Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

2

Views

ARTIGO ORIGINAL

Fatores preditores de infarto do miocárdio no período perioperatório de cirurgia de revascularização miocárdica

Cristiano Pederneiras JAEGER; Renato A.K. KALIL; João Carlos Vieira da Costa Guaragna; João Batista Petracco

DOI: 10.1590/S0102-76382005000300010

INTRODUÇÃO

As complicações trombóticas nas cirurgias de revascularização miocárdica (CRM) se apresentam como as principais causas de mortalidade nessa população. Dentre elas, destaca-se o infarto do miocárdio (IAM) em razão de sua elevada incidência, que varia de 5% a 15%, conforme dados da literatura [1,2]. As conseqüências do IAM perioperatório podem transitar desde pequenas elevações enzimáticas sem relevância clínica até quadros de baixo débito cardíaco ou taquiarritmias malignas, seguidos de óbito ou com redução de sobrevida em longo prazo [1], o que explica os esforços realizados na tentativa de evitar tal complicação.

Inúmeros estudos norte-americanos e europeus têm demonstrado os principais fatores pré e transoperatórios que predizem o IAM perioperatório; no entanto, em nosso meio, esse dado é desconhecido. Portanto, tal informação apresenta-se com grande importância na medida em que, se identificado e manejado adequadamente esse risco, no pré e transoperatório pode vir a ser possível a redução dessa grave complicação no contexto cirúrgico.

Este estudo tem por objetivo determinar quais, dentre os principais fatores associados ao IAM perioperatório nas CRM com CEC descritos na literatura, são preditores independentes para tal desfecho, em uma população de pacientes operados em um hospital geral da cidade de Porto Alegre, Brasil.

MÉTODO

Este é um estudo de coorte retrospectivo, com coleta prospectiva dos dados para a organização do banco de dados. A população estudada foi de pacientes submetidos à CRM isolada no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS). Dos 2102 pacientes consecutivos que realizaram cirurgia cardíaca no HSL-PUCRS, no período compreendido entre janeiro de 1998 e dezembro de 2002, 1580 realizaram CRM e, destes, 1471 foram submetidos à CRM isolada, sendo, portanto, a amostra analisada. A amostra era bem representativa para uma coorte de pacientes submetidos à CRM, com uma média de idade de 60,8 ± 10,1 anos e a presença de 15,6% de mulheres. Diabete melitus estava presente em 27,5% da amostra; hipertensão arterial em 67,9%; lesão de tronco de artéria coronária esquerda (TCE) em 20,9%; e, em média, cada paciente recebeu 2,96 ± 0,96 enxertos vasculares. A média da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) no pré-operatório foi de 47,5 ± 12,1%; 2,5% dos pacientes já haviam realizado CRM previamente; 1,4% necessitou de cirurgia de urgência; 0,6% realizou endarterectomia coronariana conjuntamente à cirurgia e, por fim, um alto índice (40,6%) de pacientes com angina instável (AI) no pré-operatório compunha a amostra (Tabela 1).

Os critérios utilizados para a definição de IAM no período perioperatório da CRM foram aqueles amplamente descritos na literatura [1,2]: 1) nova e persistente onda Q no eletrocardiograma (ECG) em 48 horas de pós-operatório, associada a nível sérico máximo de CK-MB > 30 U/l; 2) novo e persistente bloqueio de ramo esquerdo no ECG em 48 horas de pós-operatório, associado a nível sérico máximo de CK-MB > 30 U/l; 3) nível sérico máximo de CK-MB > 80 U/l, isoladamente. As coletas enzimáticas foram realizadas em 0, 4, 8, 16, 24, 36 e 48 horas de pós-operatório; os ECG foram realizados em 0, 24 e 48 horas de pós-operatório.

A análise do banco de dados da Unidade de Pós-Operatório de Cirurgia Cardíaca (UPOCC) do HSL-PUCRS foi realizada com verificação das variáveis controladas e do desfecho clínico de IAM. Foram controladas as seguintes variáveis, descritas na literatura como principais fatores predisponentes para a ocorrência do desfecho (IAM perioperatório), ou seja, possíveis fatores de confusão: idade, sexo, FEVE, lesão de TCE, AI, endarterectomia coronariana, cirurgia de urgência, reoperação, número de enxertos e tempo de circulação extracorpórea (CEC). O tempo de pinçamento aórtico não foi incluído na análise, por se tratar de uma variável com o mesmo padrão de comportamento do tempo de CEC (r=0,82). O número de enxertos substituiu, no modelo analítico, a ocorrência de lesão trivascular, por se tratar de uma variável contínua e apresentar o mesmo padrão de comportamento daquela (r=0,88).

