DADOS CLÍNICOS
Lactente com 5 meses, 3,1kg, sexo masculino, branco. Nascido de parto cesárea com Capurro somático aproximado de 29 semanas, evoluiu com doença pulmonar tipo membrana hialina, necessitando tratamento com surfactante exógeno e intubação prolongada. Na ocasião, foi diagnosticada persistência do canal arterial (PCA) com repercussão hemodinâmica, a qual foi tratada com indometacina no hospital de origem. Evoluiu com enterocolite necrotizante e insuficiência cardíaca congestiva incontrolável com medicações.
Foi transferido para nosso Serviço para ligadura cirúrgica do PCA, o qual apresentava diâmetro semelhante ao ístmico aórtico. No 32º dia de pós-operatório, em ecocardiograma de rotina, observou-se massa aderida ao coração. Naquele momento, apresentava-se em bom estado geral, corado, hidratado, eupneico e acianótico. Exame físico, ausculta cardíaca e pulmonar eram normais.
ELETROCARDIOGRAMA
Ritmo sinusal, freqüência 150 bat/mim, SÂP 0º, SÂQRS + 30º, PR 0,12, QTc 0,36. Predomínio de atividade elétrica esquerda, sem sinais de sobrecarga.
RADIOGRAMA
Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca aumentada com ICT 0,62. Hipotransparência difusa em campos pulmonares, mais notadamente à esquerda em região peri-hilar, sugerindo processo interstício-alveolar (grau de displasia broncopulmonar). Imagem de clipe metálico em projeção das artérias pulmonares. No perfil, era possível identificar imagem de hipotransparência com contornos irregulares em plano postero-inferior da silhueta cardíaca, sugestivo de massa próxima ao ventrículo (Figura 1).
Fig. 1 - Radiografia de tórax com presença de massa em região póstero-inferior
ECOCARDIOGRAMA
Situs solitus em levocardia. Conexões venoatrial, atrioventricular e ventriculoarterial concordantes. Presença de grande massa ovalada medindo cerca de 3cm
2, localizada em região posterior do coração, junto ao sulco atrioventricular posterior. Derrame pericárdico moderado.
DIAGNÓSTICO
O tumor fibroso solitário é uma neoplasia mesenquimal comumente benigna, com origem em células submesoteliais. Raramente tem comportamento maligno, principalmente quando é possível a exérese completa da lesão. Acomete mais freqüentemente a pleura, mas existem relatos de aparecimento da lesão em diversos órgãos e estruturas, como bexiga e globo ocular. A presença no coração é muito rara, sendo que observamos na literatura apenas seis relatos e todos em adultos.
No processo diagnóstico, o ecocardiograma demonstrou a presença da massa, uma ressonância nuclear magnética foi realizada com intuito de fornecer mais detalhes e demonstrou tratar-se de massa sólida, hipercaptante e em íntimo contato com a parede posterior de transição atrioventricular. Obviamente, o diagnóstico final é histológico, no qual se observa neoplasia fusocelular, de aspecto "sem padrão", sendo confirmada pela positividade imunohistoquímica para CD34.
No diagnóstico diferencial devem ser lembrados: rabdomioma (geralmente associado à esclerose tuberosa), fibroma (muitas vezes com calcificação), teratomas (que habitualmente são mais heterogêneos), rabdomiosarcoma, fibrosarcoma e neuroblastomas.
OPERAÇÃO
Toracotomia transesternal mediana, instalação do circuito de circulação extracorpórea convencional. Hipotermia a 32ºC, sem parada cardíaca. O tempo de perfusão foi de 34 minutos. Encontrada massa endurecida, extremamente vascularizada e pedunculada ao átrio esquerdo (Figuras 2 e 3). Feita ressecção da massa com bisturi elétrico, evitando-se lesão do átrio esquerdo e das artérias coronárias. A massa era dura e não estava aderida ao pericárdio. O material foi enviado ao laboratório de patologia para exame microscópico, o qual revelou o diagnóstico de tumor fibroso solitário.
Fig. 2 - Aspecto da massa pediculada ao sulco atrioventricular posterior e não aderida ao pericárdio
Fig. 3 - Análise macroscópica da massa endurecida e homogenia após ressecção da região pediculada
O paciente recebeu alta hospitalar no 11º dia de internação com ecocardiograma demonstrando discreta dilatação das artérias coronárias e algumas fístulas coronário-cavitárias, com função cardíaca normal e sem medicações.
Após seis meses, a criança foi internada na cidade de origem com quadro de bronqueolite, que evoluiu com pneumonia e sepse, indo a óbito após quatro dias. Não houve necropsia.
Não existem relatos, do nosso conhecimento, de tumor fibroso solitário em crianças, contudo, o diagnóstico foi confirmado pela positividade imunohistoquímica para CD34 (Figuras 4 e 5) e pelo aspecto característico patternless da lesão quando vista na hematoxilina eosina (HE). As características histológicas também sugeriram tratar-se de lesão benigna, embora o crescimento do tumor tenha sido muito rápido [1-3].
Fig. 4 - Tumor fibroso solitário - aspecto fasciculado sem padrão das fibras fusocelulares tumorais. Hematoxilina eosina (HE), 100X
Fig. 5 - Marcação imunohistoquímica para CD34, mostrando positividade em células endoteliais e algumas células tumorais (200X)
REFERÊNCIAS
1. Flemming P, Maschek H, Werner M, Kreft A, Graeter T, Georgii A. Solitary fibrous tumor of the epicardium. Pathologe. 1996;17(2):139-44. [
MedLine]
2. Segawa D, Yoshizu H, Haga Y, Hatori N, Tanaka S, Aida S. Successful operation for solitary fibrous tumor of the epicardium. J Thorac Cardiovasc Surg. 1995;109(6):1246-8. [
MedLine]
3. Bortolotti U, Calabro F, Loy M, Fasoli G,Altavilla G, Marchese D. Giant intrapericardial solitary fibrous tumor. Ann Thorac Surg. 1992;54(6):1219-20. [
MedLine]