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ARTIGO ORIGINAL

Ação inibitória da Interleucina - 1ß sobre a proliferação de células musculares lisas cultivadas a partir de veias safenas humanas

Luís A.O. DALLANI; Ayumi A. MiyakawaI; Luiz A. LISBOAI; Thaiz F. BORINI; Carlos A.C. ABREU FILHOI; Luciene C. CAMPOSI; José E. KRIEGERI; Sérgio A OliveiraI

DOI: 10.1590/S0102-76382005000200004

INTRODUÇÃO

A revascularização do miocárdio isquêmico, utilizando-se enxertos com veia safena, é um procedimento cirúrgico ainda empregado no restabelecimento do fluxo coronário. Apesar da efetividade do procedimento, esses vasos podem sofrer processo degenerativo, especialmente de origem aterosclerótica, comprometendo os resultados cirúrgicos posteriores.

Recentemente, desenvolvemos um sistema de cultura "ex vivo" que permite mimetizar as condições em que a veia safena fica submetida, quando implantada em leito arterial coronário [1]. Além disto, utilizando a plataforma de "cDNA microarray", foi possível identificar um conjunto de genes que podem contribuir para a degeneração da ponte de safena e, com isso, iniciar estudos sobre as alterações moleculares envolvidas nesse processo [1]. Entre os genes identificados, o papel funcional da Interleucina - 1ß está sendo estudado.

A exemplo de outras citocinas, diferentes tipos de ação estão sendo atribuídos à Interleucina - 1ß, que não apenas na mediação de reações inflamatórias.

Neste trabalho, objetivamos avaliar a influência da Interleucina - 1ß na proliferação das células musculares lisas das veias safenas.

MÉTODO

Cultura primária de células musculares lisas de veia safena

A retirada da camada endotelial dos fragmentos de safena humana foi realizada por atrito mecânico. A seguir, esses fragmentos foram cortados em pequenos pedaços e aderidos a placas de cultura, tratadas com gelatina 0,3%. Após, aproximadamente, uma semana, observou-se o início do crescimento de células musculares lisas, que foram ampliadas e caracterizadas com anticorpo anti - ß actina. As células foram mantidas em meio de cultura DMEM (Dulbecco's Modified Eagle's Medium - Invitrogen), suplementado com 10% de soro fetal bovino.

Análise de proliferação celular

As células musculares lisas de safena humana foram cultivadas na presença de [3H]timidina. Isso permitiu constatar a ocorrência de proliferação celular "in vitro", através da análise da incorporação dessa [3H]timidina ao DNA da célula. A quantidade incorporada no DNA foi determinada através do método de precipitação por ácido tricloroacético (TCA).

O experimento foi, então, realizado em placas de 24 poços, no interior dos quais foram cultivadas 2-4 x 104 células. As células foram mantidas por três dias em 0,5% de albumina bovina (BSA), visando sincronizar o ciclo celular. Em seguida, as células foram tratadas com o estímulo desejado (Interleucina - 1ß por 48 horas. O grupo controle não recebeu Interleucina - 1ß. Nos demais grupos as células cultivadas receberam, respectivamente, 0,1; 1; 10 e 100 ng/mL de Interleucina - 1ß. Vinte e quatro horas antes do final do experimento, adicionou-se 10mCi/mL de [3H]timidina ao meio de cultura. Após precipitação com ácido tricloroacético, promoveu-se a leitura em líquido de cintilação.

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Análise estatística

Os dados foram analisados pelo teste ANOVA e as diferenças entre os grupos foram consideradas significativas para p<0,05.

RESULTADOS

A Interleucina-1ß diminuiu a incorporação de [3H]timidina do DNA das células cultivadas de maneira dose-dependente, a saber: Grupo controle (sem adição de Interleucina - 1ß) tomado como base 100±4,5% de proliferação celular. Nos demais grupos, a quantidade de Interleucina - 1ß administrada e a proliferação celular aferida foram, respectivamente: 0,1 ng/mL e 112±0,7%; 1 ng/mL e 83,8±4,7%; 10 ng/mL e 69,1±3,8%; 100 ng/mL e 67,3±10,9%; (N= 6, p<0,01) - (Figura 1).

