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ARTIGO ORIGINAL

A efetividade de uma proposta fisioterapêutica pré-operatória para cirurgia de revascularização do miocárdio

Camila Pereira LeguisamoI; Renato A.K. KALILII; Ana Paula FURLANIIII

DOI: 10.1590/S0102-76382005000200008

INTRODUÇÃO

A freqüência dos procedimentos cirúrgicos aumentou progressivamente nas últimas décadas. As complicações pulmonares pós-operatórias são uma fonte significativa de mortalidade e morbidade [1]. Dessa forma, podem-se reduzir as taxas de mortalidade, identificando os pacientes em risco de complicações pulmonares pós-operatórias [2-4] e otimizando a terapêutica [1,5].

Alguns fatores que predispõem às complicações respiratórias no pós-operatório podem ser minimizados por adequada avaliação e manejo pré-operatórios, incluindo o uso de fisioterapia respiratória [6], broncodilatadores, uso de antibióticos, tratamento da insuficiência cardíaca e interrupção do fumo [7].

A fisioterapia respiratória é freqüentemente utilizada na prevenção e tratamento de complicações pós-operatórias como: retenção de secreção, atelectasias e pneumonia. A duração e freqüência da fisioterapia respiratória para pacientes cirúrgicos são variadas, dependendo das necessidades individuais, preferência terapêutica e prática institucional [6,8].

A fisioterapia respiratória deverá ser iniciada no pré-operatório de forma a avaliar e orientar os pacientes. No período pós-operatório, o tratamento consiste basicamente em exercícios ventilatórios e estímulo de tosse [3,8,9].

A orientação de exercícios ventilatórios consiste na adequação do tempo inspiratório e expiratório e da profundidade ventilatória ao padrão muscular ventilatório mais adequado, tanto no que se refere à freqüência respiratória quanto ao volume corrente [8]. Além disso, essa orientação visa a iniciar o paciente a utilizar corretamente a musculatura ventilatória e a fazê-lo entender os diferentes tipos de padrões ventilatórios, por meio de demonstração prática neste processo de orientação [9,10].

Este estudo teve por objetivo estabelecer a efetividade de um programa de orientação fisioterapêutica pré-operatória para pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio (RM), em relação à redução do tempo de internação hospitalar, prevenção de complicações radiológicas pulmonares, alteração de volumes pulmonares e força muscular inspiratória.

MÉTODO

A pesquisa caracteriza-se por ser um ensaio clínico randomizado, composto por indivíduos submetidos à cirurgia eletiva de RM no período de dezembro de 2002 a agosto de 2003, no Instituto de Cardiologia do RS/Fundação Universitária de Cardiologia.

Amostra

A pesquisa foi realizada em 86 indivíduos, homens e mulheres, submetidos à cirurgia de RM com anastomose mamário-coronariana e pontes de safena aorto-coronarianas, que permaneceram em ventilação mecânica por um período máximo de 24 horas, sendo extubados pelos métodos convencionais. Seriam excluídos do estudo todos os indivíduos que apresentassem seqüelas neurológicas no pós-operatório (AVC isquêmico ou hemorrágico); pacientes reentubados no pós-operatório, que fizessem uso de ventilação não-invasiva no pós-operatório, que negassem realizar os testes de função pulmonar e/ou a fisioterapia proposta no período pós-operatório; e os indivíduos que não completassem o mínimo de 15 (quinze) dias de orientação pré-operatória.

Inicialmente, foram selecionados para o estudo 104 pacientes, destes, 14 não aceitaram participar. Dos que participaram, foram excluídos do estudo um paciente do grupo controle devido a óbito e três do grupo intervenção. Destes, dois desistiram de participar da pesquisa e outro não foi submetido à cirurgia cardíaca. Nesta amostra, não houve pacientes com história de edema pulmonar no pós-operatório.

Intervenção

Primeiramente, este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética do IC/FUC, e obtido termo de consentimento por escrito dos pacientes para realização do estudo. Logo, os pacientes foram alocados para o grupo controle ou intervenção, por meio de tabela de números aleatórios.