A análise estatística foi realizada por intermédio do programa SPSS 11.0, com análise descritiva dos dados gerais, coeficiente de correlação de Pearson para a exclusão de variáveis de mesmo padrão de comportamento no modelo analítico, análise univariada pelo teste de qui-quadrado para as variáveis categóricas e pelo teste t de Student para as variáveis contínuas e análise multivariada por regressão logística para as variáveis que apresentaram um valor de p<0,2 na análise univariada. Os resultados finais foram apresentados em razão de chances (RC), com intervalos de confiança (IC) de 95%, sendo estabelecida significância estatística em p<0,05 para a análise multivariada.

Sendo esta uma pesquisa em prontuários médicos de pacientes não facilmente encontrados, sem endereço informado ou já falecidos e, portanto, impossível de serem localizados para assinatura do Termo de Consentimento Livre Informado, este não foi apresentado. Além disso, o banco de dados em cirurgia cardíaca da UPOCC do HSL-PUCRS tem a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa deste hospital. O estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HSL-PUCRS e do Instituto de Cardiologia / Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC).

RESULTADOS

Dos 1471 pacientes incluídos no estudo, 206 (14%) apresentaram IAM perioperatório. Na análise univariada, algumas diferenças estatisticamente significativas foram encontradas entre os grupos com e sem IAM perioperatório. No grupo 1 (com IAM), a média do número de enxertos foi maior (3,21 ± 0,96 x 2,92 ± 0,95 - p < 0,001), assim como a presença de lesão de TCE (29,1% x 19,6% - p = 0,002), AI pré-operatória (50,5% x 39,0% - p = 0,002) e o tempo de CEC (95,7 ± 32,8 minutos x 81,7 ± 28,8 minutos - p < 0,001). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos com e sem IAM perioperatório quanto às características de sexo, idade, FEVE, cirurgia de urgência, reoperação e endarterectomia coronariana conjunta (Tabela 2).

Visando-se obter preditores independentes para a ocorrência de IAM perioperatório, foi realizada análise multivariada. As variáveis incluídas na equação foram sexo, idade, presença de lesão de TCE, ocorrência de AI pré-operatória, endarterectomia coronariana, reoperação, número de enxertos vasculares e tempo de CEC. Após a análise de regressão logística, com o ajuste para os possíveis fatores de confusão, seis variáveis foram identificadas como preditoras independentes para a ocorrência de IAM perioperatório na CRM: reoperação, lesão de TCE, sexo feminino, AI pré-operatória, número de enxertos e tempo de CEC (Tabela 3).

COMENTÁRIOS

A amostra representativa de uma população de pacientes submetidos a CRM, trazendo dados semelhantes aos encontrados no registro do banco de dados de CRM da Sociedade Americana de Cirurgiões Torácicos para os pacientes operados no ano de 2000, dá fidedignidade ao método consecutivo de seleção de pacientes. Na amostra americana, a média de idade era de 65 anos, a taxa de mulheres, de 19%, a incidência de lesão de TCE era de 23% e de REDO, de 7%, sendo a FEVE média no pré-operatório de 49% [3].

Contudo, alguns problemas metodológicos devem ser considerados como potenciais limitações do estudo. A fidedignidade dos dados pode ser prejudicada nos estudos realizados de maneira retrospectiva, no entanto, uma vez que a coleta dos dados para a formação do banco de dados foi prospectiva, a chance de termos incorrido nesse erro fica minimizada.

A combinação de elevação da CK-MB sérica e presença de nova onda Q no ECG foram os critérios utilizados para a definição do diagnóstico de IAM perioperatório, amplamente aceitos na literatura mundial [1,2]. No entanto, é sabido que a sensibilidade e especificidade dessa combinação de métodos não é o padrão ouro. Todavia, a dificuldade logística prática de deslocar todos os pacientes da unidade de terapia intensiva, nos primeiros dias de pós-operatório de uma cirurgia cardíaca, eventualmente em estados de gravidade, com drenos pleurais e mediastinais e, muitas vezes, outros dispositivos, como o cateter de monitorização de pressão arterial pulmonar, cateter de pressão arterial média sistêmica, marcapasso e balão intra-aórtico, e conduzi-los para o laboratório de medicina nuclear para a realização de cintilografia miocárdica com pirofosfato de tecnécio, tornou esta conduta impraticável. Em relação ao uso da troponina, apesar de recentemente estudada, com algumas publicações no contexto da CRM [4-6], ainda não há um consenso na literatura que defina o seu ponto de corte para a ocorrência de IAM perioperatório.

