Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

20

Views

ARTIGO ORIGINAL

O uso da vancomicina em pasta na hemostasia do esterno e profilaxia da mediastinite

Marcus Vinicius Ferraz de ARRUDAI; Domingo M BraileII; Marcos Rogério JoaquimI; Fabio Augusto SUZUKIIII; Raquel Helena ALVESIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000100007

INTRODUÇÃO

A mediastinite é uma das complicações cirúrgicas mais temidas pelos cirurgiões cardiovasculares, sendo este um fator agravante nos casos de morbidades e mortalidades no pós-operatório de cirurgias cardíacas. Acomete cerca de 0,5% a 5,0% dos pacientes no pós-operatório de cirurgia cardíaca [1,2], podendo chegar a 8% em pacientes revascularizados com as duas artérias torácicas internas [3].

Os riscos de mediastinite aumentam quando se somam fatores como diabetes, obesidade, enxerto de artéria torácica interna bilateral, tabagismo, pneumonia, reexplorações cirúrgicas, sangramentos no pós-operatório, cirurgias de emergência e ventilação mecânica prolongada [4,5].

Os principais sinais e sintomas evidenciados pela mediastinite são: febre, leucocitose, ferida cirúrgica com presença de hiperemia, dor e drenagem de exsudato purulento, o diagnóstico terá mais precisão com exames radiográficos, destacando-se a tomografia com visualização de coleção de líquidos retroesternal, entretanto a coleta de material por punção esternal resultando em um diagnóstico definitivo [4-6].

O fator de maior importância para o sucesso do tratamento da mediastinite é o diagnóstico e a terapêutica precoce [7]. Diagnosticar o processo infeccioso antes da alta hospitalar para instituir a terapêutica adequada e precoce interfere de forma decisiva para controle da infecção e diminuição dos casos de óbito por mediastinite [8].

Desta forma, o objetivo deste estudo foi instituir uma pasta de vancomicina no osso esterno durante o ato cirúrgico, a fim de prevenir a mediastinite, visando a um melhor índice de sobrevida em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca.


MÉTODOS

Estudo retrospectivo com 1020 pacientes adultos que foram submetidos a cirurgia com uso de circulação extracorpórea no serviço de cirurgia cardíaca do Hospital dos Fornecedores de Cana Piracicaba, entre fevereiro de 2002 e outubro de 2005.

Em todos os pacientes, utilizamos a vancomicina em pasta para hemostasia do osso esterno e profilaxia da mediastinite.

Não foi solicitada autorização prévia para os pacientes, pois se trata de um método de hemostasia já utilizado por outras disciplinas, principalmente a ortopedia.

Trinta pacientes foram excluídos por apresentarem dados incompletos ou por óbito nos cinco primeiros dias do pós-operatório de causa não infecciosa.

Quinhentos e noventa e dois (58%) dos pacientes foram submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio, 357 (35%) dos pacientes foram submetidos a cirurgia para correção de defeitos valvares e 71 (7%), a cirurgias diversas. Seiscentos e noventa e quatro (68%) pacientes eram do sexo masculino e 326 (32%) do sexo feminino. A idade dos pacientes operados variou de 35 a 84 anos, com média de 59,5 anos.

O acompanhamento dos pacientes é realizado durante todos os dias de internação que precedem à cirurgia, com retorno ambulatorial 10 dias após alta hospitalar. Pacientes que apresentaram algum tipo de intercorrências, tais como arritmia, derrame pleural, pneumonia, insuficiência cardíaca, alterações da pressão arterial, febre a esclarecer, processos inflamatórios e/ou infecciosos das cicatrizes da esternotomia ou safenectomia e outras morbidades, foram acompanhados por tempo indeterminado.

Todos os pacientes receberam cefaxolina 1g intravenosa no momento da indução anestésica e de 8 em 8 horas, por um período de 48 horas. Os pacientes que apresentaram processos infecciosos, tais como pneumonia e infecção do trato urinário no pós-operatório, receberam tratamento com antibiótico específico por período mais prolongado.

Os critérios para determinar o diagnóstico de mediastinite foram decorrentes dos sinais e sintomas, sendo estes: febre, hiperemia da cicatriz da esternotomia, deiscência da pele e tecido subcutâneo, dor torácica, instabilidade do osso esterno, presença de secreção na ferida operatória, leucocitose e piora do estado geral. Consideramos que dois ou mais desses sinais são suficientes para se fazer o diagnóstico de processo infeccioso instalando-se no sítio da toracotomia mediana e instituindo-se, de imediato, o tratamento. O sucesso do tratamento das infecções da ferida operatória da esternotomia está relacionado ao diagnóstico e ao início do tratamento na fase mais precoce possível.

Nesse estudo, consideramos somente os pacientes que apresentaram infecções que atingiram a pele, tecido subcutâneo, o osso esterno e o mediastino superior e anterior.

Todos foram tratados com antibiótico via intravascular (vancomicina associada a imipenen) e submetidos a tratamento cirúrgico com limpeza do sítio infectado, desbridamento do osso esterno e ressutura do esterno tipo Robicsek.

Técnica de preparo e aplicação da pasta de vancomicina

  • Dois frascos-ampolas de vancomicina de 500mg acrescido de 1ml de soro fisiológico;
  • O preparo é feito em cuba de inox;
  • Mistura-se até adquirir consistência firme (Figura 1);
  • A pasta de vancomicina é preparada no momento da esternotomia e deve ser aplicada de imediato.



  • Fig. 1 - Preparo da pasta de vancomicina



    RESULTADOS

    O levantamento dos 1020 pacientes mostrou que houve somente cinco (0,49%) casos de mediastinite. O tempo de circulação extracorpórea foi longo em todos os pacientes com mediastinite, em média 115 minutos.

    Os pacientes que apresentaram mediastinite haviam sido submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio com uso da artéria torácica interna esquerda. A diabetes foi o segundo fator de risco mais encontrado. Quatro (80%) pacientes eram diabéticos e faziam uso de insulina.

    Em média, usamos três enxertos por cirurgia, sendo que em um caso foi feita a correção de aneurisma do ventrículo esquerdo.

    O diagnóstico de mediastinite foi feito antes da alta hospitalar em dois dos cinco casos, nos demais pacientes, o diagnóstico foi feito em consulta pós-operatória e a média para o diagnóstico foi 13 dias.

    Os pacientes que desenvolveram mediastinite foram tratados com intervenção cirúrgica precoce, com limpeza do sítio infectado, desbridamento do osso esterno e ressutura do esterno tipo Robicsek, drenos de sucção foram colocados no mediastino e sobre o osso esterno.

    Foram tratados com antibiótico via intravascular (vancomicina associada com imipenen), assim que se fez o diagnóstico de mediastinite.

    Na cultura feita no intra-operatório, dos cinco casos houve predomínio de Stafilococcus aureus com três (60%) pacientes, um (20%) caso de Pseudomonas aeruginosa e um de cultura negativa (20%).

    A maior dificuldade no tratamento da mediastinite é o tempo de internação prolongado, a média de internação foi de 20 dias, sendo que três pacientes tiveram mais de uma internação para o tratamento da mediastinite. Não houve caso de óbito por mediastinite.


    DISCUSSÃO

    A mediastinite é uma complicação de difícil e longo tratamento, que envolve um alto custo hospitalar, em alguns casos proporciona de certa forma até uma dificuldade de relacionamento médico-paciente-hospital, tanto pelo custo do tratamento quanto pelas incertezas levadas pelo longo período de tratamento.

    A incidência maior é no período de 10 a 20 dias de pós-operatório. Acometem principalmente os pacientes submetidos a revascularização do miocárdio (50%), troca valvar (20%), doenças da aorta (20%) e outras cirurgias (10%).

    Conforme literatura, as bactérias isoladas, na grande maioria dos casos, são Staphylococcus aureus (45%), Pseudomonas aeruginosa (25%) e Escherichia coli (10%), sendo que o sucesso no tratamento aumenta quando a bactéria isolada é a Staphylococcus aureus [4].

    Apesar de acometer um número pequeno de pacientes, a taxa de mortalidade é alta, chegando a 47% [9].

    A cirurgia minimamente invasiva e a cirurgia sem uso de circulação extracorpórea são fatores importantes na diminuição dos casos de mediastinite, pois diminuem o trauma cirúrgico e propiciam uma recuperação mais rápida do paciente [10,11]. O uso de antibióticos mais eficientes também tem sido descrito como fator importante para o controle da mediastinite. Contudo, se sabe que há pouca penetração de antibióticos via sistêmica no tecido ósseo [12,13].

    Várias medidas preventivas no período hospitalar e no período ambulatorial também têm demonstrado eficiência no controle das infecções incisionais: três banhos com clorexidina degermante nas 24 horas que precedem à cirurgia, acesso pela boca da sonda gástrica e do termômetro, substituição do PVPI por clorexidina na anti-sepsia da pele, controle glicêmico rigoroso, uso de pomadas com antibiótico nas incisões, antibioticoterapia precoce em casos de hiperemia e secreção e retorno precoce se sinais de infecção após a alta hospitalar [14].

    No início desse estudo, tivemos dificuldades para padronizar a quantidade de vancomicina necessária para cobrir os dois bordos do osso esterno e para determinar o momento adequado de preparar a pasta.

    Além disso, tivemos dificuldades para determinar a quantidade de soro fisiológico para dar uma consistência de pasta. Na revisão da literatura, encontramos um artigo que faz a diluição de 500mg de vancomicina com 10ml de solução salina [15]. No nosso serviço. usamos somente 1ml de soro fisiológico para obtermos uma consistência pastosa, tendo assim efeito bacteriostático e hemostático na parte medular do osso esterno, sem que ocorra perda do antibiótico pelos drenos do mediastino.

    Em análise multivariada dos fatores de risco para mediastinite feita pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, verificou-se que os fatores de risco mais importantes relacionados ao paciente são obesidade e tabagismo, e os fatores de risco mais importantes relacionados ao pós-operatório são tempo de permanência em UTI e infecção em outro sítio [16].

    Novas alternativas estão sendo buscadas para diminuir a incidência de mediastinite, dentre elas a cirurgia minimamente invasiva é uma opção, pois diminuem o período de internação em UTI no pós-operatório. O uso de antibiótico tópico, como a gentamicina com colágeno sob o esterno, que tem sido preconizado pelo grupo da Universidade de Helsinque, na Finlândia, e proporcionou diminuição dos casos de mediastinite [17].

    Um dado de grande interesse é saber se a vancomicina na dose de 1mg tópica está atingindo níveis sistêmicos para inibir o crescimento do Stafilococcus aureus, sabemos que se os níveis não tiverem sendo atingidos haverá risco de resistência bacteriana. Artigo publicado no Journal of Cardio-Thoracic Surgery, em janeiro de 2003, mostra que o uso de 500mg de vancomicina diluída em 10ml de soro fisiológico aplicada no momento da esternorrafia não foi capaz de atingir níveis para impedir o crescimento bacteriano, e estaria potencializando o aparecimento de Stafilococcus aureus resistentes [15].

    Artigos publicados comprovam a eficácia da vancomicina como fator profilático de infecção óssea, principalmente quando aplicada por via tópica [18-20]. Trabalhos mostraram que o emprego de vancomicina associado ao cimento ortopédico usado em próteses de quadril reduziu o número de infecções e também foi importante no tratamento de reoperações infectadas [21]. Procuramos, com esse novo método de hemostasia, diminuir a incidência de infecção do esterno, visto que a utilização da cera de osso, principalmente quando empregada de forma abusiva, é mais um fator que se soma para o aparecimento de infecção [22].

    A cera de osso tem um poder hemostático que pode levar à diminuição importante da vascularização do osso esterno. Além disso, é de difícil absorção pelo organismo, o que prolonga a isquemia do osso por vários dias. Esses fatores contribuem de forma negativa para a consolidação do osso.

    Com base no baixo índice de infecção apresentado pelos nossos pacientes, acreditamos que, com o uso da pasta de vancomicina, estamos evitando mais um fator de risco e com isso diminuindo o índice de mediastinite no pós-operatório de cirurgia cardíaca.


    CONCLUSÕES

    Em nosso Serviço, estamos fazendo o uso da vancomicina desde 2002 em substituição à cera de osso. Nosso índice de infecção do mediastino é em torno de 0,49%. Comparando este índice aos da literatura, chegamos à conclusão que as populações estudadas são semelhantes, assim como os fatores pré e intra-operatórios para mediastinite e que o único fator diferenciado é o uso da pasta de vancomicina. Isso nos leva acreditar que a vancomicina usada na forma de pasta, na dose de 1g, é eficiente na profilaxia da infecção do osso esterno e, conseqüentemente, do mediastino.

    Estamos iniciando um novo estudo randomizado com grupo controle, com o objetivo de estudarmos nossa população local, onde possamos analisar estes dados mais claramente e evidenciar a eficácia da vancomicina em pasta para hemostasia do osso esterno e profilaxia da mediastinite, com o objetivo primordial de possibilitar aos cirurgiões cardiovasculares uma nova esperança na diminuição dos índices de morbidade e mortalidade de causa específica como a mediastinite.

    Temos a certeza de que somente com persistência na busca do conhecimento científico será encontrada resposta para a solução desta problemática vivenciada por todos os cirurgiões cardiovasculares.


    REFERÊNCIAS

    1. Fonkalsrud EW. Chest wall abnormalities. In: Glenn WWL, ed. Glenn's thoracic end cardiovascular surgery. 6th ed. vol. 1. Stanford:Appleton & Lange;1996. p.581-92.

    2. Rupp ME. Mediastinitis. In: Mandell R, ed. Mandell principles and infectious diseases. 5th ed. Churchill:Churchill Livingstone;2000. p.941-9.

    3. Kirklin /Barratt - Boyes. Cardiac surgery. 3ª ed. Philadelphia:Churchill Livingstone;2003. p.230.

    4. Souza VC, Freire ANM, Tavares Neto J. Mediastinite pós-esternotomia longitudinal para cirurgia cardíaca: 10 anos de análise. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002;17(3):266-70.

    5. Jakicic JM, Wing RR, Butler BA, Robertson RJ. Prescribing exerercise in multiple short bouts versus one continuous bout: effects on adherence, cardiorespiratory fitness, and weight loss in overweight women. Int J Obes Relat Metab Disord. 1995;19(12):893-901. [MedLine]

    6. Guaragna JC, Facchi LM, Baião CG, Cruz IBM, Bodanese LC, Albuquerque L, et al. Preditores de mediastinite em cirurgia cardíaca. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(2):165-70.

    7. Merrill WH, Akhter SA, Wolf RK, Schneeberger EW, Flege JB Jr. Simplified treatment of postoperative mediastinitis. Ann Thorac Surg. 2004;78(2):608-12.

    8. Schimin LC, Batista RL, Mendonça FCC. Mediastinite no Hospital de Base do Distrito Federal: incidência em seis anos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002;17(2):36-9.

    9. El Oakley RM, Wright JE. Postoperative mediastinitis: classification and management. Ann Thorac Surg. 1996;61(3):1030-6. [MedLine]

    10. Barbero-Marcial M, Tanamati C, Jatene MB, Atik E, Jatene AD. Transxiphoid approach without median sternotomy for the repair of atrial septal defects. Ann Thorac Surg. 1998;65(3):771-4. [MedLine]

    11. Calafiore AM, Giamarco GD, Teodori G, Bosco G, D'Annunzio E, Barsotti A, et al. Left anterior descending coronary artery grafting via left anterior small thoracotomy without cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg. 1996;61(6):1658-63.

    12. Rosin H, Rosin AM, Krämer J. Determination of antibiotic levels in human bone. I. Gentamicin levels in bone. Infection. 1974;2(1):3-6. [MedLine]

    13. Smilack JD, Flittie WH, Williams TW Jr. Bone concentrations of antimicrobial agents after parenteral administration. Antimicrob Agents Chemother. 1976;9(1):169-71. [MedLine]

    14. Antoniali F, Costa CE, Tarelho LS, Lopes MM, Albuquerque APN, Reinert GAA, et al. O impacto de mudanças nas medidas de prevenção e no tratamento de infecções incisionais em cirurgia de revascularização do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2005;20(4):382-91.

    15. Desmond J, Lovering A, Harle C, Djorevic T, Millner R. Topical vancomycin applied on closure of the sternotomy wound does not prevent high levels of systemic vancomycin. Eur J Cardiothorac Surg. 2003;23(5):765-70. [MedLine]

    16. Abboud CS, Wey SB, Baltar VT. Risk factors for mediastinitis after cardiac surgery. Ann Thorac Surg. 2004;77(2):676-83. [MedLine]

    17. Eklund AM, Valtonen M, Werkkala KA. Prophylaxis of sternal wound infections with gentamicin-collagen implant: randomized controlled study in cardiac surgery. J Hosp Infect. 2005;59(2):108-12. [MedLine]

    18. Vander Salm TJ, Okike ON, Pasque MK, Pezzella AT, Lew R, Traina V, et al. Reduction of sternal infection by application of topical vancomycin. J Thorac Cardiovasc Surg. 1989;98(4):618-22. [MedLine]

    19. Chohfi M. O cimento ortopédico associado a vancomicina. Estudo de seu comportamento mecânico e da difusão do antibiótico em meio líquido. Rev Bras Ortop. 1994;29:363-70.

    20. Massias L, Dubois C, Lentdecker P, Brodaty O, Fischler M, Farinotti R. Penetration of vancomycin in uninfected sternal bone. Antimicrob Agents Chemother. 1992;36(11):2539-41. [MedLine]

    21. Buchholz HW, Elson RA, Heinert K. Antibiotic-loaded acrylic cement: current concepts. Clin Orthop Relat Res. 1984;(190):96-108. [MedLine]

    22. Harjula A, Järvinen A. Postoperative median sternotomy dehiscence. Scand J Thorac Cardiovasc Surg. 1983;17(3):277-81. [MedLine]

    Article receive on sexta-feira, 31 de agosto de 2007

    CCBY All scientific articles published at rbccv.org.br are licensed under a Creative Commons license

    Indexes

    All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY