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ARTIGO ORIGINAL

Síndrome do coração esquerdo hipoplásico: estratégia cirúrgica e comparação de resultados com técnicas de Norwood x Sano

José Pedro da SilvaI; Luciana da FonsecaII; José Francisco BaumgratzIII; Rodrigo Moreira de CastroIV; Sônia Meiken FranchiV; Alessandro Cavalcante LianzaVI; José Henrique Andrade VilaVII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000200003

INTRODUÇÃO

A história natural da síndrome do coração esquerdo hipoplásico (SCEH), geralmente fatal no primeiro mês de vida [1], foi modificada pelo trabalho pioneiro de Norwood et al., que publicaram os primeiros casos de sucesso numa série de crianças operadas entre 1979 e 1981 [2,3]. Esse procedimento consiste em conectar o tronco da artéria pulmonar ao arco aórtico previamente ampliado, formando a nova aorta. A perfusão pulmonar é suprida por enxerto tubular de politetrafluoretileno (PTFE) anastomosado nas artérias subclávia direita e pulmonar direita.

A reconstrução do arco aórtico, inicialmente feita com PTFE [3], pode também ser feita com outros materiais protéticos (Dacron, pericárdio bovino) ou sem uso de material adicional [4,5], porém com alta incidência de recoarctação [6,7]. O enxerto homólogo pulmonar é o material mais utilizado nessa reconstrução, mas tem o inconveniente de induzir à formação de anticorpos [8], além do alto custo.

Em 2003, Sano et al. [9] publicaram bons resultados com uma modificação da técnica de Norwood, utilizando o enxerto de PTFE anastomosado entre o ventrículo direito (VD) e a artéria pulmonar (AP), permitindo que o fluxo para artéria pulmonar ocorra somente na sístole ventricular. Isso facilita o manuseio do paciente no pós-operatório, porque evita a queda de fluxo coronariano causado pelo "roubo de fluxo" para os pulmões durante a diástole [9-11].

Os objetivos deste estudo são: 1- Relatar uma estratégia cirúrgica para a SCEH, que utiliza pericárdio autólogo na reconstrução do arco aórtico e que possibilita tempo curto de parada circulatória hipotérmica. 2- Comparar os resultados imediatos e em médio prazo da anastomose Blalock-Taussig modificado (Grupo BTm ou Norwood clássico) e do tubo ventrículo direito para artéria pulmonar (Grupo Tubo VD-AP ou Norwood-Sano) como técnicas de restabelecimento da circulação pulmonar.


MÉTODO

Este estudo retrospectivo, que exclui o período de aprimoramento iniciado em 1994, enfoca 78 neonatos consecutivos, operados de 1999 a 2006, divididos em dois grupos: um submetido à operação de Norwood com a anastomose sistêmico-pulmonar tipo BTm (Norwood clássico) e outro submetido à operação de Norwood com tubo VD-AP (Norwood-Sano) como método de suprir a circulação arterial pulmonar. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Foram analisados dados ecocardiográficos, a mortalidade imediata e a evolução em médio prazo dos dois grupos, sendo feito o seguimento de todos os pacientes.

As características dos pacientes estão expostas na Tabela 1. Foram incluídos apenas recém-nascidos submetidos à cirurgia de Norwood, em que o ventrículo direito fosse o ventrículo sistêmico, sendo, portanto, excluídas as variantes anatômicas, que, ao serem submetidas ao mesmo procedimento, resultassem em ventrículo anatomicamente esquerdo como ventrículo sistêmico. Foram também excluídos três neonatos em quem o tratamento cirúrgico foi contra-indicado: dois por disfunção miocárdica grave e um por comprometimento neurológico devido a hipoxia grave decorrente a septo interatrial íntegro em SCEH.

Técnica operatória

A estratégia cirúrgica do grupo a partir de 1999 tem sido a mesma em relação às técnicas de reconstrução da aorta, de circulação extracorpórea (CEC) e de proteção miocárdica. Entretanto, houve diferença quanto à fonte de perfusão pulmonar. Nos primeiros 37 neonatos, foram utilizados enxertos de PTFE anastomosados na artéria subclávia direita e na artéria pulmonar (BTm). A partir de 2003, passou a ser utilizada a anastomose de tubo VD-AP, sendo aplicada nos últimos 41 casos.