O grupo intervenção foi avaliado e orientado, no mínimo, 15 dias antes da cirurgia de RM. Foi realizado, no período entre a primeira orientação fisioterapêutica e a data da internação hospitalar (24 horas antes da operação), um encontro semanal e individual para controle e orientação dos exercícios ventilatórios. O grupo controle foi orientado (sem material por escrito) quanto à fisioterapia respiratória (exercícios ventilatórios) e avaliado 24 horas antes da cirurgia, conforme rotina hospitalar atual. Todos os pacientes que fizeram parte do estudo receberam fisioterapia respiratória convencional (exercícios ventilatórios, posicionamento no leito, manobras de vibração e compressão torácica e orientação de tosse duas vezes ao dia) no pós-operatório pela equipe de fisioterapia do hospital.

Após seleção dos pacientes, a pesquisa se constituiu na aplicação de uma ficha de avaliação detalhada em que se obtiveram os dados de identificação, tempo de circulação extracorpórea (CEC), data da cirurgia e da alta hospitalar e fatores de risco para complicações pulmonares (DPOC, obesidade, tabagismo, história pregressa de tabagismo, pacientes com idade ³ 65 anos). Realizou-se a fisioterapia no pré-operatório, com ou sem o programa de orientação, por meio de orientação por escrito de exercícios ventilatórios e tosse. O critério para obesidade foi índice de massa corporal (IMC) ³30 kg/m². Para tabagismo, pacientes que fumam ou fumaram até 30 dias antes da operação e para ex-tabagistas aqueles com história prévia, anterior há 30 dias.

Além disso, foi avaliado o laudo radiológico previamente analisado pelo radiologista, sendo verificadas ocorrências de complicações radiológicas pulmonares, tais como: áreas desarejadas e derrame pleural. Foram mensurados os volumes pulmonares por meio da espirometria e a força muscular inspiratória máxima (PI máxima) pela manovacuometria. As mensurações foram realizadas no pré-operatório (24 horas antes da operação), no 1º pós-operatório (até 24 horas após a extubação) e 6º dia de pós-operatório dos pacientes do grupo controle e intervenção. Todos os dados da avaliação pulmonar foram colhidos com o paciente sentado ou com cabeceira elevada a 45-60o.

A espirometria foi realizada com espirômetro modelo MSP1â, obtendo os seguintes índices da função pulmonar: capacidade vital forçada (CVF) e volume expiratório forçado no 1o segundo (VEF1), de acordo com o I Consenso Brasileiro de Espirometria [10].

A manovacuometria, neste trabalho, foi utilizada para a aferição da pressão inspiratória máxima. Para a medição da PI máxima, foi utilizado um manovacuômetro digital (-500 a +500 cmH2O) modelo MVD500â da marca Microhard indústria eletrônica, conectado ao aparelho de treinamento muscular inspiratório de resistência alinear pressórica, modelo "DHD Inspiratory Muscle Trainer", acoplado a uma máscara facial de anestesia [11]. No aparelho havia um orifício de 2 mm para prevenir a produção de significantes pressões de músculos orofaciais [12].

Os pacientes do grupo intervenção foram encaminhados ao ambulatório, pelo menos quinze dias antes da cirurgia. Foi-lhes aplicado o protocolo de avaliação e realizada a avaliação da função pulmonar acima descrita. Juntamente à avaliação da função pulmonar no pré-operatório para o grupo intervenção, foi proposto um programa de exercícios fisioterapêuticos e devidamente explanado. Após, cada indivíduo levou por escrito as orientações de exercícios ventilatórios, para dar continuidade no período pré-operatório, que deveriam ser realizados no mínimo duas vezes ao dia, até a internação hospitalar (24 horas antes da operação). Os pacientes eram orientados a realizar três tipos de padrões ventilatórios: 1) padrão ventilatório diafragmático, 2) padrão ventilatório com inspiração fracionada em dois tempos e 3) padrão ventilatório com inspiração fracionada em 3 tempos, realizados em duas séries de 10 repetições; cada um destes em um total de 60 padrões ventilatórios por série.

Em seguida, os pacientes foram informados quanto à cirurgia de RM e o curso de tratamento no período pós-operatório. Foi-lhes explicada a importância do tratamento, a recuperação na unidade pós-operatória (UPO I) e após, no quarto hospitalar, e a expectativa dos eventos no período pós-operatório (anestesia, ventilação mecânica, extubação, sondas e drenos, fisioterapia pós-operatória e expectativa de alta hospitalar). Logo, os pacientes foram agendados para retornar ao ambulatório pelo menos duas vezes nos próximos 15 dias, com o objetivo de não só verificar, como supervisionar a realização dos padrões ventilatórios previamente orientados no domicílio.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram descritas através de médias e desvios-padrão ou medianas e intervalos interquartis 25-75. As variáveis categóricas foram descritas através de tabelas de freqüências com proporções.

