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ARTIGO ORIGINAL

Disfunção endotelial causada pela pressão aguda de distensão em veias safenas humanas utilizadas para revascularização do miocárdio

Fernanda VIAROI; Carlos Gilberto CARLOTTI JRII; Alfredo José RodriguesIII; Walter Vilella de Andrade VicenteIV; Solange BassettoV; Graziela Saraiva ReisVI; Lafaiete ALVES JUNIORVII; Paulo Roberto Barbosa EvoraVIII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000200004

INTRODUÇÃO

Sabe-se que a patência da veia safena é muito inferior à dos enxertos arteriais. Isto se deve, em parte, ao fato que a parede da veia safena normal tem diferentes características estruturais e funcionais, que podem ser afetadas por altas pressões de distensão, tanto na fase de preparação da veia, quanto pela sua inserção no sistema arterial. A veia safena continua sendo extensivamente utilizada como enxerto no sistema arterial. Isto, por necessidade, expõe a parede venosa a altas pressões de distensão após a sua inserção. Além disso, durante o processo de preparação, a sua manipulação acaba por expô-la a variados graus de distensão, que podem ser extremamente altos. Estas pressões anormais podem ser, pelo menos em parte, responsáveis por alterações patológicas, precoces ou tardias, da parede da ponte de veia safena.

A utilização de uma pressão arterial para distender a veia tem sido proposta para avaliar a capacidade da veia safena como enxerto coronariano. Essa pressão não afetaria adversamente o componente vasodilatador da função endotelial, mas pode causar alterações morfológicas da parede vascular. Excessiva distensão produz profundas alterações estruturais e bioquímicas do endotélio, que não são correlacionadas com alterações funcionais, em curto prazo, destas células, mas podem predispor a veia a alterações funcionais, em longo prazo, por iniciar a proliferação e a aterosclerose da camada íntima. Estes dados podem ter importância, clínica e experimental, para a biologia e a farmacologia da função endotelial e para a utilização da veia safena com enxerto arterial.

É, praticamente, impossível prever como estímulos mecânicos da liberação de óxido nítrico, como o "shear stress", possam ser afetados pela pressão de distensão da veia safena. Por este motivo, não se consegue uma explicação porque veias safenas de qualidades semelhantes estão funcionantes em tempos superiores há 15 anos e outras têm o seu fluxo comprometido em um tempo muito menor.

Os dados acima apresentados motivaram o presente projeto que objetivou estudar a possível disfunção endotelial causada por pressão de distensão utilizando-se: 1) Imunohistoquímica do CD34 como marcador de disfunção endotelial e; 2) Estudo in vitro dos passos da via de liberação do óxido nítrico em câmaras de órgãos, correlacionando os resultados com as pressões crescentes de distensão.


MÉTODO

Segmentos de veias safenas, correspondente ao seu início junto ao maléolo interno de 20 pacientes, de ambos os sexos, submetidos a revascularização do miocárdio, foram obtidos no centro cirúrgico. Estes segmentos venosos foram manipulados suavemente para liberação de tecidos circundantes e ligaduras de seus ramos colaterais. A seguir foram, imediatamente, imersos em solução fisiológica normotérmica e oxigenada com a seguinte composição milimolar: NaCl, 118.3; KCl, 4.7; MgSO4, 1.2; KH2PO4, 1.22; CaCl2, 2.5; NaHCO3, 25.0 e glicose, 11.1 (solução controle). As veias safenas não foram submetidas a nenhuma distensão ou infusão de salina durante a sua retirada. Essa rotina foi estabelecida para que as distensões adotadas no protocolo experimental não sofressem influências de possíveis pressurizações que, frequentemente, são utilizadas no ato operatório Foram selecionadas veias sem evidências macroscópicas de varicosidades, mas os seus diâmetros e espessura da parede, bem como a observação macroscópica de vasoespasmo, foram aleatoriamente presentes.

Todos os procedimentos foram revistos e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Padronização das pressões de distensão

Para a padronização das pressões de distensão, o segmento de veia safena foi conectado a uma torneira de três vias, sendo duas vias conectadas a um manômetro de mercúrio e a um insuflador de balão para angioplastia. Este insuflador permite a obtenção uniforme e a manutenção da pressão de insuflação de maneira bastante acurada. Como as pressões de insuflação dos balões de angioplastia são extremamente altas, o manômetro próprio do insuflador tem as escalas em ATM e PSI. Por este motivo, uma das vias da torneira de três vias foi conectada a um manômetro com coluna de mercúrio para a mensuração das pressões experimentais (100, 200 e 300 mmHg). Para a aplicação dos três níveis de pressão, o segmento de veia safena foi pinçado em sua extremidade livre (Figura 1). Essas manobras foram realizadas por um único pesquisador, constituindo-se quatro grupos experimentais: Grupo I - Controle; Grupo II - Distensão com solução de Krebs a 100 mmHg por 15 segundos; Grupo III - Distensão com solução de Krebs a 200 mmHg por 15 segundos e; Grupo IV - Distensão com solução de Krebs a 300 mmHg por 15 segundos.


Fig. 1 - Padronização da pressurização das veias safenas



As amostras foram codificadas de tal forma que os realizadores dos métodos utilizados na investigação desconheciam a que grupo uma determinada amostra pertencia. Essa identificação só foi realizada, após as observações experimentais, no momento da quantificação e análise das possíveis alterações induzidas pelas pressões de distensão.

Imunohistoquímica do CD34

Para estes estudos foram utilizadas técnicas padronizadas de coloração em parafina (Novostain Universal Quick Kit), incubando-se tecidos de veias safenas com anticorpos monoclonais das NO sintases constitucional e induzível. O anticorpo utilizado foi o CD34 Santa Cruz (ICO115 sc-7324, diluição PBS 7.4/BSA 1/20). O CD34 é um conhecido marcador histoquímico de disfunção endotelial.

Estudo da reatividade vascular em câmaras de órgãos ("organ chambers")

As "organ chambers" são construídas em vidro e constituem-se em uma dupla câmara por onde circula, constantemente, água a uma temperatura mantida a 37oC em circuito fechado, e um reservatório com um volume constante de 25 ml, onde os anéis vasculares são suspensos e as drogas são adicionadas. Este reservatório é preenchido por uma solução de Krebs modificada, e comunica-se a um sistema de aspiração a vácuo e a um outro de aeração, permitindo os estudos em situações de normóxia ou hipóxia. A solução de Krebs pode ser renovada sempre que o experimento exigir, combinando-se a aspiração com reintrodução de solução nova a qual fica contida em uma torre de vidro, que, à semelhança das "organ chambers", também é mantida a 37oC e com aeração contínua.

Segmentos de anel venoso foram suspensos entre alças de aço inoxidável, passadas através de sua luz. Antes de iniciarem-se os experimentos farmacológicos propriamente ditos, os vasos foram submetidos ao seu ponto ótimo de estiramento-tensão, por meio de um sistema micrométrico. Para a determinação deste ponto, os vasos foram estirados progressivamente até 2,5g. As tensões isométricas foram registradas por um sistema de sensíveis transdutores de força (Statham UC 2) acoplados, individualmente, a cada anel vascular e ligados a um registrador de oito canais (Gould, Cleveland, Ohio) - Figura 2.


Fig. 2 - Detalhe de uma "organ chamber" isolada e sua representação esquemática



Como o objetivo foi estudar apenas as ações do óxido nítrico, excluindo-se a participação de elementos da via ciclooxigenase, após a obtenção do ponto de tensão-estiramento, os vasos foram submetidos à ação da indometacina.

Para o estudo das respostas contráteis dos segmentos de veia safena, utilizou-se a fenilefrina, a prostaglandina F2á, a noradrenalina e o cloreto de potássio. Para o estudo dos relaxamentos dependentes do endotélio, foram escolhidas três drogas: o ADP, um produto plaquetário que age por estimulação de receptores purínicos da membrana da célula endotelial; o ionóforo cálcico A23 187, o qual promove uma vasodilatação dependente do endotélio independente de estímulo de receptores e mostra que a célula endotelial mantém a capacidade de produzir óxido nítrico e; o nitroprussiato de sódio, que é um doador de NO e, agindo diretamente na musculatura lisa vascular, tem a função de testar relaxamentos vasculares independentes do endotélio.

Análise dos dados

Os resultados serão apresentados como média ± erro-padrão, por se tratar de distribuição não normal. Em todos os experimentos, n significa o número de pacientes dos quais os anéis vasculares foram obtidos. Em anéis contraídos com fenilefrina, as respostas foram expressas como percentagem das alterações a partir da contração máxima estável. Para os relaxamentos, calculou-se o logaritmo negativo da concentração 2 molar efetiva do agonista que causa inibição de 50% (IC50) da contração obtida pela prostaglandina F2á. Estes valores foram utilizados para a construção de curvas doses-respostas. Para a análise estatística, foram utilizados a análise de variância (ANOVA) e o teste T de Student para observações pareadas e não pareadas. Os valores foram considerados significantes quando o valor de P foi menor do que 0,05.


RESULTADOS

Expressão tissular imunohistoquímica do CD34

Não se observaram diferenças entre o grupo controle e as veias pressurizadas com 100 mmHg. A partir da pressurização com 200 mmHg já se observa uma tendência à diminuição da expressão do CD34, tornando-se estatisticamente significante para a pressurização com 300 mmHg (Figuras 3 e 4).


Fig. 3 - Expressão imunohistoquímica do CD 34 (n=20, ANOVA, p<0,05). O asterisco indica diferença estatisticamente significante. Análise semiquantitativa (a expressão foi graduada de + a ++++ por um único profissional, que desconhecia os grupos experimentais)



Fig. 4 - Imunohistoquímica do CD34. As setas indicam a diminuição da expressão com a pressurização (400 X)



Reatividade vascular

Respostas contráteis

1) Fenilefrina: Observou-se, como um dado isolado, uma maior resposta contrátil, maior e estatisticamente significante em relação ao controle, em veias pressurizadas com 100 mmHg; 2) Prostaglandina F2á: Exceto pelo dado isolado da diminuição significante da contratilidade das veias pressurizadas com 300 mmHg, não se observaram outras diferenças significantes entre as respostas contráteis induzidas pela prostaglandina F2á ; 3) Noradrenalina: Não se observaram diferenças significantes entre as respostas contráteis induzidas pela noradrenalina; 4) Cloreto de potássio: Embora se observe uma nítida tendência à diminuição da resposta contrátil induzida pelo KCl, à medida que se aumenta o nível de pressurização, essas diferenças não foram estatisticamente significantes (Figura 5).


Fig. 5 - Curva dose-resposta a concentrações crescentes de fenilefrina, prostaglandina F2á, noradrenalina e cloreto de potássio (n=6, ANOVA, p<0,05 apenas para contrações de veias safenas distendidas a 100 mmHg, para os demais parâmetros p>0,05). O * indica diferença estatística



Respostas vasorelaxantes

1) Difosfato de adenosina (ADP): Não se observaram diferenças significantes entre as respostas relaxantes dependentes do endotélio induzidas pelo ADP (dependente de receptor); 2) Ionóforo do cálcio: Não se observaram diferenças significantes entre as respostas relaxantes dependentes do endotélio induzidas pelo ionóforo de cálcio. (independente de receptor) e; 3)Nitroprussiato de sódio (NPS): Não se observaram diferenças significantes entre as respostas relaxantes independentes do endotélio induzidas pelo NPS (Figura 6).