Circulação extracorpórea: Por meio de esternotomia mediana, a aorta ascendente, o arco aórtico e o início da aorta descendente são expostos amplamente. A CEC é estabelecida por canulação do canal arterial para a perfusão arterial e por canulação do apêndice atrial direito para a drenagem venosa. A cânula arterial é avançada através do canal arterial até a aorta descendente e um torniquete é apertado em torno dela, permitindo que grande parte da operação seja feita sem parada circulatória. Após a secção proximal do canal arterial, a artéria pulmonar é dividida próximo à bifurcação, separando o coto distal conectado aos ramos pulmonares e o coto proximal, que fará parte da neoaorta. O preparo da artéria pulmonar distal se completa com a sutura do remanescente do canal arterial e com a anastomose de um tubo de PTFE após pequena plicatura transversal. O diâmetro desse tubo, posteriormente conectado à artéria subclávia direita, foi de 3 mm ou 4 mm (grupo BTm ou Norwood clássico), e de 4 mm ou 5 mm quando conectado ao ventrículo direito (grupo tubo VD-AP ou Norwood-Sano).

Construção da neoaorta: enquanto a temperatura é gradualmente reduzida a 16ºC, a aorta ascendente é pinçada e seccionada, sendo a solução cardioplégica infundida nas artérias coronárias. A porção proximal da aorta ascendente é anastomosada na face lateral do tronco da artéria pulmonar, iniciando-se a reconstrução da neoaorta. Somente a partir dessa etapa a CEC é interrompida e a cânula arterial é retirada da parte distal do canal arterial. O tecido ductal restante é retirado totalmente da aorta e a abertura resultante é estendida proximalmente ao arco aórtico e distalmente à aorta descendente. Um enxerto de pericárdio autólogo tratado com glutaraldeído é usado para ampliar a aorta descendente e o arco aórtico, o qual é anastomosado ao tronco pulmonar, completando a neoaorta. A cânula arterial é novamente colocada no tronco pulmonar (neoaorta). A CEC é reiniciada, mantendo-se baixa a temperatura. A CEC é interrompida novamente por dois a três minutos para ampliação da comunicação interatrial e anuloplastia tricúspide, quando necessária.

Restabelecimento da circulação pulmonar: Nos primeiros pacientes dessa série (grupo BTm), o tubo de PTFE de 3 mm a 4 mm de diâmetro, previamente suturado na artéria pulmonar, foi anastomosado na artéria subclávia direita ou tronco braquiocefálico. No grupo tubo VD-AP, a parte proximal do tubo de PTFE foi anastomosado ao VD, onde foi previamente realizada pequena ventriculotomia. Em geral, os batimentos cardíacos retornam espontaneamente com o aquecimento gradual do paciente. O tórax pode ser mantido aberto com afastamento esternal, utilizando-se placa de látex suturada à pele, posteriormente coberto com adesivo plástico estéril, sendo o fechamento definitivo com fios metálicos realizado em 24 a 48 horas, após a compensação cardíaca, necessitando ser retardado por até oito dias em alguns casos.

O segundo estágio do tratamento da SHCE consistiu da derivação cavo-pulmonar parcial (Operação de Glenn) que foi realizada, na maioria dos casos, através de miniesternotomia, técnica anteriormente publicada [12].

Cuidados pré e pós-operatórios

As intervenções terapêuticas no pré-operatório objetivaram manter o canal arterial pérvio e atingir o equilíbrio entre o fluxo sistêmico e o fluxo pulmonar (relação QP/QS = 1). A saturação de O2 entre 75 e 85% , PaCO2 de 40 a 50% e ausência de acidose metabólica (pH 7,40) na gasometria arterial traduzem este equilíbrio.