Os grupos foram comparados através do teste do qui-quadrado para variáveis categóricas, teste t de Student para variáveis contínuas de distribuição normal e teste de Mann Whitney para distribuições assimétricas.

Também foi utilizada análise de variância para medidas repetidas com objetivo de comparar as alterações no teste de função pulmonar entre o pré, 1º e 6º dia pós-operatório.

Em todas as comparações foi considerado um alfa crítico de 0,05.

RESULTADOS

Oitenta e seis pacientes foram randomizados para este estudo. Destes, 44 faziam parte do grupo controle e 42, do grupo intervenção. No primeiro grupo, havia 34 (77,3%) homens e 10 (22,7%) mulheres; no segundo, 31 (73,8%) homens e 11 (26,2%) mulheres. Não houve diferença (p= 0,80) para sexo entre os grupos. A média de idade (p= 0,54), altura (p= 0,75) e peso (p= 0,42) também não diferiram significantemente entre os dois grupos. As comparações entre os grupos são mostradas na Tabela 1. Destes pacientes, 73 (84,9%) realizaram cirurgia de RM com artéria mamária interna e 13 (15,1%) com ponte safena. Todos (100%) pacientes fizeram uso de dreno de mediastino; por sua vez, 72 (83,7%) tiveram a colocação de dreno pleural à esquerda e em um (1,16%) paciente foi colocado dreno pleural bilateral.

Os fatores de risco para complicações pulmonares no pós-operatório podem ser vistos na Tabela 2. Não houve diferença significativa entre os grupos para obesidade (p= 0,61), idade avançada (p= 0,37), DPOC (p= 0,10), tabagismo (p= 0,45) e ex-tabagismo (p= 0,16). (Tabela 2)

O tempo de CEC pode ser visto na Figura 1. No grupo intervenção, 41 (97,6%) pacientes foram submetidos à cirurgia sob CEC. No grupo controle, a CEC foi empregada em 44 (100%) pacientes. A média de tempo de CEC no grupo controle foi de 77,39 ± 22,30min e, no grupo intervenção, de 77,02 ± 24,22min, com mediana de 75 minutos em ambos os grupos. Não houve diferença significativa (p= 0,78) entre os grupos estudados.

O valor médio da pressão inspiratória máxima (PI máxima) pré-operatória no grupo controle foi de - 46,66 ± 32,45mmHg, o que não diferiu significantemente (p= 0,93) do valor médio da PI máxima pré-operatória dos pacientes do grupo intervenção: -46,55 ± 25,17mmHg. Da mesma forma, o valor médio da PI máxima, no 1º pós-operatório, foi de -16,66 ± 9,45mmHg no grupo controle e -15,81 ± 14,06mmHg no grupo intervenção, não diferindo significantemente (p=0,79) do valor médio da PI máxima entre os grupos. O valor médio da PI máxima, no 6º pós-operatório, foi de -34,05 ± 23,60mmHg no grupo controle e -32,00 ± 34,56mmHg no grupo intervenção, não havendo diferença significativa (p= 0,77) entre os grupos (Figura 2).

Mudanças da capacidade vital forçada (CVF) e volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1) no pré, 1º e 6º pós-operatório podem ser verificadas na Figura 3. O valor médio da CVF pré-operatório, no grupo controle, foi de 2,37 ± 0,74 litros (l), o que não diferiu significantemente (p= 0,52) do valor médio da CVF dos pacientes do grupo intervenção: 2,27 ± 0,66 litros. No 1º pós-operatório, pode-se observar que a CVF, no grupo controle, foi de 0,90 ± 0,37 litros e, no grupo intervenção, de 0,93 ± 0,41 litros, não havendo diferença significativa entre os grupos (p= 0,73). Da mesma forma, no 6º pós-operatório, a CVF foi de 1,54 ± 0,95 litros no grupo controle e 1,63 ± 0,82 litros, no grupo intervenção, não havendo diferença significativa entre os grupos (p= 0,64). O valor médio do VEF1 pré-operatório, no grupo controle, foi de 2,00 ± 0,70 litros e, no grupo intervenção, 2,03 ± 0,65 litros. O valor médio do VEF1, no 1º pós-operatório, foi de 0,71 ± 0,32 litros, no grupo controle e de 0,76 ± 0,34 litros, no grupo intervenção. Já a média do VEF1, no 6º pós-operatório, foi de 1,27 ± 0,76 litros, no grupo controle e de 1,43 ± 0,77 litros, no grupo intervenção. Não houve diferença significativa entre os grupos no pré, 1º e 6º pós-operatórios, sendo caracterizados por um p= 0,83 no pré-operatório, p= 0,43 no 1º pós-operatório e p= 0,33, no 6º pós-operatório.

Na Figura 4, pode-se observar a incidência de complicações radiológicas pulmonares dos pacientes no pré, 1º e 6º dia pós-operatório. A incidência de áreas desarejadas (atelectasia e/ou consolidação), derrame pleural e análise radiológica sem alteração no pré-operatório (p= 0,58), 1º pós-operatório (p= 0,14) e 6º pós-operatório (p= 0,08) não diferiram entre os grupos. No período pré-operatório, não houve casos de área desarejada associada a derrame pleural. Porém, verificou-se que, no 1º pós-operatório, houve maior incidência de área desarejada no grupo controle, observada em 22 (50%) pacientes, quando comparado ao grupo intervenção, que foi de 13 (31%) pacientes (p= 1,0). Também se pode conferir maior incidência de derrame pleural no grupo controle, que foi de quatro (9,1%) pacientes, quando comparado ao grupo intervenção: três (7,1%) pacientes (p= 1,0). Porém, foi maior a incidência no 1º pós-operatório de derrame pleural associado à área desarejada no grupo intervenção: sete (16,7%) pacientes, quando comparado com três (6,8%) doentes do grupo controle (p=0,2).

No 6º pós-operatório, a maior incidência de área desarejada foi observada no grupo controle, de cinco (11,4%) pacientes, comparado com o intervenção, em que este ausente (p= 1,0). Contudo, pode-se observar que maior número de pacientes do grupo intervenção - 19 (45,2%) - tiverem o diagnóstico radiológico de derrame pleural quando comparado ao grupo controle, que foi de 12 (27,3%) casos (p= 0,1). A incidência de áreas desarejadas associadas a derrame pleural foi maior no grupo intervenção, de 16 (38,1%) pacientes comparados com 15 (34,1%) pacientes do controle (p= 1,0).

O tempo médio de internação hospitalar pode ser visto na Figura 5. O tempo médio de internação hospitalar foi de 14,65 ± 6,61 dias, no grupo controle e de 11,77 ± 6,26 dias, no grupo intervenção. Houve diferença significativa (p<0,005) no tempo de internação do grupo controle, quando comparado ao grupo intervenção. A mediana do tempo de internação hospitalar foi de 9,0 dias (8,0 -12,8) no grupo intervenção e de 12 dias (9,0 -19,0), no grupo controle.




Fig. 1 - Tempo de circulação extracorpórea (CEC)


Fig. 2 - Mudanças da Pressão inspiratória máxima (Pimáx.) no pré, 1º e 6º pós-operatório. Pi=pressão inspiratória máxima. *p<0.05


Fig. 3 - Capacidade vital forçada (CVF) e Volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1) no pré, 1º e 6º pós-operatório. CVF = capacidade vital forçada; VEF1 = volume expiratório forçado no 1ºsegundo. *p<0.05. As variáveis foram descritas em forma de média e desvio-padrão




Fig. 4 - Complicações pulmonares pré, 1º e 6º pós-operatório


Fig. 5 - Tempo de internação hospitalar


COMENTÁRIOS

No presente estudo, pode-se observar a redução no tempo de internação hospitalar entre os pacientes do grupo intervenção, que tiveram média de diferença de três dias de internação, quando comparado com o grupo controle (p<0,05). A redução do tempo hospitalar também foi observada por Stein e Cassara [13] que verificaram a redução do tempo de internação hospitalar dos pacientes, os quais receberam fisioterapia pré e pós-operatória, quando comparados com o grupo que não realizou a fisioterapia (p<0,05). Semanoff et al. [14] também relataram a redução do tempo de internação hospitalar daqueles pacientes que receberam duas ou mais sessões de fisioterapia (exercícios ventilatórios, tosse e mobilização precoce, além de informações antecipadas sobre os procedimentos pós-operatórios), no pré-operatório de cirurgia cardíaca. Observaram que pacientes submetidos à cirurgia de válvula orientados no pré-operatório eram dispensados oito dias antes do que aqueles não tratados com fisioterapia respiratória no pré-operatório.

