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EDITORIAL

Estudo SYNTAX: análise e implicações clínicas

Walter J GomesI; Domingo M BraileII

DOI: 10.1590/S0102-76382008000400002

O estudo SYNTAX, apresentado nos Congressos da Sociedade Européia de Cardiologia, em Munique, na Alemanha e no da Associação Européia de Cirurgia Cardiotorácica, em Lisboa, em setembro de 2008, é o primeiro estudo que comparou os resultados clínicos da melhor tecnologia da intervenção coronária percutânea (ICP) com uso de stents farmacológicos, no caso o stent eluído com paclitaxel (Taxus, Boston Scientific Corp.), com a melhor prática disponível atualmente na cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), em pacientes com doença coronária triarterial e/ou lesão de tronco de artéria coronária esquerda.

O estudo, desenvolvido em 62 centros europeus e 23 americanos e financiado pela Boston Scientific Corp., fabricante do stent Taxus, a um custo aproximado de 50 milhões de dólares, pretendeu demonstrar a hipótese de que a ICP-Taxus não seria inferior à CRM em pacientes com doença de 3-vasos e/ou lesão de tronco de artéria coronária esquerda.

O objetivo primário do estudo foi analisar o desfecho clínico composto constituído de morte por todas as causas, acidente vascular cerebral (AVC), infarto do miocárdio e necessidade de revascularização repetida por ICP e/ou CRM (definido como MACCE - Major Cardiovascular or Cerebrovascular Event) aos 12 meses de seguimento.

Dois tipos de estudo foram formados, o primeiro que foi randomizado e o outro foi o registro. O estudo randomizado incluiu pacientes que eram elegíveis para os dois tipos de tratamento (por consenso entre o cirurgião cardíaco e o hemodinamicista). Por outro lado, o registro incluiu pacientes que foram considerados elegíveis para somente um dos procedimentos.

Foram recrutados 3.075 pacientes, com 1.800 apresentando os critérios para inclusão e randomização para o estudo, 897 no grupo CRM e 903 no ICP/Taxus. Os outros 1.275 pacientes formaram o registro SYNTAX, onde o critério era de que somente um método de tratamento era possível. Assim, 1.077 pacientes foram alocados para o grupo cirúrgico e 198 para o grupo ICP.

No resultado final, o estudo SYNTAX confirmou que a cirurgia de revascularização do miocárdio é superior à ICP com stents farmacológicos nesse grupo de pacientes de mais alto risco. Em 12 meses, 17,8% dos pacientes no grupo ICP/Taxus apresentaram o desfecho composto, contra 12,1% nos pacientes cirúrgicos, diferença que foi estatisticamente significativa (P=0,0015).

Entretanto, a análise o estudo SYNTAX torna-se importante não somente pelo resultado, mas também pelas implicações dos achados.

Inicialmente, por ser um estudo do tipo "all comers", que, ao invés de ser um clássico estudo randomizado controlado, com muitos critérios de exclusão de pacientes, este possibilitou a inclusão de um grupo de pacientes com características mais próximas à população do mundo real, refletindo a prática clínica atual.

Tipo de estudo

Este é um ensaio de não-inferioridade, que usando margens predefinidas de não-inferioridade, busca determinar se um novo tratamento não é inferior a um tratamento de referência. Assim, admite-se que até o novo método seja "discretamente" inferior ao tratamento padrão. As hipóteses nulas de igualdade não se aplicam a este tipo de teste.

Nuances em aspectos estatísticos de ensaios de não-inferioridade têm sido fonte de críticas. Quando este tipo de método estatístico é combinado com o uso de vários desfechos compostos e diferentes classificações de eventos adversos, ensaios de não inferioridade estão sendo vistos com cautela [1,2].

Mortalidade

A mortalidade em 12 meses foi de 4,3% no grupo ICP e de 3,5% no grupo cirúrgico. O estudo não foi desenhado e não teve poder estatístico para analisar diferenças de desfechos isolados. Entretanto, a cirurgia mostrou forte tendência de melhora de sobrevida em um ano, com 23% de benefício relativo de mortalidade sobre a ICP. Este dado é consistente com outros estudos de stents farmacológicos versus CRM, como a análise do registro do Estado de Nova Iorque, que mostrou uma significativa vantagem de mortalidade da CRM versus stents farmacológicos em 18 meses, com um benefício relativo de mortalidade de 21% em pacientes com lesão de três vasos e 35% de beneficio relativo de mortalidade em pacientes com lesão de dois vasos [3].

A nova avaliação dos resultados que ocorrerá em cinco anos será importante. Dados do estudo SCAAR (Swedish Coronary Angiography and Angioplasty Registry) mostram que mortalidade e infarto do miocárdio aumentam entre seis meses e 3 anos em pacientes submetidos a ICP com stent Taxus, quando comparada aos stents convencionais [4].

Trombose de stent e oclusão de enxerto sintomáticas

A taxa de trombose de stent Taxus em 12 meses foi de 3,3%, surpreendentemente mais elevada do que a encontrada nos estudos randomizados controlados, onde a taxa em um ano de trombose dos stents eluídos com paclitaxel foi de 0,7% (pelo protocolo do estudo) ou 0,8% (definitivo ou provável pela definição do ARC - Academic Research Consortium) [5,6]. O uso do stent Taxus em lesões longas e o número de stents implantados contribuem para o aumento de trombose e de complicações em longo-prazo (comprimento total de stents implantado = média de 86,1 ± 47,9 mm; 33,2% dos pacientes tiveram comprimento total de stents implantado superior a 100 mm).

Por outro lado, o índice de oclusão de enxerto sintomático no estudo SYNTAX ficou em 3,4% em 12 meses. Este número é menor do que o classicamente reportado de 10% de oclusão de enxerto venoso em um ano [7]. Melhor técnica cirúrgica, aliada ao uso intensivo de estatinas e antiplaquetários, pode ser responsável pelo avanço nesses resultados.

O prognóstico dessas complicações também é diferente. Na trombose de stent farmacológico, a mortalidade varia de 30% a 45% e a ocorrência de infarto do miocárdio fica acima de 80% [5,8].

Custo-efetividade

São aguardados os resultados de custo-efetividade do SYNTAX. Para alcançar o objetivo de revascularização completa, no grupo ICP houve necessidade de inserção de 4,6 stents Taxus por paciente. Com o valor unitário do stent Taxus em nosso meio em torno de R$ 10.000,00, o custo, somente dos dispositivos, alcança R$ 46.000,00. Há de se considerar ainda o custo adicional da maior necessidade de novos procedimentos e do uso continuado do clopidogrel.

Acidente vascular cerebral

A taxa de acidente vascular cerebral em 12 meses foi de 2,2% na CRM e 0,6% no grupo ICP. Pela primeira vez um estudo relevante comparando cirurgia versus angioplastia mostra haver essa diferença, que não foi aparente nos trabalhos anteriores. A explicação mais óbvia encontra-se no desenho do estudo SYNTAX, que incluiu uma população de pacientes mais graves do que os selecionados para os ensaios randomizados controlados, que geralmente excluíam pacientes com maior comorbidades.

A incidência de AVC após CRM está principalmente relacionada à idade do paciente e à presença de placas ateroscleróticas na aorta ascendente e transversa. Ateroembolismo peri-operatório a partir da aorta é responsável por pelo menos um terço dos casos de AVC após CRM e decorre da manipulação da aorta ascendente ou arco durante canulação, pinçamento da aorta, construção das anastomoses proximais ou do fluxo da cânula arterial. Métodos recentes de detecção mais rigorosa de aterosclerose avançada da aorta ascendente, assim como estratégias cirúrgicas, como a técnica no-touch ou a cirurgia sem CEC, podem atualmente reduzir a mobilização de ateroma aórtico e evitar a ocorrência desse evento [9]. Este achado reforça que a cirurgia neste grupo de pacientes mais graves pode adicionalmente evoluir e melhorar os resultados.

Necessidade de nova revascularização

Tem sido demonstrado que os stents farmacológicos são capazes de diminuir a restenose e a necessidade de revascularização adicional, baseado em dados dos estudos randomizados controlados que os compararam ao stent convencional. Porém, quando extrapolado para grandes registros nacionais, com grupos de pacientes do mundo real, a diferença se estreita. No estudo SCAAR, com uma população mais semelhante a este estudo, a redução absoluta nas taxas de restenose entre stent farmacológico e convencional foi de 3% e de reintervenção de 1%, menores do que nos estudos randomizados controlados [4].

Alívio anginoso

Enquanto a CRM é efetiva em reduzir angina, não há dados sobre a eficácia dos stent farmacológicos, em comparação ao stent convencional, no alívio da angina. Vão ser aguardados os dados comparativos de um e cinco anos de seguimento.

Subgrupos

Na análise do subgrupo de pacientes com lesão de tronco, o total de MACCE aos 12 meses foi inferior com a CRM (13,7% vs. 15,8%). Quando estratificado pelo quadro de diabetes, pacientes com diabetes tiveram menor MACCE aos 12 meses com CRM do que com ICP-Taxus (14,2% vs. 26,0%).

Detalhes de técnica operatória

O número médio de enxertos por paciente foi de 2,8 e a média de anastomose distal por paciente de 3,2. CRM sem CEC foi utilizada em 15% dos pacientes, refletindo uma realidade dos centros americanos e europeus participantes do estudo. Enxerto bilateral de ATI foi utilizado em 27,6% e revascularização arterial completa em 18,9%. Entretanto, chama a atenção que o enxerto arterial para a artéria descendente anterior foi utilizado em 95,6% dos pacientes, não alcançando 100%, que deve ser o objetivo a ser atingido. A revascularização completa foi atingida em 63% dos pacientes na CRM vs. 57% PCI.

