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RELATO DE CASO

Perfusão cerebral retrógrada e anterógrada no tratamento cirúrgico de dissecção aguda da aorta ascendente

Ronaldo Ducceschi Fontes; Carlos Augusto Dias; Amílcar Oshiro MOCELIN; Luiz Guilherme Carneiro VELLOSO

DOI: 10.1590/S0102-76382005000200015

INTRODUÇÃO

A parada circulatória total e hipotermia profunda, utilizadas no tratamento dos aneurismas e dissecções da aorta, apesar de promoverem melhores resultados, não eliminam totalmente a ocorrência de dano neurológico [1]. Outros métodos de perfusão cerebral têm revelado bons resultados em cirurgias para doenças da aorta [2,3]. O objetivo deste relato é comunicar o uso alternado entre perfusão cerebral retrógrada e anterógrada, em normotermia, como forma de proteção cerebral no tratamento cirúrgico de dissecção aguda da aorta e o resultado da avaliação neurológica tardia.

RELATO DO CASO

Paciente com 46 anos de idade, características de Síndrome de Marfan, do sexo masculino, deu entrada no Pronto Socorro do Hospital com dissecção aguda de aorta. Tinha como fatores de risco: infarto agudo do miocárdio, insuficiência aórtica aguda, insuficiência renal aguda, tempo de sintomas prolongado e choque cardiogênico.

Foi levado ao centro cirúrgico para tratamento em caráter de urgência.

O ato operatório foi conduzido de maneira habitual, assim como a circulação extracorpórea (CEC), porém com uso de normotermia. O circuito foi determinado e utilizado conforme a Figura 1.


Fig. 1 - Desenho esquemático do sistema de circulação extracorpórea empregado. Linha A (perfusão femoral); linha B (D-perfusão retrógrada, E-perfusão anterógrada); linha C (drenagem venosa habitual das veias cavas); linha F (perfusão das carótidas). CB - cateter-balão; Y1,Y2,Y3 - conectores em forma de "Y"; ACD - artéria carótida direita; ACE - artéria carótida esquerda; AF - artéria femoral


Em normotermia, procedeu-se ao implante de prótese tubular número 32 valvulada com prótese St. Jude número 27, pois havia grande ectasia ânulo-aórtica, insuficiência aórtica importante por dilatação do anel valvar e desabamento da válvula não coronariana.

Realizou-se infusão de solução cardioplégica cristalóide fria, a cada 20 minutos, nos óstios das artérias coronárias.O óstio da artéria coronária esquerda foi implantado na prótese tubular, utilizando-se sutura contínua com fio prolene 6-0. Realizou-se ponte de veia safena autógena para a artéria coronária direita que foi ligada proximalmente.

Em normotermia, a CEC foi interrompida. Procedeu-se à perfusão cerebral retrógrada, através da linha D, com fluxo variável entre (300-500 ml/min.) e interrompeu-se a drenagem pela linha C. A aorta ascendente foi aberta longitudinalmente até a reflexão do pericárdio, inspecionado seu interior e localizadas as artérias carótidas direita e esquerda. Ambas carótidas foram canuladas e isoladas por meio de garroteamento extrínseco com cadarço. O fluxo de retorno da perfusão retrógrada foi utilizado para preencher as cânulas de perfusão das carótidas (linha F) que, após estarem cheias de sangue, foram pinçadas, o ar retirado e ligadas à linha de perfusão anterógrada (linha E), obtida do conector "Y2". Manteve-se fluxo anterógrado de 11 ml/kg de peso corpóreo/min e interrupção da perfusão retrógrada (linha D).

O tratamento distal da dissecção da aorta consistiu em anastomose término-terminal da aorta com a prótese tubular. Procedeu-se, a seguir, ao preenchimento do leito vascular arterial por meio da canulação arterial femoral (linha A). Lentamente, a perfusão anterógrada (linha F) foi interrompida, reiniciada a perfusão retrógrada (linha D) durante aproximadamente dez minutos, até o preenchimento total do leito vascular e retirado o ar das cavidades cardíacas por meio do ápice do ventrículo esquerdo. Prosseguiu-se com a perfusão normal através da artéria femoral e interrompida a perfusão cerebral retrógrada (linha D). A circulação extracorpórea foi encerrada após obtenção de condições adequadas. Procedeu-se com as manobras habituais até o fechamento do tórax.

