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RELATO DE CASO

Hemangioma intra-atrial esquerdo

Adalberto Freire SOBRINHOI; José Augusto FERREIRAI; Marcelo Pimenta BORÉMI; Jefferson Francisco de OLIVEIRAI; Letícia Rocha BORGESII; Marco Antônio DIASIII

DOI: 10.1590/S0102-76382005000400015

INTRODUÇÃO

Tumores intracardíacos primários são condições extremamente raras, sendo, a grande maioria dos casos relatados, tumores benignos, 50% dos mesmos referentes a mixomas, enquanto 5% a 10% destes representam hemangiomas em várias séries cirúrgicas. Em muitos casos, os hemangiomas são assintomáticos, descobertos acidentalmente por necropsia ou cirurgia cardíaca devido a outra doença associada. Em pacientes sintomáticos, os hemangiomas podem simular doenças valvares, estar relacionados a arritmias, congestão pulmonar, etc, e até mesmo estar associados à morte súbita, de acordo com a localização encontrada. Relatamos um caso de hemangioma de átrio esquerdo, relacionado à dispnéia, em paciente portadora ainda de hiperesplenismo importante, de origem esquistossomótica, submetida a exérese cirúrgica do mesmo.

RELATO DO CASO

Paciente de 49 anos, do sexo feminino, portadora de hepatoesplenomegalia esquistossomótica, evoluindo com hipertensão portal e varizes de esôfago, em controle clínico-cirúrgico, foi encaminhada para avaliação cardiológica devido à dispnéia aos médios esforços. Ao exame apresentava-se normotensa, o ritmo cardíaco era regular, as bulhas eram normofonéticas, com sopros sistólico/diastólico (1+/6+) em área mitral. A radiografia de tórax mostrava área cardíaca ligeiramente aumentada (1+/4+). O eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal, sem sinais de sobrecarga de câmaras. O ecodopplercardiograma mostrava um átrio esquerdo dilatado, com imagem de massa aderida em sua parede medial, sugerindo mixoma, sem sinais de hipertensão pulmonar. Foi submetida a estudo hemodinâmico que evidenciou um nódulo em átrio esquerdo, próximo à implantação da valva mitral, fixo, levemente calcificado (provável mixoma) (Figura 1); hipertensão leve em artéria pulmonar, além de aterosclerose coronariana difusa discreta, e ventrículo esquerdo com hipocinesia difusa discreta.

Os exames laboratoriais evidenciaram plaquetopenia importante (54.000 / mm³), de caráter persistente. A paciente foi encaminhada para avaliação hematológica, tendo sido submetida a mielograma que evidenciou setor megacariocítico em número aumentado, com produção plaquetária evidente, compatível com hiperesplenismo. A paciente foi liberada para submeter-se ao procedimento cirúrgico cardiovascular, após preparo pré-operatório que incluiu a reserva de plaquetas.

O procedimento cirúrgico foi então realizado, com auxílio de circulação extracorpórea, de modo rotineiro. Após a atriotomia esquerda, foi visualizada massa tumoral clara, nodular, encapsulada, com implantação no teto do átrio esquerdo. Foi realizada a ressecção da lesão, sendo a região de sua implantação submetida à eletrocauterização. A saída de CEC procedeu-se rotineiramente, após o retorno espontâneo dos batimentos cardíacos. O tempo de CEC foi de 35 minutos, a uma temperatura de 34° C. Durante o fechamento do tórax, foi realizada hemostasia exaustiva. O material ressecado foi enviado a estudo anatomopatológico que revelou tratar-se de massa nodular lisa, esbranquiçada, com focos de calcificação, com 2,5 cm de diâmetro, aos cortes sendo evidenciadas áreas hemorrágicas (Figura 2a). A microscopia mostrou lesão benigna com área hialinizada com proliferação vascular capilar revestida por endotélio, além da presença de vasos sangüíneos com paredes espessas, com focos de calcificação (Figura 2b). Não foram evidenciadas atipias celulares ou tecido mixóide, sugerindo tratar-se de hemangioma capilar benigno.

A paciente apresentou sangramento importante nas 1as horas de pós-operatório, sendo necessária hemotransfusão incluindo reposição de plaquetas para controle do sangramento após a 3ª hora. Apresentou, a partir de então, boa evolução pós-operatória, recebendo alta do CTI no 2° dia e alta hospitalar no 9° dia pós-operatório, sem outras intercorrências. Permanece desde então em controle clínico-cardiológico, com boa evolução, tendo sido ainda reencaminhada para manutenção do controle clínico-cirúrgico e hematológico, devido ao hiperesplenismo.