Fig. 6 - Curva dose-resposta a concentrações crescentes de adenosina difosfato (relaxamento dependente de receptor), ionóforo do cálcio (relaxamento independente de recepto) e nitroprussiato de sódio (relaxamento independente do endotélio) - (n=6, ANOVA, p>0,05)



DISCUSSÃO

A veia safena magna continua sendo enxerto mais usado, juntamente com a artéria torácica interna pediculada, na revascularização cirúrgica do miocárdio, mesmo diante das vantagens dos enxertos arteriais, que, por serem adaptados a território de pressão, apresentam melhores resultados em longo prazo. Essa adaptação depende, necessariamente, da função parácrina do endotélio, que, pela produção de substâncias vasodilatadoras e antiplaquetárias, previne espasmo, trombose e proliferação, até mesmo protendo contra os mecanismos de aterosclerose.

Muito se tem estudado em função dessa inferioridade funcional da veia safena, atribuindo-se grande importância às possíveis lesões traumáticas e/ou funcionais, já na sua extração e preparo para a revascularização cirúrgica do miocárdio. Uma vez colhida, a veia é canulada e suavemente pressurizada para identificar e ligar colaterais previamente não identificadas. As taxas de patência podem estar relacionadas com lesões da veia durante a sua retirada e preparação [1-3].

Nas décadas de 60 e 70, foram estabelecidas, claramente, lesões morfológicas não só do endotélio, mas também das outras camadas que formam a parede da veia. Por esses estudos, a pressurização das veias seria até uma prática proibitiva, o que não se observou na evolução da cirurgia da revascularização do miocárdio. Assim, surgiu um grande desafio de investigação que seria descobrir até quando as lesões morfológicas causadas pela pressurização estariam associadas à lesão funcional. Em outras palavras, existiria um "barotrauma" funcional em veias safena pressurizadas?

Na década de 90, trabalhando na Mayo Clinic (Rochester, MN, USA), constatamos que a infusão in vivo de solução cardioplégica cristalóide (acima de 600 mmHg) não induziu disfunção endotelial (estudo in vitro utilizando "organ chambers") pelo comprometimento da liberação de NO em artérias coronárias caninas normais [4].

Em outro estudo [5], motivante da presente investigação, talvez o mais bem delineado até o momento com a finalidade de investigar a relação da magnitude da pressão de distensão e o grau de lesão, estrutural, bioquímica e funcional da parede vascular da veia safena, os segmentos de veia safena foram distendidos com pressões de 100 a 300 mmHg, sendo sua reatividade vascular estudada em banhos orgânicos ("organ-chambers"). Além dos estudos funcionais, as lesões estruturais foram avaliadas por microscopia de varredura e pela localização imunohistoquímica da NOS endotelial. Segmentos de veia safena distendidos com pressão de 100 mmHg mantiveram a sua capacidade de resposta ao cloreto de potássio (90 mmol/l) e à fenilefrina (10-6 mol/l), mas aqueles pressurizados com 300 mmHg perderam a sua reatividade a estes agentes. Veias distendidas com 300 mmHg também tiveram comprometimento dos relaxamentos dependentes do endotélio causados pela acetilcolina (10-10 - 10-6 mol/l) e bradicinina (10-10 - 10-6 mol/l). Estudos quantitativos das lesões estruturais endoteliais foram aparentes quando se utilizou a pressão de 300 mmHg, mas células endoteliais remanescentes mantiveram forte coloração imunohistoquímica positiva para a NOS endotelial. Ao contrário das veias submetidas a pressões de 100 mmHg, as veias pressurizadas a 300 mmHg mostraram grandes áreas de endotélio desnudo. Este estudo concluiu que a distensão das veias safenas a pressões equivalentes a pressões arteriais elevadas resulta em alterações estruturais e bioquímicas do endotélio "que não são acompanhadas de alterações funcionais imediatas". Em outras palavras, o endotélio pode possuir grande reserva funcional.