COMENTÁRIOS

A Interleucina - 1ß é uma citocina reconhecida, que participa ativamente de processos inflamatórios [2]. No processo de lesões ateroscleróticas, observa-se também a presença de citocinas e fatores de crescimento que interagem com células vasculares, resultando no processo inflamatório [3]. A doença do enxerto venoso apresenta características semelhantes à evolução da aterosclerose em artérias coronárias. Porém, o papel das citocinas na patogênese da lesão do enxerto não está bem esclarecido.

Recentemente, Christiansen et al. [4] demonstraram que os níveis de citocinas, incluindo-se a Interleucina - 1ß, estão aumentados nos enxertos de veia safena, quando comparados às artérias coronárias ateroscleróticas. Isso sugere a ocorrência de um processo inflamatório mais pronunciado nos enxertos, do que aquele que se verifica nas artérias coronárias, o que contribui para a formação acelerada de aterosclerose nos mesmos.

Em modelos experimentais, foi demonstrado que a Interleucina - 1ß encontra-se aumentada, tanto em endotélio, como na camada média, durante os dois primeiros dias após o enxerto de veia epigástrica em artéria femoral de rato [5]. Isto vem de acordo com os dados que demonstramos recentemente [1], onde a veia safena humana cultivada em regime pressórico arterial por 24 horas apresentava aumento de 1,95 vezes na expressão da Interleucina - 1ß quando comparada ao segmento de safena cultivado em condição venosa (Figura 2).

Análise de imuno-histoquímica mostrou que este aumento de expressão é acompanhado por uma tendência no aumento da coloração para Interleucina - 1ß nas veias safenas cultivadas em regime hemodinâmico arterial, sugerindo que o aumento da expressão de Interleucina - 1ß reflete no aumento de sua proteína (Figura 3).

Já está bem caracterizado em modelos experimentais que, durante o processo de "arterialização" dos enxertos venosos, ocorrem duas etapas importantes. Inicialmente, observa-se um processo degenerativo precoce, onde se destaca a ocorrência de processo apoptótico e, conseqüentemente, perda de densidade celular. Isto é resultado do estresse a que a parede da veia é submetida quando colocada em regime arterial. Este regime hemodinâmico de maior fluxo e maior pressão causa um estiramento na parede da veia, cuja estrutura não está preparada para receber tal tensão [6,7]. A segunda etapa seria o processo proliferativo que ocorre em resposta a esta primeira etapa [8]. A perda celular e o estresse mecânico na parede da veia fazem com que as células musculares lisas comecem a proliferar para fortalecer a sua estrutura e para adaptar-se à nova condição hemodinâmica imposta.

Nossos dados anteriores [1] mostraram aumento de evento apoptótico nas veias safenas humanas cultivadas em regime pressórico arterial por 24 horas (Figura 4), cujo aumento é acompanhado da elevação da Interleucina - 1ß (Figuras 2 e 3). Isto nos fez testar a hipótese de que a Interleucina - 1ß estaria participando do processo de apoptose e perda de densidade celular observados no primeiro estágio do processo de "arterialização" do enxerto venoso. Desta forma, cultura primária de células musculares lisas de veia safena humana foram tratadas com concentrações crescentes de Interleucina - 1ß e o efeito na densidade celular foi avaliado (Figura 1). Estes dados indicam que a Interleucina - 1ß interfere na densidade de células musculares lisas de veia safena humana, diminuindo sua proliferação celular e sugerem que ela pode estar relacionada à degeneração precoce observada na veia interposta em regime hemodinâmico arterial. O seguimento desta linha de pesquisa incluirá novos testes que avaliarão a relação direta entre a Interleucina - 1 ß e o processo apoptótico.


Fig. 1 - Curva dose-resposta da incorporação de [3H] timidina no DNA de células primárias de músculo liso de safena humana tratadas com Interleucina - 1ß. As células foram incubadas por 3dias com 0,5% de BSA para sincronização do ciclo celular, seguido de 48 horas de estímulo na presença de 10% de soro fetal bovino. A [3H] timidina (10mCi/mL) foi adicionada nas últimas 24 horas. Cada barra representa média ± desvio padrão de 6 experimentos em triplicata. Os dados foram normatizados em relação à incorporação de [3H] timidina das células sem tratamento (linha tracejada) - (* indica p < 0,05)