Da mesma forma, Celli et al. [15] constataram diminuição no tempo de internação hospitalar no grupo que havia efetuado orientação de exercícios ventilatórios (9,6 ± 3,2 dia de internação hospitalar) em relação ao grupo controle (13 ± 5 dias de internação hospitalar). Em estudo realizado por Healy [16] com 321 pacientes, em que 181 receberam instruções (exercícios ventilatórios com inspiração profunda, tosse, explanação específica sobre a operação nos períodos pré e pós-operatórios) e 140 não receberam nenhum tipo de intervenção, o tempo de internação hospitalar foi reduzido de 3 a 4 dias, no grupo de pacientes orientado.

Alterações na função pulmonar ocorrem em todos os pacientes após horas do processo cirúrgico [17]. A redução dos volumes pulmonares pode ser observada no grupo intervenção e controle e, principalmente, do pré para o 1º pós-operatório, com aumento, mas não retorno, dos valores pré-operatórios, no 6º pós-operatório.

Segundo Meyers et al. [17], os volumes pulmonares (VEF1, CVF) diminuem no pós-operatório [18] com o máximo decréscimo, no 1º dia pós-operatório, retornando próximo aos valores pré-operatórios, no 5º dia pós-operatório [17]. O mesmo ocorreu com a força da musculatura inspiratória. Essa teve decréscimo do pré para o 1º pós-operatório e melhora, sem recuperação dos valores pré-operatórios, no 6º pós-operatório, nos grupos intervenção e controle. Tais testes dependem da compreensão das manobras a serem executadas e da vontade do indivíduo em colaborar, realizando os movimentos e esforços realmente máximos [19].

Dessa maneira, acredita-se que fatores, tais como, dor [20], alteração da mecânica ventilatória decorrente da esternotomia [18] e os efeitos deletérios da anestesia geral sobre a função pulmonar, tenham contribuído para estes achados. Quanto à força da musculatura inspiratória, a esternotomia causa dano na estabilidade da parede torácica e diminuição do suporte sangüíneo na musculatura intercostal, devido à remoção da artéria mamária interna, o que pode diminuir a força da musculatura ventilatória [18].

A incidência de complicações pulmonares é difícil de se determinar pela literatura, devido a muitos pesquisadores separarem tais complicações da significância clínica e mesmo radiológica da doença. Além disso, depende do tipo da cirurgia e da percepção individual do observador sobre o que constitui a complicação [5]. No presente estudo, foi verificada a incidência de complicações radiológicas pulmonares, uma vez que os aspectos clínicos não foram analisados. Foram consideradas como complicações radiológicas a presença de áreas desarejadas (atelectasia e/ou consolidação) e derrame pleural. O termo área desarejada é um conceito utilizado pelo serviço de radiologia, para aqueles pacientes que apresentam atelectasia e/ou consolidação na radiografia de tórax.

Pode-se observar que 23 (54,8%) pacientes do grupo intervenção e 29 (65,9%) do grupo controle desenvolveram algum tipo de alteração radiológica pulmonar no 1º pós-operatório. Verificou-se que os pacientes do grupo controle tiveram maior incidência de complicação radiológica pulmonar no 1º pós-operatório, porém, sem significância. Já no 6º pós-operatório, quase não houve diferença entre os grupos: 35 pacientes, no grupo intervenção e 32, no grupo controle, desenvolveram algum tipo de alteração radiológica. A incidência de área desarejada pode ser observada como sendo predominante no grupo controle, tanto no pré, no 1º e 6º pós-operatórios.

Os danos na função pulmonar, no período pós-operatório, são inevitáveis, porém, muitas vezes, não oferecem significância clínica. Isso justificaria a alta hospitalar de muitos pacientes com alteração radiológica.

Segundo Wilcox et al. [21], as anormalidades podem ser analisadas pela radiografia de tórax em muitos pacientes, no pós-operatório de cirurgia cardíaca, sem resoluções quando estes deixam o hospital. A origem das complicações pulmonares no pós-operatório é multifatorial: alteração na mecânica ventilatória devido à esternotomia, dor [20], hipoventilação, efeitos anestésicos [6], assim como retração do lobo inferior esquerdo, distensão gástrica pós-operatória e paresia da hemicúpula diafragmática esquerda secundária à cirurgia ou dano hipotérmico no nervo frênico naqueles pacientes submetidos à cirurgia de RM com anastomose mamária [22].

No presente estudo, observou-se uma alta incidência de derrame pleural na amostra no 6º dia de pós-operatório (72%), não havendo diferença estatística entre os grupos. Verificou-se que, dos 86 pacientes incluídos no estudo, 73 (84,9%) realizaram a cirurgia de RM com a utilização da artéria mamária interna (com ou sem associação de ponte safena). Destes, 35 (83,3%) pacientes do grupo intervenção e 27 (61,4%), do grupo controle, tiveram derrame pleural no 6º pós-operatório. Em estudo realizado por Vargas et al. [22], também se pode observar maior incidência de derrame pleural naqueles pacientes submetidos à cirurgia de RM com anastomose mamária. Ainda, no estudo, a alta incidência de derrame pleural pós-operatório poderia ser justificada pelo grande número de pacientes que realizaram a cirurgia de RM com anastomose mamária.

Limitações do presente estudo

1) Análise radiológica: como demonstrado por alguns autores [23-25], é difícil obter diagnóstico preciso de complicações pulmonares pela radiografia de tórax. Em trabalho realizado por Bloomfield et al. [23], observou-se de forma clara as diferenças intra e interobservador quanto à descrição das anormalidades radiológicas, sugerindo que, ao ser analisada a radiografia de tórax, as alterações deveriam ser descritas e não serem feitos diagnósticos; ou, então, que fossem oferecidos diagnósticos diferenciais. No referido estudo, não foram descritas distintamente atelectasia e consolidação, sendo considerada como área desarejada a presença de atelectasia e/ou consolidação, conforme critérios utilizados pelo serviço de radiologia.

2) Cálculo amostral: quando realizado o cálculo amostral para a realização deste estudo (90 pacientes), foi subestimada a incidência de complicações radiológicas pulmonares como sendo de 20% no período pós-operatório. Como está claro, houve um maior número de casos e conseqüente necessidade de uma amostragem maior. Até porque os pacientes que são submetidos à cirurgia de RM têm muitos fatores de correlação e apresentam muitas variáveis, o que exigiria um maior número de pacientes para se obterem dados significativos.

Trabalhos demonstram limitações na descrição metodológica, sendo difícil concluir, com segurança, a fidedignidade dos achados [26]. Outro aspecto a ser considerado é a ausência de critério uniforme para estabelecer a presença de complicações pulmonares e descrever o regime terapêutico pré e pós-operatório, bem como a relativa importância dada aos fatores de risco para complicações pulmonares, podendo contribuir para a discrepância dos resultados [27].

A demonstração e a explicação da importância dos exercícios ventilatórios e mobilizações precoce pelo fisioterapeuta são importantes [16]. Entretanto, as complicações pós-operatórias referidas não tiveram relevância clínica a ponto do paciente necessitar intervenção terapêutica específica e maior tempo de hospitalização. Assim, a maior atenção ao paciente no período pré-operatório pode influenciar na sua possível e mais rápida recuperação pós-operatória.

Com base no estudo em questão, pode-se prever que pacientes instruídos no pré-operatório estarão melhores preparados para colaborar com as necessidades do tratamento pós-operatório. Estes, entendendo o objetivo da fisioterapia pré e pós-operatória, as limitações decorrentes do processo cirúrgico e a técnica fisioterapêutica proposta, poderão favorecer a sua recuperação e, assim, diminuir o tempo de permanência no hospital.

Dessa forma, pensa-se em custo-efetividade de um programa de fisioterapia pré-operatório, de no mínimo duas sessões, que poderá, não só reduzir o tempo de internação, como diminuir os custos hospitalares. Já a incidência de complicações radiológicas pulmonares sugere que novo cálculo amostral e estudo sejam realizados para que se possa verificar a efetividade da fisioterapia pré-operatória na incidência de complicações radiológicas pulmonares, pois tal não foi suficiente para demonstrar a eficácia do tratamento no presente estudo. Por outro lado, não foram encontradas diferenças objetivas quanto à força muscular inspiratória máxima (PI máxima), capacidade vital forçada (CVF) e volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1), nos pacientes tratados com tal proposta fisioterapêutica.

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