Durante o decorrer da investigação, foram sendo colhidas as informações, na literatura especializada, sobre os efeitos de forças mecânicas sobre a função endotelial. O leito arterial, que consiste de vasos musculares e elásticos de grande lúmen, assim como arteríolas e vasos pré-capilares estão constantemente expostos a forças hemodinâmicas, que variam enormemente em magnitude, freqüência e direção. Tais forças consistem de pressão agindo perpendicularmente na parede vascular, esforço cíclico, e "shear stress" agindo paralelamente aos vasos, criando uma força friccional de cisalhamento na superfície do endotélio. Quando a veia safena é interposta na circulação arterial, ela passa a sofrer a ação desses fenômenos físicos. Acresça-se a esses tipos de forças os possíveis efeitos da tração na funcionalidade da veia safena. Mas, o delineamento da presente investigação centrou-se apenas na pressão hidrostática gerada pela infusão de solução fisiológica de Krebs na fase de sua extração e preparo. Os segmentos de veias estudados eram todos correspondentes ao início da veia safena junto ao maléolo interno da perna direita. Essas veias foram pouco manipuladas, não apresentavam varicosidades ou reações inflamatórias macroscópicas. Não foram também, inicialmente, pressurizadas e nem expostas a nenhuma droga vasodilatadora. Achamos que um número de vinte veias, de diferentes pacientes, seria, embora sujeito a crítica, um número razoável para "diluir" a extrema variabilidade dos vasos de paciente para paciente. Permanecia um possível viés que seria a utilização sempre do início da veia com a possibilidade da existência de diferenças da função endotelial conforme a região da retirada da veia. Esse viés foi aliviado pela recente publicação do Texas Heart Institute (Houston, TX, USA) que, utilizando ensaios in vitro com veias safenas sob ação vasodilatadora da acetilcolina (dependente do endotélio) e do nitroprussiato de sódio (independente do endotélio) não revelou diferenças funcionais entre segmentos de veia safena da coxa e do início da perna [6].

O principal achado experimental da presente investigação foi que, a partir da pressurização com 200 mmHg, já se observa uma tendência à diminuição da expressão do CD34, tornando-se estatisticamente significante para a pressurização com 300 mmHg, sem comprometimento da contratilidade e dos relaxamentos estudados in vitro com auxílio de "organ chambers".

Vários estudos demonstram a reatividade de anticorpos CD34 com capilares em variados tecidos, incluindo tumores. Praticamente todos anticorpos CD34 conhecidos se ligam ao endotélio vascular, tornando-o um excelente marcador da função endotelial. Porém, nem todas as células endoteliais in vivo são positivas para CD34. Além disso, mesmo em tecidos com achado positivo para o CD34, a sua coloração varia intensamente. As células endoteliais de grandes veias e artérias são negativas para CD34, assim como a superfície endotelial da placenta e sinusóides hepáticos [7].

O CD34 mostrou-se um excelente marcador para o endotélio de veias safenas humanas. Ocorreu nítida diminuição da expressão do CD34 com os níveis pressóricos revelando disfunção endotelial. Essa tendência começou a se manifestar com a pressurização com 200 mmHg e tornou-se estatisticamente significante em níveis de 300 mmHg. Esses achados permitem concluir que pressões de distensão de até 100 mmHg não causam disfunção endotelial e que distensões com pressões superiores associam-se, diretamente, com disfunção endotelial em veias safenas humanas.

É importante ressaltar as já conhecidas dificuldades para o estudo in vitro da reatividade vascular venosa. Se essa dificuldade já é relatada em estudos utilizando-se animais de experimentação, ela é muito maior quando se trata de veias humanas em pacientes adultos. Essa dificuldade levou-nos a estudar apenas veias sem a remoção mecânica do endotélio, que uma boa parte das vezes praticamente abolia a contratilidade do vaso. Por essa mesma razão, não utilizamos a acetilcolina para o estudo dos relaxamentos dependente do endotélio com estímulo a partir de receptores de membrana. Inúmeros estudos foram realizados e, no final, decidimos adotar a ADP como "ferramenta farmacológica" para induzir relaxamentos dependentes do endotélio.

As únicas diferenças estatisticamente significantes corresponderam a um aumento da contratilidade por ação da fenilefrina em veias pressurizadas com 100 mmHg e diminuição da contratilidade pelas ações da prostaglandina F2á e cloreto de potássio. No conjunto e, principalmente, considerando o não comprometimento dos relaxamentos dependentes do endotélio (ADP e ionóforo do cálcio) e independentes (NPS), optamos por considerar as alterações significativas da contratilidade como pontuais. Assim, concluímos que a sensibilidade dos estudos farmacológicos in vitro não foi suficiente para se concluir por um comprometimento funcional das veias safenas humanas pressurizadas até 300 mmHg.


CONCLUSÕES

Apenas com os dados obtidos pela imunohistoquímica do CD34 foi possível concluir que a distensão excessiva da veia safena resulta, sem sombra de dúvida, em comprometimento da função endotelial. É possível concluir-se que: ocorre disfunção endotelial sem evidente comprometimento da reatividade vascular in vitro e que esse grau de disfunção é pouco evidente com pressurizações até 100-120 mmHg. Isso permite especular que, embora em curto prazo, não ocorra um comprometimento das veias safenas retiradas e pressurizadas com grande cuidado, a manipulação cirúrgica cria, de algum modo, uma espécie de "cicatriz molecular", que pode afetar em tempos variados a patência de enxertos venosos coronarianos.

Vale a pena ainda ressaltar que o presente estudo levou em conta apenas os efeitos da pressão hidrostática, sem considerar as outras duas forças reconhecidas como participantes da reatividade vascular. Como referido na revisão da literatura publicada anteriormente nessa revista [8], cada tipo de força atuante na parede vascular associa-se à expressão de diferentes genes, o que torna o assunto mais complexo ainda, merecendo o já mencionado rótulo de uma "história sem fim".


REFERÊNCIAS

1. Soyombo AA, Angelini GD, Bryan AJ, Newby AC. Surgical preparation induces injury and promotes smooth muscle cell proliferation in a culture of human saphenous vein. Cardiovasc Res. 1993;27(11):1961-7. [MedLine]

2. Bonchek LI. Prevention of endothelial damage during preparation of saphenous veins for bypass grafting. J Thorac Cardiovasc Surg. 1980;79(6):911-5. [MedLine]

3. Angelini GD, Breckenridge IM, Williams HM, Newby AC. A surgical preparative technique for coronary bypass grafts of human saphenous vein which preserves medial and endothelial functional integrity. J Thorac Cardiovasc Surg. 1987;94(3):393-8. [MedLine]

4. Évora PRB, Pearson PJ, Schaff HV. Cardioplegia cristalóide, barotrauma e função endotelial. Considerações experimentais. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1996;11(2):115-22.

5. Chester AH, Buttery LD, Borland JA, Springall DR, Rothery S, Severs NJ, et al. Structural, biochemical and functional effects of distending pressure in the human saphenous vein: implications for bypass grafting. Coron Artery Dis. 1998;9(23):143-51.

6. Golbasi I, Tasatargil A, Aksoy NH, Sadan G, Karasu E, Turkay C, et al. A functional and histopathological comparison of proximal and distal saphenous vein contractility and morphology. Tex Heart Inst J. 2005;32(3):287-93. [MedLine]

7. Fina L, Molgaard HV, Robertson D, Bradley NJ, Monaghan P, Delia D, et al. Expression of the CD34 gene in vascular endothelial cells. Blood. 1990; 15;75(12):2417-26.

8. Tineli RA Viaro F, Dalio MB, Reis GS, Bassetto S, Vicente WVA, et al. Mechanical forces and human saphenous vein: coronary artery bypass graft implications. Braz J Cardiovasc Surg. 2007;22(1):87-95.


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