Fig. 2 - Expressão da Interleucina-1ß em veia safena humana cultivada em regime venoso e arterial por 24 horas. A quantificação foi realizada por RT-PCR em tempo real em amostras de 16 indivíduos. (* indica p<0,05 em relação à condição venosa)




Fig. 3 - Imuno-histoquímica para Isoleucina-1ß em segmentos de veia safena humana cultivada em regime venoso (A) e arterial (B) por 24 horas. (C) Quantificação da marcação para Interleucina-1ß em amostras de 9 indivíduos. A análise foi realizada por um observador cego para condição de cultivo, sendo dada pontuação de 0 a 3 proporcionalmente à quantidade de marcação. (Aumento de 200x)


Fig. 4 - Ensaio de TUNEL para verificação de processo apoptótico em segmentos de veia safena cultivada em regime hemodinâmico venoso (A) e arterial (B) por 24 horas. (Aumento de 200x)


CONCLUSÕES

Estes resultados indicam que a administração de quantidade crescente de Interleucina - 1ß inibe a proliferação de células primárias de músculo liso, cultivadas a partir de veias safenas humanas. Isso sugere que o processo de apoptose, observado já em fase precoce (um dia) de exposição do enxerto venoso a regime pressórico arterial, pode estar relacionado à ação dessa citocina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Dallan LAO, Miyakawa AA, Lisboa LA, Abreu Filho CA, Campos LC, Borin T et al. Alterações estruturais e moleculares (cDNA) precoces em veias safenas humanas cultivadas sob regime pressórico arterial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(2):126-35.

2. Kofler S, Nickel T, Weis M. Role of cytokines in cardiovascular diseases: a focus on endothelial responses to inflammation. Clin Sci (Lond). 2005;108(3):205-13.

3. von der Thusen JH, Kuiper J, van Berkel TJ, Biessen EA. Interleukins in atherosclerosis: molecular pathways and therapeutic potential. Pharmacol Rev. 2003;55(1):133-66.

4. Christiansen JF, Hartwig D, Bechtel JF, Kluter H, Sievers H, Schonbeck U et al. Diseased vein grafts express elevated inflammatory cytokine levels compared with atherosclerotic coronary arteries. Ann Thorac Surg. 2004; 77(5):1575-9.

5. Faries PL, Marin ML, Veith FJ, Ramirez JA, Suggs WD, Parsons RE et al. Immunolocalization and temporal distribution of cytokine expression during the development of vein graft intimal hyperplasia in an experimental model. J Vasc Surg. 1996;24(3):463-71.

6. Moore MM, Goldman J, Patel AR, Chien S, Liu SQ. Role of tensile stress and strain in the induction of cell death in experimental vein grafts. J Biomech. 2001;34(3):289-97.

7. Rodriguez E, Lambert EH, Magno MG, Mannion JD. Contractile smooth muscle cell apoptosis early after saphenous vein grafting. Ann Thorac Surg. 2000;70(4):1145-53.

8. Yamamura S, Okadome K, Onohara T, Komori K, Sugimachi K. Blood flow and kinetics of smooth muscle cell proliferation in canine autogenous vein grafts: in vivo BrdU incorporation. J Surg Res. 1994;56(2):155-61.

DISCUSSÃO

Comentarista - Prof. Domingo M. Braile
São José do Rio Preto, SP

1. O trabalho realizado aparentemente contradiz os achados da literatura, uma vez que a Interleucina - 1 ß é um mediador inflamatório que favorece a proliferação celular, conforme indicação das referências citadas no trabalho (referências 2 e 4). Na referência 5, constata-se inclusive que a expressão da Interleucina - 1ß foi bastante precoce (pico máximo no segundo dia) e foi considerada envolvida no processo causador de proliferação celular. A que o autor credita, então, o fato de ter encontrado redução da proliferação celular com concentrações progressivamente maiores de Interleucina - 1 ß? Pergunto, ainda, se a avaliação tendo sido feita com apenas 48 horas não poderia levar também a uma má interpretação, levando-se em consideração que também na referência 5 foi demonstrado que o pico máximo de proliferação celular em duas semanas?