  • Infusão de prostaglandina: Iniciada a dose de 0,05 a 0,1 ìg/kg/min, assim que o diagnóstico é feito com o objetivo de manter aberto o canal arterial;
  • Ventilação: FIO2 baixa;
  • Garantir aporte calórico adequado;
  • Suporte inotrópico;
  • Avaliar disfunção de outros órgãos;
  • Uso de glicocorticóides Se paciente estiver instável (Dopamina> 5 ìg/kg/min), o nível sérico de corticóide deve ser checado e a terapêutica iniciada se estiver baixo. Hidrocortisona: 1mg/kg/dose a cada 6 horas
  • Diuréticos: Reduzem a sobrecarga de volume imposta ao ventrículo, sendo útil na diminuição do edema cardíaco, preparando a criança para a cirurgia.


  • O manuseio pós-operatório buscou manter o delicado balanço entre as resistências vasculares (pulmonar e sistêmica). A ventilação visou obter pH de 7,40, PaO2 de 40mmHg e PCO2 de 40mmHg (balanço 40/40/40), além de saturação arterial sistêmica O2 de entre 75% e 80%. As drogas vasoativas usadas com maior freqüência foram a milrinona (0,35 a 0,75 ìg/kg/min) e a dopamina ( 5 a 15 ìg/kg/min), sendo utilizadas em 90% dos casos, não havendo diferença significativa entre os dois grupos. O uso de epinefrina (0,02 a 0,06 ìg/kg/min) ou nor-epinefrina foi indicado na presença de hipotensão significativa (pressão arterial média menor que 40mmHg), o que ocorreu em cerca de 30% dos casos. O uso rotineiro de heparina no pós-operatório teve como objetivo evitar a trombose do enxerto de PTFE.

    Definições e estatística

    A mortalidade hospitalar foi definida como todo óbito ocorrido até 30 dias após a cirurgia ou em crianças que nunca tiveram alta da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após a cirurgia. A mortalidade interina foi aquela ocorrida em crianças com sobrevida hospitalar, mas que não chegaram ao segundo estágio. A análise estatística foi feita com auxílio do software GraphPad Prism 4.0. Foi estabelecido significativo p < 0,05. As variáveis numéricas foram expressas em média e desvio-padrão e comparadas com a utilização do teste t de Student; nas comparações da mortalidade entre os grupos A e B, foi utilizado o teste exato de Fisher. A sobrevida em médio prazo foi analisada pela curva atuarial de Kaplan-Meier, sendo usado o Log Rank Test para comparar as curvas dos dois grupos.


    RESULTADOS

    A sobrevida imediata dos 78 pacientes com SCEH submetidos a cirurgia de Norwood foi de 74,35%, sendo de 67,57% no grupo BTm e de 80,49% no grupo Tubo VD-AP (p=0,21).

    Os grupos BTm e tubo VD-AP foram semelhantes em relação a idade, peso, sexo e diâmetro da aorta ascendente, conforme a Tabela 1.




    A Figura 1 ilustra as imagens resultantes das duas técnicas cirúrgicas empregadas.




    Fig. 1 - Fontes de perfusão pulmonar: - A: Angioressonância magnética (reconstrução multiplanar) mostrando anastomose Blalock- Taussig modificado conectando a artéria braquiocefálica à artéria pulmonar, B: Angiotomografia com reconstrução multiplanar mostrando tubo ventrículo direito para a artéria pulmonar e C: Reconstrução tridimensional do coração correlacionando o ventrículo direito, a neoaorta e o tubo de PTFE. Legenda: VD= ventrículo direito, AP= artéria pulmonar, NAO = neoaorta e T tubo de PTFE



    O tempo de CEC foi menor no grupo BTm, pois a construção da anastomose do tubo de PTFE na artéria subclávia foi realizada durante o aquecimento do paciente. O tempo de parada circulatória hipotérmica foi menor no grupo tubo VD-AP, como mostra a Tabela 2.




    A Figura 2 demonstra a sobrevida imediata: dos 37 recém-nascidos em que a anastomose sistêmico-pulmonar tipo BTm foi utilizada, 25 (67,57%) sobreviveram, e que, dos 41 submetidos a conexão ventrículo direito-artéria pulmonar (tubo VD-AP) como método de suprir a circulação arterial pulmonar, 33 (80,49%) sobreviveram.


    Fig. 2 - Sobrevida hospitalar na síndrome do coração esquerdo hipoplásico - BTM= Blalock Taussig modificado



    A sobrevida ao período entre o primeiro e o segundo estágios, que corresponde às crianças submetidas à operação de Glenn, está representada na Figura 3. Quatro pacientes do grupo Norwood-Sano aguardam o segundo estágio.


    Fig 3 - Mortalidade interestágios - BTM= Blalock Taussig modificado



    Os estudos feitos imediatamente antes do segundo estágio, por meio de angioressonância ou angiotomografia do coração e vasos da base, demonstraram boa morfologia da aorta na maioria dos pacientes (Figura 4).




    Fig. 4 - Angiotomografia mostrando: A: Neoaorta com bom resultado anatômico 2 anos após a cirurgia e B: Aspecto das artérias coronárias e da aorta nativa anastomosada à neoaorta. Legenda: NAO= neoaorta, CD= coronária direita, CE = coronária esquerda e AoAsc = aorta ascendente nativa



    Em cinco (6,41%) pacientes, na fase inicial desta série, ocorreu o desenvolvimento de coarctação da neoaorta, que foi solucionada por dilatação com cateter-balão (em dois pacientes após o segundo estágio) ou por meio de intervenção cirúrgica por toracotomia lateral (em dois pacientes, após o segundo estágio, e em um paciente, após o terceiro estágio), obtendo-se bom resultado. A comparação das curvas de sobrevida de Kaplan-Meier (Figura 5) mostrou melhor resultado com o Tubo VD-AP (p=0,003) em médio prazo. Onze pacientes já foram submetidos ao terceiro estágio.


    Fig. 5 - Curva de sobrevida em longo prazo - BTM= Blalock Taussig modificado



    DISCUSSÃO

    A boa sobrevida imediata de 74,35% dos pacientes com SCEH submetidos ao primeiro estágio da operação de Norwood, sendo de 67,57% no grupo BTm e de 80,49% no grupo em que o conduto VD-AP foi o meio de perfusão pulmonar, foi conseguida após uma série inicial de 12 neonatos, operados entre 1994 e 1998, não incluídos neste estudo. Naqueles primeiros 12 pacientes, conseguiram-se apenas quatro sobreviventes, ocorrendo melhora de resultados com a revisão desses casos e aproveitamento de conceitos da literatura, chegando-se à estratégia cirúrgica aqui descrita, a qual permitiu boa correção cirúrgica, enfatizando a proteção miocárdica e a redução do tempo de parada circulatória, além de melhora dos cuidados pós-operatórios. Procurou-se incorporar a grande evolução de conceitos e resultados da experiência internacional. Na década de 1980, poucos centros faziam a operação de Norwood com sucesso. As publicações demonstravam sobrevida hospitalar variando entre 42% e 66%, com a maioria dos óbitos ocorrendo nas primeiras 24 horas após a cirurgia, em decorrência de baixo débito cardíaco. A sobrevida em longo prazo variou entre 21% e 44% [13-15].

    Dados do Congenital Heart Surgeons Society Data Center, num estudo prospectivo realizado em 29 instituições, demonstraram sobrevida de 72%, 60% e 54%, respectivamente, com um mês, um ano e cinco anos após a correção estagiada. Foram analisadas 710 crianças com SCEH, entre 1994 e 2000. Os fatores de risco para morte após o primeiro estágio envolveram fatores individuais (baixo peso ao nascimento, aorta ascendente pequena e idade mais alta na operação de Norwood), fatores institucionais e fatores cirúrgicos (shunt originando na aorta, tempo longo de parada circulatória e manuseio da aorta ascendente). Fatores de risco para óbito após o segundo estágio incluíram idade mais jovem na derivação cavo-pulmonar e necessidade de plastia da valva atrioventricular [15].

    Tweddell et al. [16] relataram melhora da sobrevida hospitalar de 53%, nas operações feitas entre 1992 e meados de 1996, para 93%, numa série de 81 pacientes submetidos a operação de Norwood com enxerto BTm entre julho de 1996 e outubro de 2001. Há, entretanto, que se destacar que essa série não era constituída exclusivamente de neonatos com SCEH clássica, havendo 23% de variantes anatômicas que resultam em ventrículo esquerdo como ventrículo sistêmico.

    Embora os dados mais recentes reflitam a tendência de melhora contínua dos resultados nos centros mundiais de excelência em cardiologia pediátrica com a operação de Norwood em SCEH, a mortalidade ainda é elevada, especialmente em instituições com menor experiência. Checchia et al. [17], usando dados dos hospitais membros do Child Health Corporation of America, estudaram 1.105 neonatos admitidos entre 1998 e 2001 com diagnóstico de SCEH, observando que 801 foram submetidos a procedimento de Norwood, 39 foram submetidos a transplante cardíaco, e os restantes 265 (24%) não foram submetidos a intervenção cirúrgica. Os neonatos submetidos a operação Norwood tiveram sobrevida hospitalar de 68% (546/801). As quatro instituições com maior número de operações apresentaram 78% de sobrevida e as outras 25 instituições obtiveram, em média, 59% de sobrevida hospitalar.

    Investigações clínicas recentes demonstram preocupação com riscos de problemas neurológicos cognitivos, neuromotores e psicossociais, que podem ocorrer após essas operações [18]. Cianose, insuficiência cardíaca e anormalidades preexistentes do sistema nervoso central, que podem acompanhar a SCEH, assim como CEC e parada circulatória hipotérmica usadas na correção estagiada podem causar dano neurológico. Perfusão cerebral seletiva com baixo fluxo tem sido utilizada por alguns grupos como alternativa à parada circulatória total [16,19]. Dados de estudo piloto randomizado não sugerem que a perfusão cerebral seletiva melhore o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças submetidas a operação de Norwood, quando comparada à parada circulatória hipotérmica [20]. Um estudo realizado com amplo material mostrou que paradas circulatórias hipotérmicas não afetam o desenvolvimento neurológico, desde que sejam curtas [21]. Ensaios clínicos multicêntricos serão necessários para dirimir esta questão, mas a utilização de técnicas que diminuam ou eliminem a parada circulatória, provavelmente, são mais seguras.

    Os resultados obtidos com a estratégia descrita assemelham-se aos da literatura internacional, considerando que apenas neonatos com SCEH foram incluídos nessa série. Além disso, o tamanho da aorta ascendente ou a presença de insuficiência tricúspide não foram critérios de exclusão, sendo a operação de Norwood contra-indicada em menos de 5% dos casos. Adicionalmente, ela permite tempos curtos de parada circulatória hipotérmica, provavelmente contribuindo para que a maior sobrevida seja acompanhada de menor risco de lesões no sistema nervoso.

    Nosso grupo tem utilizado pioneiramente o pericárdio autólogo tratado com glutaraldeído desde 1999, na técnica de ampliação do arco aórtico e aorta descendente na SCEH. Essa foi uma solução simples, que além das vantagens do baixo custo, facilidade de obtenção e ser imunologicamente compatível, resultou em boa morfologia da neoaorta e baixa incidência de coarctação em longo prazo [22].

    Uma das técnicas mais utilizadas na reconstrução do arco aórtico inclui o uso de homoenxerto pulmonar, cujos problemas são o custo elevado, a dificuldade de obtenção e a sensibilização imunológica, que pode ocasionar problemas futuros caso seja necessário transplante cardíaco [16,23]. A anastomose direta da aorta é tecnicamente mais complexa e nem sempre possível de ser realizada, embora não mostre diferença em relação ao enxerto homólogo quanto à necessidade de reintervenção no arco aórtico [5,6,8].

    A recente popularização do tubo VD-AP tornou o curso pós-operatório mais estável, embora o impacto na sobrevida seja ainda controverso. Na experiência do grupo, mostrou melhor resultado em relação à sobrevida hospitalar e à mortalidade entre estágios, embora tenha atingido significância estatística apenas em relação à ultima variável, pelo teste exato de Fischer. Subjetivamente facilitou o manuseio pós-operatório. Sano et al. [9] relataram sobrevida de 84% (61/73) para pacientes submetidos a operação de Norwood com essa técnica em três centros no Japão, entre 1998 e 2002, identificando como fatores de risco a experiência do cirurgião e a ventilação mecânica anterior à operação. O tubo VD-AP oferece fluxo anterógrado para as artérias pulmonares somente durante a sístole, podendo ter maior diâmetro e menor incidência de oclusão aguda que o BTm, mas permite fluxo reverso na diástole, levando a sobrecarga de volume ventricular. Além disso, a necessidade de ventriculotomia direita, teoricamente, aumenta o risco de arritmias cardíacas e de redução da função ventricular nesses pacientes com fisiologia univentricular. Já o BTm propicia fluxo anterógrado pelo tubo durante todo o ciclo cardíaco, sendo controverso se propicia maior crescimento das artérias pulmonares [10,24], mas as pressões diastólicas mais baixas na aorta comprometem o fluxo sanguíneo coronariano [10,11] e, possivelmente, a função cardíaca por hipoperfusão subendocárdica.

    A conclusão de Sano et al. [9] de que com a conexão VD-AP seria possível melhorar os resultados para muitos cirurgiões foi baseada no relato de uma série de casos. Também outros relatos demonstrando melhora da sobrevida com o conduto VD-AP usaram como controle séries históricas de pacientes com BTm [10,11,24].

    Os estudos que mostraram não haver impacto na sobrevida quanto ao tipo de conduto utilizado, além de compararem grupos não contemporâneos, tinham populações muito pequenas de neonatos [25,26]. Pacientes com conduto VD-AP apresentaram maior mortalidade e indicação de transplante após o segundo estágio. O estudo comparativo de Tabbut et al. [27], feito em pacientes contemporâneos, mostrou que não houve diferença na mortalidade entre os grupos VD-AP e BTm, mas tem a limitação de não ser randomizado, apresentando alguns vieses de seleção, tais como inclusão de pacientes com ventrículo esquerdo sistêmico, teoricamente com melhor prognóstico, apenas no grupo BTm, e inclusão preferencial de pacientes com atresia da valva aórtica no grupo VD-AP.

    Apesar dos bons resultados atuais com a técnica BTm no primeiro estágio, ainda persiste o risco de 4% a 15% de óbito tardio antes do segundo estágio [15,28,29], embora a utilização de um programa domiciliar de monitoramento possa reduzir esse risco [30]. O uso de tubo VD-AP diminuiu a mortalidade interestágios entre os sobreviventes da operação de Norwood, em estudo publicado por Pizarro et al. [31], em que 40 dos 46 pacientes do grupo BTm e 49 dos 50 pacientes do grupo tubo VD-AP atingiram o estágio Hemi-Fontan com taxa de mortalidade interina de 13% e 2%, respectivamente. Entretanto, os grupos que apresentavam excelentes resultados com a técnica de BTm mostraram resultados idênticos com a modificação de Sano. Isso pode indicar que essa modificação está associada à melhora dos resultados nos grupos que tinham mortalidade próxima da média, talvez porque o tubo VD-AP facilite o manuseio pós-operatório. Estudos randomizados são necessários para comprovar as possíveis vantagens dessa técnica.

    A principal limitação do presente estudo quanto à análise dos resultados comparativos entre as duas técnicas é que os grupos não são contemporâneos. Embora tenham características clínicas e cuidados pós-operatórios semelhantes, é inegável que o último grupo foi beneficiado com a maior experiência da equipe. Também a prática de manter a maioria dos pacientes hospitalizados até o segundo estágio foi progressivamente instituída, beneficiando os pacientes mais recentes em relação à sobrevida interestágios.


    CONCLUSÕES

    A estratégia cirúrgica aplicada na operação de Norwood em neonatos com SCEH, utilizando pericárdio autólogo tratado na ampliação do arco aórtico, resultou em tempo curto de parada circulatória e mortalidade comparável aos melhores centros mundiais, obtendo-se boa morfologia da neoaorta e baixa incidência de coarctação de aorta.

    A melhor sobrevida imediata com o conduto VD-AP não foi significante quando comparada ao procedimento de BTm; entretanto, a menor mortalidade no período interestágios e a maior sobrevida em médio prazo no grupo VD-AP foram vantagens que atingiram significância estatística.


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