences). Para determinar associação dos principais tipos de complicações, antecedentes e óbito com os grupos, foram realizados o teste qui-quadrado (para as freqüências esperadas maiores do que 5) e o teste exato de Fisher (para tabelas 2x2 e freqüências esperadas menores do que 5). O nível de significância adotado foi de 5%.

COMENTÁRIOS

O aumento da expectativa de vida de nossa população está bem claro, com uma evidente elevação do número de indivíduos com idade superior a 70 anos [1,4].

A incidência de doenças ateroscleróticas nesta população é sabidamente elevada [1,4] e os benefícios da revascularização do miocárdio já foram exaustivamente demonstrados [2-4,10]. A utilização da artéria torácica interna esquerda para o ramo interventricular anterior (com todos os seus benefícios) já está consagrada [5-7], inclusive sua utilização em pacientes acima de 70 anos. O uso de enxertos arteriais tem sido uma busca de todos os serviços, procurando diminuir a incidência de reoperações e eventos cardiovasculares [8,9-11-13]. Apesar da grande aplicabilidade do enxerto de safena, sabemos que sua evolução a médio e a longo prazo é insatisfatória [6,11,14,15]. Por que, então, não procurar empregar em pacientes idosos selecionados o mesmo tipo de enxertos que utilizamos nos pacientes mais jovens?

Sabemos que o uso das duas artérias torácicas internas em pacientes idosos é problemático, pela desvitalização óssea e pelo diabetes, muitas vezes associado, que causam maior incidência de mediastinite [9,14]. A abordagem da artéria gastroepiplóica também é problemática, pela invasão da cavidade abdominal e pela limitação anatômica de sua utilização.

O emprego da artéria radial surge como uma opção lógica de utilização, pelo seu fácil manuseio, duplicidade de enxerto, possibilidade de anastomoses seqüenciais e eliminação do manuseio da aorta [16-18].

Devido ao avanço do tratamento intervencionista, restou à cirurgia abordar doentes com lesões multiarteriais, lesões de tronco, com uma insistente e persistente comparação de resultados.

Acreditamos que, selecionando judiciosamente este tipo de paciente, levando em consideração a anatomia coronariana, estado físico do paciente, a qualidade das artérias radiais e a presença de placas ateroscleróticas nelas ou não, podemos optar, com segurança, pela utilização da artéria radial.

Não há aumento do tempo operatório, não ocorreu aumento de sangramento, baixo débito ou mortalidade pela sua utilização como já demonstrado por autores [13,17].

Fica-nos, a propósito, a impressão de uma deambulação mais precoce e um menor número de complicações quando não ocorre a manipulação de membros inferiores [17].

Com efeito, este trabalho preocupou-se apenas em avaliar a utilização da artéria radial como segundo enxerto arterial em pacientes idosos que apresentem condições físicas e anatomia coronariana apropriadas, visando aos benefícios desta conduta em um grupo de pacientes para os quais uma reoperação é altamente indesejável.

Protocolos com estudo coronariográfico tardio seriam desejáveis, entretanto, as características de nosso serviço, porém, dificultam este tipo de controle.

CONCLUSÃO

A utilização da artéria radial como segundo enxerto arterial para cirurgia de revascularização do miocárdio em pacientes com mais de 70 anos parece-nos segura e apresenta bons resultados imediatos. Os pacientes, todavia, devem ser selecionados cuidadosamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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