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RELATO DE CASO

Complicações da aorta pós-cirurgia bariátrica

Diego Felipe GaiaI; José Honório PalmaII; João Nelson Rodrigues BrancoIII; Enio BuffoloIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000300021

INTRODUÇÃO

As comorbidades desenvolvidas pela obesidade têm sido foco de pesquisa que buscam atenuá-las. A obesidade é considerada atualmente um problema de saúde pública não apenas em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Crescente parcela da população vem sendo afetada, incluindo não apenas os adultos, mas também as crianças [1]. Está classicamente correlacionada com problemas cardiovasculares como a doença coronariana e ao incremento de fatores de risco, como a dislipidemia e a hipertensão, entre outros.

Buscando estes objetivos, diversas terapêuticas têm sido propostas, como: dietas, medicamentos, programas de reeducação alimentar, exercícios físicos e os procedimentos bariátricos. Cada uma destas propostas possui diferentes modos de ação, resultados e complicações, muitas vezes graves e fatais [2-4].

Relatos descreveram alterações cardiovasculares, principalmente regurgitação valvar e hipertensão pulmonar, em pacientes submetidos a tratamento com anorexígenos, como a fenfluramina e dexfenfluramina, drogas até então aprovadas pela Food and Drugs Administration (FDA). Estas descrições levaram à suspensão do uso da fenfluramina. [5,6].

Nas perdas ponderais após as cirurgias bariátricas não existem relatos de complicações cardiovasculares, em especial as da aorta.

Em nosso serviço, obtivemos dois casos de complicações da aorta após rápida perda ponderal proporcionada pela cirurgia bariátrica.


RELATO DOS CASOS

Caso 1


Paciente do sexo masculino, 50 anos, hipertenso desde os 20 anos, infarto agudo do miocárdio e dois acidentes vasculares cerebrais isquêmicos prévios, sem seqüelas. Tratamento prévio com anorexígenos e dieta sem sucesso. Submetido a gastroplastia redutora à Capella. Peso pré-operatório de 126,5 kg. O procedimento foi indicado como tratamento para apnéia do sono. Não existiam alterações ecocardiográficas e radiológicas aórticas no pré-operatório. No sétimo mês de pós-operatório, pesando 91,5kg, apresentou aneurisma roto de aorta ascendente, sendo submetido a substituição cirúrgica da aorta ascendente. Vinte e dois meses após o procedimento bariátrico, pesando 73 kg, cursou com dissecção da aorta descendente, sendo submetido à colocação de endoprótese por via percutânea. Atualmente o paciente encontra-se assintomático, pesando 73 kg, pressão arterial de 130x80 mmHg, em uso de inibidor de enzima conversora de angiotensina, betabloqueador e diurético.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 55 anos, hipertenso e dislipidêmico. Tratamento prévio com anorexígenos e dieta sem sucesso. Peso pré-operatório de 128 kg. Procedimento indicado como tratamento da obesidade. Submetido a gastroplastia redutora à Capella. Não existiam alterações ecocardiográficas e radiológicas aórticas no pré-operatório. No décimo mês de pós-operatório, pesando 91 kg, apresentou dissecção de aorta ascendente, sendo submetido à troca de aorta ascendente (Figura 1). Atualmente, o paciente encontra-se assintomático, pesando 81 kg, pressão arterial de 120x70 mmHg, em uso de betabloqueador.


Fig. 1 - Tomografia computadorizada do tórax mostrando dissecção da aorta tipo A de Stanford em paciente no pós-operatório de cirurgia bariátrica.



DISCUSSÃO

Terapêuticas propostas anteriormente para o tratamento da obesidade apresentaram em alguns indivíduos complicações cardiovasculares como anormalidades valvulares cardíacas [5,6].

Não existem relatos da evolução a longo prazo dos pacientes que apresentaram alterações valvares com o uso de anorexígenos. Existem descrições de regressão da lesão valvar cardíaca após a suspensão do uso da fenfluramina, porém os pacientes também tiveram seu peso corpóreo anterior restaurado e, portanto, não se pode definir com precisão se a retirada da droga ou a retomada do peso foram responsáveis pela regressão das lesões [7].

Com o avanço das técnicas de realização de gastroplastias redutoras, procedimentos laparoscópicos e perda de peso evidente, o número de intervenções tem crescido nos últimos anos [8].

Apesar dos resultados animadores, diversas complicações são descritas, tanto em cirurgias restritivas como em malabsortivas [2].

A perda de peso induzida pelo procedimento não é causada apenas pela redução da absorção de gorduras e carboidratos, o que provavelmente é benéfico, mas também à custa da redução da absorção de diversos componentes dietéticos fundamentais, podendo gerar um efeito em cadeia com conseqüências de difícil previsão em longo prazo [9].

É razoável admitir que a redução do índice de massa corpórea proporcionado por tais procedimentos possa levar à diminuição da absorção de nutrientes essenciais à manutenção de uma homeostase adequada e, portanto, importantes mudanças bioquímicas na composição tecidual poderiam ocorrer [9,10].

Variedades de colágeno estão presentes na composição da parede arterial e sua possível alteração, devido a deficiências nutricionais encontradas no pós-operatório dos procedimentos bariátricos, poderia concorrer para aumento de fragilidade de paredes já expostas durante longo tempo a regimes pressóricos elevados e adicionar mais um fator de risco às dissecções e aneurismas da aorta.

Por outro lado, estes indivíduos fazem parte da população geral e, portanto, também estão expostos ao risco de apresentarem doenças cardiovasculares, entre elas a dissecção e o aneurisma da aorta.

Nos casos relatados, a perda de peso ao momento do evento cardiovascular foi semelhante (27% no caso 1 e de 29% no caso 2). O tempo entre o procedimento e o evento também foram similares (7 meses no caso 1 e 10 meses no caso 2).

Ambos os pacientes também apresentaram melhora do controle pressórico e apresentavam-se normotensos no momento dos eventos, o que possivelmente diminui a possibilidade deste fator de risco agir como desencadeante unicamente culpado.


CONCLUSÃO

O crescimento do número de procedimentos bariátricos tem contribuído para um significativo percentual de pacientes com redução acentuada de sua massa corpórea, não sendo conhecidas suas conseqüências em longo prazo. Estes dois relatos são exemplos de que pacientes submetidos a uma importante redução ponderal apresentaram complicações da aorta que podem estar relacionadas a tal alteração corporal. Indivíduos submetidos aos procedimentos bariátricos devem manter um rigoroso acompanhamento do sistema cardiovascular, por possivelmente estarem expostos a fatores de risco adicionais.

Estudos sobre as alterações nutricionais e mudanças na composição da parede arterial devem ser realizados de modo a esclarecer sua eventual relação com a perda ponderal associada à cirurgia bariátrica. O déficit nutricional conseqüente poderia ser capaz de promover alterações estruturais na parede da aorta, tornando-a mais frágil e predisposta à dissecção e à dilatação aneurismática.


REFERÊNCIAS

1. Caterson ID, Gill TP. Obesity: epidemiology and possible prevention. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2002;16(4):595-610. [MedLine]

2. Msika S. Surgery for morbid obesity: 2. Complications. Results of a technologic evaluation by the ANAES. J Chir (Paris). 2003;140(1):4-21. [MedLine]

3. Carvalho PS, Moreira CLCB, Barelli MC, Oliveira FH, Guzzo MF, Miguel GPS, Zandonade E. Cirurgia bariátrica cura a síndrome metabólica ?. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007;51(1):79-85.

4. Cunha LCBP, Cunha CLP, Souza AM, Chiminacio Neto N, Pereira RS, Suplicy HL. Estudo ecocardiográfico evolutivo das alterações anátomo-funcionais do coração em obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Arq Bras Cardiol. 2006;87(5):615-22. [MedLine]

5. Cannistra LB, Davis SM, Bauman AG. Valvular heart disease associated with dexfenfluramine. N Engl J Med. 1997;337(9):636. [MedLine]

6. Abenhaim L, Moride Y, Brenot F, Rich S, Benichou J, Kurz X, et al. Appetite-suppressant drugs and the risk of primary pulmonary hypertension. International Primary Pulmonary Hypertension Study Group. N Engl J Med. 1996;335(9):609-16. [MedLine]

7. Cannistra LB, Cannistra AJ. Regression of multivalvular regurgitation after the cessation of fenfluramine and phentermine treatment. N Engl J Med. 1998;339(11):771. [MedLine]

8. Deitel M, Shikora SA. The development of the surgical treatment of morbid obesity. J Am Coll Nutr. 2002;21(5):365-71. [MedLine]

9. Shai I, Henkin Y, Weitzman S, Levi I. Long-term dietary changes after vertical banded gastroplasty: is the trade-off favorable? Obes Surg. 2002;12(6):805-11. [MedLine]

10. Skroubis G, Sakellaropoulos G, Pouggouras K, Mead N, Nikiforidis G, Kalfarentzos F. Comparison of nutritional deficiencies after Roux-en-Y gastric bypass and after biliopancreatic diversion with Roux-en-Y gastric bypass. Obes Surg. 2002;12(4):551-8. [MedLine]

Article receive on quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

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