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RELATO DE CASO

Fração tardia do espaço morto (fDlate) antes e após embolectomia pulmonar

Marcos Mello MOREIRAI; Renato G. G. TERZIII; Reinaldo W VieiraIII; Orlando Petrucci JrIV

DOI: 10.1590/S0102-76382005000100017

INTRODUÇÃO

Sabe-se que podem ocorrer mortes inesperadas por tromboembolismo pulmonar (TEP) e que a anticoagulação é freqüentemente efetiva em reduzir a possibilidade de um novo fenômeno embólico e morte. Por este motivo, em pacientes com suspeita de TEP, seriam desejáveis métodos não-invasivos e disponíveis a serem incorporados como parte da avaliação à beira do leito. Técnicas à beira do leito, para avaliar pacientes com TEP, baseiam-se em algum parâmetro respiratório derivado do espaço morto alveolar. Porém, estas variáveis têm algumas limitações pelas dificuldades em diferenciar pacientes com TEP daqueles com outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC). Para superar esta dificuldade, ERIKSSON et al. [1] descreveram um método gráfico para extrapolar o gradiente artério-alveolar (P(a-et)CO2) a uma virtual expiração tardia. Eles chamaram esta variável de fração tardia de espaço morto (fDlate). Realizaram um estudo, em 38 pacientes com suspeita de TEP, e observaram fDlate superior a 0,12 em indivíduos normais, enquanto pacientes com DPOC tinham fDlate inferior a 0,12. Neste relato foi possível correlacionar os resultados de imagem com a fDlate, antes e após a tromboembolectomia cirúrgica.

RELATO DO CASO

Trata-se de um paciente de 69 anos, do sexo masculino, que deu entrada na UTI, encaminhado de um hospital secundário, onde esteve internado por uma semana, com história de dispnéia, palpitações e tosse seca. Ao exame físico apresentava pulso arrítmico, taquicardia e hepatomegalia discreta. A gasometria arterial revelava importante hipoxemia (PaO2 = 48,8mmHg) e hipocapnia (PaCO2 = 31mmHg).

No eletrocardiograma havia ritmo de fibrilação atrial com desvio do eixo para a direita (+ 60 graus). O ecocardiograma mostrou aumento moderado do ventrículo direito e hipertensão de artéria pulmonar (avaliada em 76 mmHg de sistólica). Com a hipótese diagnóstica inicial de TEP, foi iniciada a anticoagulação plena com heparina não-fracionada. O paciente foi mantido em oxigenoterapia com máscara de Venturi.

Cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão mostrou êmbolos em múltiplas áreas (Figura 1). A tomografia helicoidal computadorizada (TCH) confirmou a presença de imagens de trombos em artéria pulmonar direita e esquerda, estendendo-se até as artérias segmentares posteriores. A ultrassonografia com doppler de membros inferiores confirmou o diagnóstico de trombose venosa profunda à esquerda.


Fig.1 - Cintilografia pulmonar de perfusão no período pré-operatório (A) com fDlate de 0,16 (positivo para TEP) e seis dias após a embolectomia pulmonar (B) quando a fDlate caiu para - 0,04 (negativo para TEP) [1].


A capnografia volumétrica foi registrada com o Monitor de Perfil Respiratório CO2SMO Plus 8100â (Dixtal/Novametrix). A PetCO2 foi gravada por um período de três minutos em ar ambiente. Durante este período, uma amostra de sangue arterial em ar ambiente foi colhida para a análise gasométrica. A fDlate foi calculada após a determinação PetCO2 tardia, extrapolada a 15% da Capacidade Pulmonar Total (CPT), de acordo com ERIKSSON et al. [1], cuja expressão matemática é a seguinte:



A fDlate obtida foi de 0,16 e considerada positiva para o diagnóstico de TEP, porque é maior que o valor de corte de 0,12 [1].

Pela história de mais de duas semanas de evolução e por estar mantendo estabilidade clínica e hemodinâmica, suspeitou-se de embolia crônica, extensa, sendo contra-indicada a trombólise química. Programada a embolectomia cirúrgica, o paciente foi avaliado por estudo hemodinâmico. A cineangiocoronariografia evidenciou artérias coronárias normais e a ventriculografia exibia fração de ejeção de 69%. A artéria pulmonar apresentava importante abaulamento de seu tronco, presença de amputação dos ramos periféricos sugestiva de múltiplas embolias pulmonares crônicas, imagem sugestiva de trombo na artéria lobar inferior do pulmão esquerdo e hipoperfusão do segmento médio pulmonar direito.

Técnica Operatória

Foi realizada intervenção operatória com o auxílio de circulação extracorpórea com hipotermia profunda e parada circulatória total. Foi realizada a arteriotomia pulmonar esquerda, com retirada de trombos e, direita, com retirada de trombos até ramos segmentares (Figura 2), seguida de arteriorrafias e aquecimento do paciente. O exame anátomo-patológico evidenciou material trombótico em várias fases de organização. O paciente teve alta no sexto dia pós-operatório. Antes da alta, foi submetido a nova cintilografia pulmonar de perfusão (Figura 1) e, após a obtenção do consentimento esclarecido, à capnografia volumétrica para o cálculo da fDlate. O valor obtido foi de - 0,04, inferior a 0,12, sendo assim, caracterizado como negativo. Em ar atmosférico (FiO2 = 0,21), a PaO2 estava normalizada em 88,1mmHg.


Fig. 2 - Trombo retirado de artéria pulmonar (escala em centímetros).


COMENTÁRIOS

ERIKSSON et al. [1], OLSSON et al. [3] e ANDERSON et al. [4] aplicando o valor de corte para a fDlate de 0,12, obtiveram boa sensibilidade e especificidade para este método, indicando ser consideravelmente efetivo em distinguir pacientes com TEP daqueles com DPOC.

Resultados previamente publicados de nossa instituição [5] revelaram uma fDlate média de 0,25 ± 0,17, em 21 pacientes com diagnóstico confirmado para TEP e de - 0,02 ± 0,19, em 25 pacientes com diagnóstico confirmado por imagem, como negativo.

A abertura de leitos vasculares pela remoção do material trombótico resultou em significativa melhora do espaço morto alveolar, resultando em redução da fDlate. Concomitantemente, houve expressiva evolução clínica decorrente da melhora da hipoxemia observada no pré-operatório.

O caso apresentado demonstra, inequivocamente, a reversão da fDlate com a tromboembolectomia pulmonar cirúrgica e vem confirmar observação anterior onde o mesmo fato foi demonstrado após trombólise química [6].

Mortes súbitas podem ocorrer por TEP, a anticoagulação é freqüentemente efetiva em reduzir esta incidência e também um novo fenômeno embólico. Por este motivo, os métodos diagnósticos por imagem (Cintilografia e TCH) são solicitados toda vez que há suspeita clínica de TEP. Em nossa instituição, os exames por imagem são negativos em mais de 40% dos casos de suspeita clínica de TEP [5]. Por outro lado, em países em desenvolvimento, os exames por imagem nem sempre estão disponíveis. Por esse motivo, métodos não-invasivos que possam excluir a possibilidade de TEP reduziriam, de forma considerável, o número de pacientes submetidos, desnecessariamente, à cintilografia pulmonar e à TCH, mesmo em hospitais onde estes exames estão disponíveis. Exames não-invasivos poderiam também ser usados em pequenos hospitais onde estes recursos de imagem não estão disponíveis, objetivando selecionar pacientes a serem transferidos para instituições de referência para investigação mais detalhada.

Concluindo, neste relato apresentamos um paciente com diagnóstico de TEP confirmado por imagem e com uma fDlate positiva, a qual se negativou após a tromboembolectomia pulmonar cirúrgica, validando esta nova variável como ferramenta diagnóstica não-invasiva. Se estudos mais abrangentes, associados ou não à avaliação do dímero-D confirmarem a confiabilidade da fDlate, é possível antever que, em futuro próximo, a decisão de anticoagular ou não um paciente com suspeita de TEP possa se basear, exclusivamente, em métodos não-invasivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Eriksson L, Wollmer P, Olsson CG, Albrechtsson U, Larusdottir H, Nilsson R et al. Diagnosis of pulmonary embolism based upon alveolar dead space analysis. Chest. 1989;96(2):357-62.

2. Grimby G, Söderholm B. Spirometric studies in normal subjects. III static lung volumes and maximum voluntary ventilation in adults with a note on physical fitness. Acta Med Scand. 1963;173:199-205.

3. Olsson K, Jonson B, Olsson CG, Wollmer P. Diagnosis of pulmonary embolism by measurement of alveolar dead space. J Intern Med. 1998;244(3):199-207.

4. Anderson JT, Owings JT, Goodnight JE. Bedside noninvasive detection acute pulmonary embolism in critically ill surgical patients. Arch Surg. 1999;134(8):869-75.

5. Mello MM, Terzi RGG. Triagem não-invasiva para a exclusão diagnóstica de pacientes com suspeita de tromboembolismo pulmonar (TEP). Rev Bras Terap Intens. 2004;16:124-9.

6. Thys F, Elamly A, Marion E, Roeseler J, Janssens P, El Gariani A et al. PaCO2/ETCO2 gradient: early indicator of thrombolysis efficacy in a massive pulmonary embolism. Resuscitation. 2001;49(1):105-8.
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