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RELATO DE CASO

Cirurgia de troca valvar em gestante

Claúdio Ribeiro da CUNHAI; Paulo Cesar SANTOSII; Carolina Pastorin CASTINEIRAIII; Flávia Souza Fernandes PEREIRAIII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000400019

INTRODUÇÃO

No início da década de 50, surgiram, no Brasil, os primeiros relatos de cirurgia cardíaca realizadas durante a gestação e observou-se que a mortalidade materna não era maior que aquela verificada em pacientes não gestantes submetidas ao mesmo tipo de cirurgia [1].

Embora a mortalidade materna seja baixa, o mesmo não ocorre com a fetal, a qual aumentou após a introdução da circulação extracorpórea (CEC), devido ao trabalho de parto pré-maturo e óbito fetal intra-operatório por hipóxia [1,2]. Em função do aperfeiçoamento do conhecimento sobre a técnica de CEC e suas repercussões fetais, várias estratégias têm sido descritas, visando à diminuição da morbi-mortalidade fetal [1,2].

O objetivo deste estudo é avaliar a evolução materna e fetal de uma gestante submetida à cirurgia cardíaca complexa.


RELATO DO CASO

Reportamos aqui o caso de uma paciente, 31 anos, gestante de 20 semanas, a qual foi submetida a uma troca valvar mitral por prótese biológica, há 7 anos. A paciente foi submetida a um ecocardiograma que mostrou disfunção da prótese mitral tipo estenose com área valvar de 1,2 cm2, insuficiência aórtica moderada a grave e insuficiência tricúspide. Além disso, havia presença de trombo no átrio esquerdo e insuficiência cardíaca classe funcional IV (NYHA), com episódios freqüentes de edema pulmonar. Diante disso, foi indicada a cirurgia para a realização da retroca de prótese de válvula mitral biológica e troca da valva aórtica, ambas por prótese biológica. Foi indicada ainda valvuloplastia de tricúspide e trombectomia de átrio esquerdo. A CEC foi realizada de modo convencional, com ultrafiltração modificada e proteção miocárdica por via anterógrada e retrógrada, além de hipotermia sistêmica moderada a 35°C.

O tempo total de CEC foi de 105 minutos. A paciente permaneceu na UTI durante 4 dias, recebendo alta após 20 dias. A evolução fetal na UTI foi satisfatória. Com 29 semanas e 6 dias de gestação, internou-se após diagnóstico de diabetes gestacional, sendo detectado sofrimento fetal. Foi submetida à cesárea com 30 semanas e 5 dias, sem intercorrências, com recém-nascido vivo, PIG, APGAR 1' 5 e 5' 8, pesando 1150g, apresentando asfixia perinatal. A paciente recebeu alta em boas condições e a criança permanece na UTI neonatal, estável, com suporte ventilatório.


DISCUSSÃO

A incidência de cardiopatia em gestantes varia de 1% a 4%, sendo a causa mais comum a doença reumática mitral [3], substrato da valvopatia descrita no presente relato. O tratamento de eleição é o conservador e, quando refratário a este, opta-se por intervenção cirúrgica, que possui indicações semelhantes àquelas observadas para pacientes não gestantes.

Mulheres com valvulopatia apresentam, durante a gravidez, um aumento dos eventos patológicos, tais como insuficiência cardíaca congestiva, arritmias e necessidade de iniciar ou de aumentar as doses do tratamento medicamentoso. Além disso, ocorre o aumento do índice de hospitalização dessas pacientes durante o período de gravidez [4]. Neste caso, havia refratariedade ao tratamento clínico, com vários episódios de edema agudo de pulmão. Estando a vida da mãe em risco, foi indicado o tratamento cirúrgico precoce com aumento do risco de vida fetal. A reparação ou a troca de válvulas durante a gravidez pode ser indicada em pacientes selecionadas que se mantêm sintomáticas apesar da terapia medicamentosa [5].

Alguns fatores característicos da gestação como a hipovolemia relativa, o aumento da freqüência e do débito cardíaco materno e a anemia podem causar desequilíbrio cardiocirculatório e descompensação em gestantes valvulopatas, tornando-se necessário tratamento cirúrgico ou intervencionista [1,3].

No presente caso, optou-se pelo tratamento cirúrgico realizando dupla troca, pois se trata de uma paciente de alto risco para prosseguir com a gravidez visto que estava em classe funcional NYHA IV e lesões valvares como estenose de bioprótese mitral e episódios de edema agudo de pulmão. Isso reforça a participação dos fenômenos gestacionais supracitados e o aumento no risco de mortalidade materna durante a progressão da gestação, daí a necessidade de intervenção cirúrgica.

Embora a mortalidade materna seja baixa, anestesia geral, toracotomia e CEC são fatores de risco para mortalidade fetal [2]. Além disso, aspectos da saúde materna e da gestação, como a idade materna, classe funcional segundo a NYHA, tipo de cirurgia (emergencial, eletiva, planejada, reoperação), tipo de gestação (múltiplas, com ou sem aborto, primigesta) e idade gestacional interferem na morbi-mortalidade fetal [3].

Neste caso, trata-se de uma reoperação com dupla troca, o que aumenta o tempo de CEC e, com isso, a mortalidade fetal é maior. No presente relato, não houve sofrimento fetal durante a CEC, sendo o feto monitorizado por ultra-sonografia. Também não houve sofrimento no pós-operatório imediato, o que levou a prosseguir a gravidez normalmente, porém houve descompensação da diabetes dessa paciente, sendo necessário parto prematuro, um mês após o procedimento cirúrgico.

Durante o parto, ocorreu asfixia perinatal, de causa desconhecida. Dessa forma, a criança necessitou permanecer em UTI neonatal sob suporte ventilatório em progressiva recuperação, por se tratar de um recém-nascido pré-termo e pequeno para a idade gestacional.


AGRADECIMENTOS

A todos os médicos que não medem esforços para o bem-estar dos pacientes.

Article receive on quarta-feira, 27 de junho de 2007

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