Fig. 1 - Estudo hemodinâmico evidenciando o Hemangioma


Fig. 2a - Hemangioma - Aspecto macroscópico


Fig. 2b - Hemangioma - Aspecto microscópico


COMENTÁRIOS

Tumores intracardíacos primários são extremamente raros, com incidência entre as doenças cardíacas variando de 0,001% a 0,3%, sendo benignos cerca de 75% dos mesmos. Dentre os tumores benignos, os mixomas constituem o tipo mais comum (aproximadamente 50%), enquanto que 5% a 10 % dos mesmos são representados pelos hemangiomas em várias séries cirúrgicas [1,2]. Os hemangiomas caracterizam-se histologicamente entre três tipos: cavernoso (formado por vasos múltiplos, dilatados e de paredes finas), capilar (formado por pequenos vasos lembrando capilares) e artério-venoso (formado por pequenas artérias e veias displásicas). Os hemangiomas cardíacos freqüentemente associam critérios dos três tipos histológicos, contendo ainda tecido fibroso e células de gordura. Cerca de 15% dos hemangiomas envolvem o pericárdio e/ou epicárdio.

Os hemangiomas ocorrem em qualquer idade, porém o diagnóstico ocorre, predominantemente, na faixa compreendida pela 4ª década de vida [3,4]. Nas séries cirúrgicas relatadas, há um predomínio de pacientes do sexo masculino (cerca de 65%). Em muitos casos, os hemangiomas são assintomáticos, descobertos acidentalmente por necropsia ou cirurgia cardíaca devido a outra doença associada. Em pacientes sintomáticos, os hemangiomas podem estar relacionados a arritmias, congestão pulmonar, insuficiência cardíaca, obstrução da via de saída de VE ou VD ou insuficiência coronariana, podendo ainda estar associados à morte súbita, quando relacionados a distúrbios de condução, atribuíveis à proximidade com o nó AV ou à localização ventricular.

Um raro mecanismo de morte súbita em indivíduos com hemangioma cardíaco é a ruptura do tumor na cavidade pericárdica, com tamponamento subseqüente. Há uma associação rara dos hemangiomas cardíacos com hemangiomas do trato gastrointestinal [3] ou hemangiomas faciais tipo "mancha em vinho do porto". Hemangiomas gigantes podem ainda estar relacionados à trombose e/ou coagulopatias (síndrome Kasabach-Merritt) [5].

Os hemangiomas cardíacos podem apresentar localização variada. Em várias séries já relatadas, cerca de 34% localizavam-se nos átrios, 27% no ventrículo esquerdo ou septo interventricular, 24% no ventrículo direito, 13% no pericárdio ou epicárdio e 2% na valva mitral [4]. No presente relato, encontramos paciente portadora de plaquetopenia persistente, secundária à hepatoesplenomegalia esquistossomótica, com clínica compatível com doença valvar mitral, com diagnóstico sugestivo de mixoma de átrio esquerdo atribuído por técnicas de imagem (ecocardiograma e estudo hemodinâmico), submetida a cirurgia para exérese do tumor e encaminhamento da peça cirúrgica a estudo anatomopatológico, com definição histológica e diagnóstico da lesão. A paciente apresentou hemorragia no pós-operatório imediato, respondendo bem à hemotransfusão com reposição plaquetária.

O estudo de fatores predisponentes ao sangramento após cirurgia cardíaca [6], com aumento da necessidade transfusional, relaciona plaquetopenia pré-operatória e uso de CEC (principalmente CEC prolongada com hipotermia). No presente relato, o sangramento aumentado, atribuído principalmente à plaquetopenia prévia, potencializada pelo uso de CEC (embora de curta duração e sem hipotermia profunda), foi corrigido após reposição plaquetária. A paciente apresentou boa evolução a partir de então, sem outras intercorrências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Dein JR, Frist WH, Stinson EB, Miller DC, Baldwin JC, Oyer PE et al. Primary cardiac neoplasms. Early and late results of surgical treatment in 42 patients. J Thorac Cardiovasc Surg. 1987;93(4):502-11.

2. Murphy MC, Sweeney MS, Putnam JB, Walker WE, Frazier OH, Ott DA et al. Surgical treatment of cardiac tumors: a 25-years experience. Ann Thorac Surg.1990;49(4):612-8.

3. Burke A, Johns JP, Virmani R. Hemangiomas of the heart: a clinicopathologic study of ten cases. Am J Cardiovasc Pathol. 1990;3(4):283-90.

4. Abad C, Campo E, Estruch R, Condom E, Barriuso C, Tassies D et al. Cardiac hemangioma with papillary endothelial hyperplasia: report of a resected case and review of the literature. Ann Thorac Surg. 1990;49(2):305-8.

5. Gengenbach S, Ridker PM. Left ventricular hemangioma in Kasabach-Merritt syndrome. Am Heart J. 1991;121(1 pt 1):202-3.

6. Miana LA, Atik FA, Moreira LF, Hueb AC, Jatene FB, Auler Junior JO et al. Fatores de risco de sangramento no pós-operatório de cirurgia cardíaca em pacientes adultos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(3):280-6.

Article receive on segunda-feira, 1 de agosto de 2005

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