A insuficiência renal foi revertida, foram retiradas as drogas vasoativas e, no 32º dia de internação, o paciente recebeu teve alta da UTI. Recebeu alta hospitalar no 36º dia de pós-operatório, em boas condições. No pós-operatório tardio, foi submetido a avaliação clínica e cognitiva, por meio da aplicação do Mini-Mental State Examination [4], onde obteve escore 30, demonstrando boa atividade cognitiva. A tomografia computadorizada do cérebro, solicitada no pós-operatório tardio, revelou estar dentro da normalidade.

COMENTÁRIOS

A injúria cerebral tem comprometido o resultado da cirurgia de aneurismas e dissecções da aorta. Evidências dessa complicação podem ser demonstradas principalmente se testes neuropsicológicos são realizados [5]. Nos últimos anos, a perfusão cerebral retrógrada proposta por Ueda et al. [2], em 1988, que apesar de revelar resultados iniciais excelentes e reproduzidos por outros autores, com o passar do tempo observou-se também não oferecer proteção total ao cérebro [4]. Em 1986, Frist et al. [3], utilizando perfusão cerebral anterógrada e hipotermia moderada, não tiveram complicações neurológicas em sua pequena série de oito pacientes operados. Foram investigadas possíveis desordens psiquiátricas e cognitivas pós-operatórias, geralmente não reconhecidas pelo cirurgião ou mesmo pelo neurologista [6].

Nosso paciente foi submetido ao Mini Mental State Examination [4], teste capaz de associar distúrbios cognitivos com desordem neurológica. No teste, pode-se observar graus de orientação, memória, atenção, cálculo e linguagem, com pontuação máxima de 30. Pontuação igual ou menor a 23 indica desordem cognitiva que pode estar relacionada a dano cerebral passível de detecção através de tomografia cerebral [6]. O emprego do Mini Mental State Examination tem validade no reconhecimento de alterações pós-operatórias, uma vez que defeitos cognitivos estão relacionados a alterações corticais como hemorragias e ataques isquêmicos transitórios, tão bem quanto nas alterações subcorticais do sistema nervoso central [6]. Nosso paciente obteve escore 30.

Para afirmarmos que o resultado do procedimento utilizado neste caso seja uma realidade constante, é necessária a reprodução do método em uma série de pacientes.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Sra. Adriana Fontes e Sr. Luis Gustavo Hilário pela realização da ilustração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Crawford ES. Progress in treatment of thoracic aortic aneurysms. World J Surg. 1988;12(6):805-9.

2. Ueda Y, Miki S, Kusuhara K, Okita Y, Tahata T, Jinno K et al. Surgical treatment of the aneurysm or dissection involving ascending aorta and aortic arch using circulatory arrest and retrograde perfusion. Nippon Kyobu Geka Gakkai Zasshi.1988;36(2):161-6.

3. Frist WH, Baldwin JC, Starnes VA, Stinson EB, Oyer PE, Miller DC et al. A reconsideration of cerebral perfusion in aortic arch replacement. Ann Thorac Surg. 1986;42(3):273-81.

4. Dick JP, Guiloff RJ, Stewart A, Blackstock J, Bielawska C, Paul EA et al. Mini-mental state examination in neurological patients. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1984;47(5):496-9.

5. Fontes RD, Stolf NAG, Mady C, Ávila LF, D'Élia RS, Parras C et al. Perfusão cerebral retrógrada é método eficaz de proteção cerebral? Resultados imediatos de estudo consecutivo e randomizado. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1999;14(1):1-5.

6. Tsai L, Tsuang MT. The mini-mental state test and computerized tomography. Am J Psychiatry. 1979;136(4A):436-8.
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