Registro SYNTAX

Concomitantemente, foram apresentados os resultados do registro SYNTAX, 1.275 pacientes de uma coorte de 3.075 pacientes inicialmente selecionados (perfazendo 41,1% dos pacientes) e que foram considerados elegíveis para somente um tipo de procedimento. Assim, 1.077 pacientes foram alocados para o grupo cirúrgico e 198 para o grupo ICP.

Essa alocação foi baseada em características clínicas e anatômicas: pacientes que não eram candidatos a CRM (pacientes inoperáveis, n=198) e pacientes que não eram candidatos a ICP (tecnicamente não possível, n=1.077). As principais causas de inelegibilidade para CRM foram: comorbidades graves (70,7%), falta de enxertos (9,1%) e artérias coronárias com leito distal de má qualidade (1,5%). No grupo ICP, as principais causas foram anatomia coronária complexa (70,9%), oclusão total crônica de artéria coronária (22%) e impossibilidade de aderência ao uso de antiplaquetários (0,9%).

Nos resultados, as taxas de morte por todas as causas foram 2,5% CRM vs. 7,3% ICP; infarto do miocárdio 2,5% CRM vs. 4,2% ICP; AVC 2,2% CRM vs. 0% ICP; composto de morte, AVC e IM 6,6% CRM vs. 10,5 % ICP; nova revascularização 3,0% CRM vs. 12% ICP; MACCE total 8,8% CRM vs. 20,4% ICP.

A análise final do registro expressa a conclusão de que a CRM continua a única opção de tratamento para pelo menos 1/3 dos pacientes recrutados, com resultados considerados excelentes.

A cirurgia apresenta a vantagem adicional de prescindir da terapia antiplaquetária dupla indefinidamente e o risco associado de sangramento.

Escore SYNTAX

Neste estudo prospectivo, foi desenvolvido o escore SYNTAX, intencionado a estratificar pacientes para a seleção do melhor procedimento. O escore SYNTAX é baseado na anatomia coronariana quanto ao número de lesões e suas repercussões funcionais, localização e complexidade. Escores SYNTAX mais elevados são indicativos de uma condição mais complexa e potencialmente com pior prognóstico.

Assim, a aplicação do escore SYNTAX demonstrou que pacientes de médio e alto risco beneficiam-se da terapêutica cirúrgica. Os pacientes de mais baixo risco tiveram beneficio similar entre as duas terapias. É indicativo que os pacientes de mais baixo risco se enquadrem nas características dos pacientes dos estudos MASS-2 e COURAGE e necessitem de avaliação adicional para determinação de beneficio dos procedimentos.


REFERÊNCIAS


1. DeMaria AN. Lies, damned lies, and statistics. J Am Coll Cardiol. 2008;52(17):1430-1. [MedLine]

2. Kaul S, Diamond GA. Good enough: a primer on the analysis and interpretation of noninferiority trials. Ann Intern Med. 2006;145(1):62-9. [MedLine]

3. Hannan EL, Wu C, Walford G, Culliford AT, Gold JP, Smith CR, et al. Drug-eluting stents vs. coronary-artery bypass grafting in multivessel coronary disease. N Engl J Med. 2008;358(4):331-41. [MedLine]

4. Lagerqvist B, James SK, Stenestrand U, Lindback J, Nilsson T, Wallentin L. Long-term outcomes with drug-eluting stents versus bare-metal stents in Sweden. N Engl J Med. 2007;356(10):1009-19. [MedLine]

5. Mauri L, Hsieh WH, Massaro JM, Ho KK, D'Agostino R, Cutlip DE. Stent thrombosis in randomized clinical trials of drug-eluting stents. N Engl J Med. 2007;356(10):1020-9. [MedLine]

6. Wenaweser P, Daemen J, Zwahlen M, van Domburg R, Jüni P, Vaina S, et al. Incidence and correlates of drug-eluting stent thrombosis in routine clinical practice: 4-year results from a large 2-institutional cohort study. J Am Coll Cardiol. 2008;52(14):1134-40. [MedLine]

7. Singh SK, Desai ND, Petroff SD, Deb S, Cohen EA, Radhakrishnan S, et al. The impact of diabetic status on coronary artery bypass graft patency: insights from the radial artery patency study. Circulation. 2008;118(14 Suppl):S222-5. [MedLine]

8. Iakovou I, Schmidt T, Bonizzoni E, Ge L, Sangiorgi GM, Stankovic G, et al. Incidence, predictors, and outcome of thrombosis after successful implantation of drug-eluting stents. JAMA. 2005;293(17):2126-30. [MedLine]

9. Eagle KA, Guyton RA, Davidoff R, Edwards FH, Ewy GA, Gardner TJ, et al. ACC/AHA 2004 guideline update for coronary artery bypass graft surgery: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Update the 1999 Guidelines for Coronary Artery Bypass Graft Surgery). Circulation. 2004;110(14):e340-437. [MedLine]
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