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ARTIGO ORIGINAL

Plástica valvar mitral pela técnica de "Duplo Teflon" em pacientes com anel valvar calcificado e degeneração mixomatosa

João Marcelo A.C. de ALBUQUERQUEI; Paola Y. POMERANTZEFFII; Carlos Manuel de Almeida BrandãoIII; Max GrinbergIV; Pablo M. A PomerantzeffV; Sérgio Almeida de Oliveira

DOI: 10.1590/S0102-76382005000200007

INTRODUÇÃO

O prolapso da valva mitral decorrente de degeneração mixomatosa pode estar associado à calcificação do anel mitral, principalmente em pacientes idosos, e evolui com uma variedade de síndromes clínicas [1]. Elas incluem a insuficiência mitral nos seus mais variados graus. O mecanismo mais freqüente desta insuficiência é o alongamento ou rotura de cordas [2], que hoje tem indicação precisa de plástica para a correção valvar [3]. Em vários países, esta é a causa mais freqüente de insuficiência mitral [4-6]. Na nossa experiência, a degeneração mixomatosa representa 25,9% da etiologia dos pacientes submetidos à plástica da valva mitral, em experiência de 12 anos [7].

Em 1966, Criley et al. [8] introduziram o termo prolapso em suas descrições cineangiográficas, quando encontravam marcado abaulamento de um lobo da cúspide posterior da valva mitral para dentro do átrio esquerdo na sístole ventricular ("billowing"), ou múltiplos abaulamentos ("floppy") da cúspide posterior.

O verdadeiro prolapso, segundo Cheng e Barlow [9], significa falta de coaptação adequada com deslocamento da cúspide envolvida para dentro do átrio esquerdo com insuficiência mitral.

Insuficiência mitral progressiva é encontrada em aproximadamente 5% dos portadores de prolapso da valva mitral. A ocorrência de prolapso na população saudável depende do método utilizado para o diagnóstico. À simples ausculta, a incidência varia de 1,4% a 6,3%. Se a ecocardiografia for utilizada, aproximadamente 21% das mulheres jovens têm esse diagnóstico [10].

Nos estudos de Framigham, o prolapso da valva mitral tem sido descrito como o mais freqüente diagnóstico de anormalidade valvar cardíaca nos Estados Unidos da América. As estimativas que prevalecem variam de 5% a mais de 15% [11]. Estudos clínicos têm sugerido que o prolapso da valva mitral, em muitos pacientes, constitui uma síndrome que prevalece em indivíduos longilíneos com anormalidades ósseas da parede torácica [12].

Deverreux et al. [13] descrevem incidência de prolapso de 4%, em população de 2146 indivíduos. O risco de endocardite bacteriana nos pacientes com prolapso foi de 4,6%, e 41,4% de rotura de cordas. Houve prevalência de complicações no sexo masculino, na proporção de 7,4 para 2,5 em relação ao feminino. Os pacientes com insuficiência mitral e rotura de cordas eram significativamente mais idosos do que os que não apresentavam complicações.

Hill et al. [14] encontraram 5% de prolapso da valva mitral em 294 necropsias feitas de rotina no Hospital St. Georges em Londres.

São aceitas, como vantagens da reconstrução valvar em relação à substituição, a menor morbimortalidade operatória, menores taxas de tromboembolismo e endocardite [15], melhores índices de sobrevida, preservação da função ventricular esquerda, necessidades reduzidas de anticoagulação e menores custos [16-18].

O objetivo deste estudo é apresentar resultados imediatos e tardios da plástica da valva mitral pela técnica de Duplo Teflon, em pacientes com insuficiência mitral importante que apresentam anel valvar calcificado e degeneração mixomatosa.

MÉTODO

Entre 1985 e 2002, 162 pacientes com insuficiência mitral devido à degeneração mixomatosa foram submetidos a plástica da valva mitral no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Trabalho aprovado pela Comissão Científica do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e pelo Comitê de Ética da do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Deste total, 13 pacientes que apresentavam anel valvar gravemente calcificado foram submetidos a plástica da valva com ressecção quadrangular pela técnica de Duplo Teflon [19] - Figura 1. A idade média dos pacientes foi 65,4 +/- 12,9 anos. Do total, 69,2% eram do sexo masculino e 30,8% feminino. Um (7,7%) paciente tinha doença coronariana associada e foi submetido a cirurgia de revascularização do miocárdio.

No período pré-operatório, dois (15,4%) pacientes estavam em classe funcional IV da New York Heart Association (NYHA), nove (69,2%) em classe III e dois (15,4%) em classe II.

RESULTADOS

Não houve óbito no período pós-operatório imediato. No período pós-operatório tardio, 90,9% dos pacientes vivos estavam em classe funcional I (Figura 2). Não houve complicações como hemólise ou endocardite. Um paciente foi reoperado no segundo mês do período pós-operatório, sendo realizada a troca da valva mitral. A taxa de sobrevida livre de reoperação em 14 anos foi 92,3 +/- 7,4% (Figura 3). Dois (15,3%) pacientes tiveram óbito no período pós-operatório tardio. A curva actuarial de sobrevida em 14 anos foi 71,4% +/- 17,1% (Figura 4).

Foi comprovada a degeneração mixomatosa da valva mitral pelo exame anatomopatológico de todos os pacientes do presente estudo.

COMENTÁRIOS

Apesar dos esforços da engenharia biomédica em produzir próteses mecânicas cada vez mais sofisticadas [20], estas ainda não são ideais e a durabilidade das biopróteses é desafio presente para os que trabalham com a preservação dos tecidos biológicos.

A controvérsia substituição versus plástica, em pacientes mitrais selecionados, existe há muitos anos [1,21] e demonstra o mérito relativo a ambos os procedimentos. Akins et al. [5], após análise de regressão multivariada em 263 pacientes consecutivos submetidos à cirurgia da valva mitral por doença degenerativa, encontraram que a substituição mitral por si só é um importante fator preditor de mortalidade hospitalar.

A doença degenerativa mitral é a causa mais comum de insuficiência mitral nos países industrializados. A cirurgia conservadora da valva mitral é o tratamento padrão para estes casos.

David et al. [6] estudaram 184 pacientes com valvopatia mitral degenerativa, operados entre 1981 e 1992, com estimativa de sobrevida de 88+/- 4% em 8 anos e 95 +/- 2% de estimativa de sobrevida livre de reoperação. Estes autores afirmam que a plástica da valva mitral na insuficiência mitral devido à degeneração mixomatosa é factível na maioria dos pacientes e associada a baixa morbimortalidade. Os resultados tardios indicam excelente sobrevida e baixo risco de problemas importantes no pós-operatório.

Alvarez et al. [4] mostraram uma estimativa de sobrevida livre de reoperação de 90,1+/- 4% em 10 anos e 84,9 +/- 11%, em 15 anos, empregando técnica de ressecção quadrangular da cúspide posterior e anuloplastia sem o emprego de anel protético, exatamente como na nossa experiência. Destacam os autores que para o sucesso da plástica de ressecção quadrangular a chave é a estabilidade do anel posterior, com uma anuloplastia localizada que retira a tensão na cúspide reconstruída. Na experiência dos autores, a colocação de pontos separados no anel atinge os objetivos. Como conseqüência deste procedimento, a cúspide posterior da valva mitral torna-se uma "plataforma" contra a qual a cúspide anterior abre e fecha. Ao ecocardiograma bidimensional, a valva tem aparência de monocúspide. Ressaltam, ainda, os autores que esta técnica não afeta a mobilidade da cúspide anterior e que a não colocação de um anel protético encurta o tempo da operação, facilitando a sua reprodutibilidade.

Sabe-se que o anel mitral adquire diferentes formas durante o ciclo cardíaco, e que existe uma contração dinâmica do mesmo [22]. A utilização de anéis protéticos, principalmente os rígidos, dificulta a sua contração normal.

Estudos encontraram indícios de melhor função ventricular esquerda quando da utilização de anéis flexíveis para anuloplastia mitral, havendo maior redução do diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo, bem como do volume sistólico final [23].

Calcificação do anel mitral em valva mixomatosa é um processo degenerativo que envolve o esqueleto fibroso do coração, resultando em aumento do estresse no aparelho valvar mitral. Calcificação maciça do anel valvar mitral é encontrada em 0,2% de necropsias em pacientes com mais de 51 anos de idade, com incidência maior nas mulheres [11].

O anel mitral calcificado representa um desafio na plástica ou substituição valvar. A incidência de rotura atrioventricular esquerda é maior, principalmente quando se realiza extensa descalcificação do anel posterior da valva. Na plástica, segundo Bichell et al. [24], é possível a descalcificação sem risco adicional. Entre 1980 e 1993, no Brigham and Women' s Hospital de Boston, Estados Unidos da América, dentro de uma série de 252 pacientes submetidos à plástica por degeneração mixomatosa, 14 pacientes apresentavam calcificação importante do anel posterior. Utilizando descalcificação do anel e deslizamento da cúspide posterior após a ressecção quadrangular, não houve mortalidade ou complicações pós-operatórias.

A dificuldade técnica de se preservar a valva quando nos deparamos com um anel mitral calcificado pode ser um desafio. No entanto, Carpentier et al. [25] demonstraram que é possível realizar plástica da valva mitral nesse tipo de paciente com bons resultados.

Em nossa série, a plástica de mitral pela técnica de Duplo Teflon, preconizada por Pomerantzeff et al. [19], mostrou ser simples e facilmente reprodutível. O resultado foi satisfatório e os pacientes tiveram uma boa evolução clínica.


Fig. 1 - Ressecção quadrangular: técnica de duplo Teflon


Fig. 2 - Classe funcional pré e pós-operatória (NYHA)


Fig. 3 - Sobrevida livre de reoperação


Fig. 4 - Sobrevida actuarial


CONCLUSÃO

A plástica da valva mitral com a técnica de Duplo Teflon, em pacientes com insuficiência mitral devido à degeneração mixomatosa, associada ao anel valvar calcificado, apresentou taxa de sobrevida satisfatória e boa evolução clínica, sugerindo ser uma boa alternativa no tratamento cirúrgico valvar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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