2. No Método, os autores informam que o estudo estatístico foi realizado com auxílio da ANOVA (análise de variância). Este método só é recomendado para comparação de médias de três ou mais grupos. Assim sendo, só pode ser utilizado com variáveis que permitam o cálculo de média e desvio-padrão. Para isso, a variável precisa ser contínua e ter distribuição gaussiana. Não é o caso da variável utilizada no presente estudo. Os autores compararam as porcentagens de incorporação da timidina como indicativo do grau de proliferação celular em relação ao grupo controle. A variável utilizada (contagem de células ou estimativa do grau de proliferação) seria no máximo uma variável quantitativa discreta e, portanto, deveria ser utilizado um teste não-paramétrico, no caso o Kruskall-Wallis com o pós-teste de comparações múltiplas de Dunn, caso fosse detectada alguma diferença. Vale lembrar que mesmo que fosse possível a utilização da ANOVA, os grupos mostram desvios-padrão muito diferentes conforme pode ser constatado com a utilização do método de Bartlett, invalidando mais uma vez a utilização de método paramétrico e indicando a necessidade de teste não-paramétrico. Os autores devem concordar que as conclusões poderão ser diferentes com a utilização dos testes estatísticos adequados ao estudo.

Respostas ao Comentarista

1. Certamente, a Interleucina - 1 ß é classicamente conhecida como mediador inflamatório, que leva à proliferação celular. Por outro lado, sabe-se que as citocinas têm múltiplas ações. Nesse contexto, a Interleucina-1 ß também vem sendo citada como um fator apoptótico em células vasculares [1]. Conforme discutido no trabalho, o processo de arterialização dos enxertos venosos ocorre em duas etapas, a saber: a primeira, onde é observado processo apoptótico com perda da densidade celular, e a segunda etapa corresponderia ao processo proliferativo, que acontece em resposta à primeira etapa. Provavelmente, essa veia descelularizada já na etapa inicial torna-se vulnerável, podendo degenerar-se nos próximos meses ou anos. Em nosso estudo prévio, foi observado que a Interleucina - 1 ß está aumentada na veia safena após 24 horas de cultivo em condição hemodinâmica arterial; além disto, foi verificada a presença de apoptose, como já tem sido bem demonstrado na literatura. O fato do tratamento das células musculares lisas de veia safena com Interleucina - 1 ß ter levado à diminuição da proliferação celular sugere que a Interleucina - 1 ß pode estar participando diretamente no processo degenerativo inicial dos enxertos de veia safena. Sabe-se que a prevenção da apoptose inicial, observada nos enxertos venosos em leito arterial, leva à regressão da hiperplasia observada mais tardiamente [2]. A nossa hipótese é de que, caso a Interleucina - 1 ß esteja participando diretamente do processo apoptótico, a sua inibição poderá prevenir o processo de hiperplasia subseqüente, já que esta é conseqüência da etapa anterior. O trabalho de Faries et al. (referência 5 de nosso trabalho), utilizado como exemplo pelo revisor, reforça esta nossa proposta. Estes autores demonstraram que a Interleucina - 1 ß está aumentada logo após os primeiros dias de enxerto e a hiperplasia é um evento mais tardio, com pico observado após duas semanas. Assim, o nosso objetivo foi testar diretamente essa hipótese, verificando se existe relação entre o aumento da Interleucina - 1 ß e o evento apoptótico. Sendo esta hipótese verdadeira, a inibição da Interleucina - 1 ß nas veias safenas, previamente ao processo de revascularização do miocárdio, pode ser uma importante intervenção para elevar a patência desses enxertos.

2. Como o Comentarista bem colocou, a análise estatística aplicada no nosso estudo é recomendada para comparação de médias de três ou mais grupos. Em nosso estudo estão sendo comparados médias e desvios padrões de seis experimentos, entre cinco grupos. Os dados estão apresentados em porcentagem porque os valores de incorparação de [H3] timidina foram normalizados em relação aos valores obtidos nas células controle (sem tratamento com Interleucina - 1 ß). Desta maneira, os dados são contínuos e possuem uma distribuição gaussiana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Geng YJ, Wu Q, Muszynski M, Hansson GK, Libby P. Apoptosis of vascular smooth muscle cells induced by in vitro stimulation with interferon-gamma, tumor necrosis factor-alpha, and interleukin-1 beta. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 1996;16(1):19-27.

2. Moore MM, Goldman J, Patel AR, Chien S, Liu SQ. Role of tensile stress and strain in the induction of cell death in experimental vein grafts. J Biomech. 2001;34(3):289-97.
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