Alguns autores já estudaram e descreveram os fatores preditores de IAM perioperatório. Bojar et al. [1] descreveram as variáveis lesão de TCE, lesão trivascular, angina instável pré-operatória, disfunção ventricular esquerda, hipertrofia ventricular esquerda, endarterectomia coronariana conjunta e tempo prolongado de pinçamento aórtico como os principais preditores de IAM perioperatório. Já Martins e Guaragna [7] acrescentaram a estas variáveis as seguintes: idade avançada, tempo de CEC prolongado, revascularização incompleta, número elevado de enxertos vasculares, reoperação e trombocitose. Costa et al. [8] descreveram os fatores predisponentes para a elevação de CK-MB acima do limite superior de referência no pós-operatório de CRM com CEC, mesmo considerando o fato de que a maior parte destes casos trata-se de alterações secundárias à manipulação miocárdica. Destacaram as seguintes variáveis: cirurgia de urgência, oclusão coronariana pré-operatória, primeira marginal como lesão alvo, uso de nitratos de curta ação, angulação coronariana maior de 90° nos segmentos alvos e tempo prolongado do pinçamento aórtico. Já Eigel et al. [9] estudaram os fatores preditores da primeira ocorrência de IAM perioperatório (19 eventos) ou óbito (seis eventos) nas CRM, totalizando 21 desfechos adversos analisados nos 540 pacientes avaliados. As variáveis sexo feminino, tempo prolongado de pinçamento aórtico e tempo prolongado de CEC mostraram-se preditoras do desfecho em questão. Em nosso estudo, um número bem superior de pacientes foi avaliado, comparativamente aos dois estudos mencionados, e encontramos algumas variáveis em comum com correlação positiva, como o sexo feminino, o tempo prolongado de CEC, angina instável pré-operatória e lesão de TCE. A variável número de enxertos foi avaliada nos estudos de Costa et al. [8] e Eigel et al. [9], porém não mostrou associação com o desfecho respectivo; já a variável reoperação foi considerada como critério de exclusão dos estudos previamente citados, não tendo sido, portanto, analisada.









CONCLUSÃO

Em conclusão, pudemos avaliar nesse estudo que as variáveis sexo feminino, lesão de TCE, AI pré-operatória, reoperação, tempo prolongado de CEC e maior número de enxertos se apresentaram como preditoras independentes de IAM no período perioperatório de CRM, nesta amostra de pacientes operados em um hospital geral da cidade de Porto Alegre, RS, Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bojar RM. Perioperative myocardial infarction. In: Bojar RM, editor. Manual of perioperative care in cardiac surgery. 3rd ed. Malden:Blackwell Science;1998. p.256-9.

2. Antman EM. Tratamento clínico do paciente submetido à cirurgia cardíaca. In: Braunwald E. Tratado de medicina cardiovascular. 5a ed. São Paulo:Roca;1999. p.1838-65.

3. The Society of Thoracic Surgeons. Data analysis of the Society of Thoracic Surgeons National Cardiac Surgery Database. Disponível em: http://www.sts.org [Acessado em 3/3/2004].

4. Leal JCT, Braile DM. Comportamento evolutivo imediato e valor prognóstico da dosagem sérica de troponina-I em pacientes submetidos a revascularização cirúrgica do miocárdica. [Dissertação de mestrado]. Campinas:Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP);1999. 61p.

5. Savaris N, Polanczyk C, Clausell N. Cytokines and troponin-I in cardiac dysfunction after coronary artery grafting with cardiopulmonary bypass. Arq Bras Cardiol. 2001;77(2):114-9.

6. Nascente RB, Spiandorello FSA, Werutsky G, Azevedo E, Petracco JB, Bodanese LC. Serum concentrations of troponin I in the detection of acute myocardial infarction in coronary artery bypass grafting. Heart. 2004;90(suppl. III):A1-A8.

7. Martins R, Guaragna JCVC. Infarto agudo do miocárdio no pós-operatório de cirurgia cardíaca. In: Guaragna JCVC, editor. Pós-operatório em cirurgia cardíaca. Porto Alegre:Guanabara Koogan;2005. p.117-24.

8. Costa MA, Carere RG, Lichtenstein SV, Foley DP, de Valk V, Lindenboom W et al. Incidence, predictors, and significance of abnormal cardiac enzyme rise in patients treated with bypass surgery in the arterial revascularization therapies study (ARTS). Circulation. 2001;104(22):2689-93.

9. Eigel P, van Ingen G, Wagenpfeil S. Predictive value of perioperative cardiac troponin I for adverse outcome in coronary artery bypass surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;20(3):544-9.

Article receive on sexta-feira, 1 de abril de 2005

CCBY All scientific articles published at rbccv.org.br are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY