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ARTIGO ORIGINAL

Preparado cardiopulmonar

Jarbas Jakson DinkhuysenI; Luiz Carlos Bento de SouzaI; Paulo ChaccurII; Flávio NegerI; Francisco Paes NetoI; Antoninho Sanfins ArnoniI; Cesar Augusto ConfortiII; José F BiscegliI; Mabel M. Barros ZamoranoI; Elisabete C. H LeoneI; Ricardo ManriqueI; Paulo P PaulistaI; Adib D JateneIII

DOI: 10.1590/S0102-76381986000100004

RESUMO

Trata-se de um método de preservação do conjunto coraçâo-pulmâo isolado em condições fisiológicas. Após abertura do tórax, é instituída a autoperfusâo ex-corpore que se obtém pela canulação do tronco braquicefálico e veia cava superior, conectando-se a um reservatório situado a 1 metro de altura, de tal maneira que, pela contração ventricular esquerda, o sangue é impulsionado ao reservatório, retorna ao coração direito e segue as vias normais, passando pelos pulmões, onde é oxigenado. A seguir, sem qualquer interrupção dos batimentos e da ventilação, o bloco é retirado do tórax e acondicionado no Recipiente para Conservação e Transporte do Conjunto Cardiopulmonar à temperatura normal. Foram empregados 28 cães, com peso entre 18 e 28 kg, tendo sido feito 8 preservações, para se testar o método, e 10 preservações, para transplante cardiopulmonar em 10 cães receptores. Foram monitorizados, continuamente, eletrocardiograma, pressão intraórtica, pressão ventricular esquerda, DP/DT, índice tempo-tensáo e trabalho cardíaco que mostraram valores estáveis e satisfatórios, tanto na fase de preservação, quanto após o transplante. Os gases sangüíneos guardaram relação com as diferentes misturas administradas à ventilação. A análise microscópica de fragmentos do músculo cardíaco e tecido pulmonar retirado ao final dos procedimentos não revelou alterações significativas decorrentes do método.

ABSTRACT

A simple method is presented which proved to be effective for maintaining the heart and lungs viable and functioning in good hemodynamic and metabolic conditions outside of the body, for a period of up to 7 hours. After this, the heart-lung preparation is transplanted to another animal which maintains good parameters also for 3 hours. The hemodynamic, biochemical and histological features of this preparation are presented. In conclusion, preservation of a heart-lung allograft in a dynamic state provides a means to transport donor organs over long distances, and appears to be suitable to serve as a graft for heart or heart-lung transplantation.
Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. DELMONT BITTENCOURT
São Paulo, SP

O trabalho "Preparado Cardiopulmonar" realça o interesse atual pelos transplantes de órgãos, especialmente agora, após a introdução de métodos mais eficientes de combate à rejeição.

O transplante do bloco coração-pulmão é uma grande empreitada cirúrgica e necessita de táticas especiais. Até o presente, os grupos cirúrgicos que têm realizado este tipo de transplante o fazem com o doador no mesmo centro cirúrgico onde está o receptor. Isto porque o transporte do pulmão em bloco traz problemas após uma hora, mesmo com hipotermia.

O "Preparado Cardiopulmonar" apresentado pelo Dr. Jarbas é elegante e, provavelmente, permitirá o transporte e o transplante até 4 ou 5 horas após a colheita. Os fundamentos desse preparado foram estudados pelo grupo de Pittsburgh, conforme a apresentação de Ladowski, em 1985.

No Instituto do Coração da FMUSP, está, igualmente, em andamento a experimentação no sentido de preservar o bloco coração-pulmão, em trabalhos realizados na Cirurgia Experimental, pelo grupo do Dr. Ronaldo Fontes. Este grupo está realizando uma etapa de pesquisas, tendo estudado um grupo de seis blocos coração-pulmão obtidos de cães e conservados por período de 2 a 8 horas. Nessas preparações, têm sido feitas biópsias do ventrículo direito e dos pulmões cada 2 horas. Além disso, são controladas a gasometria, os eletrólitos e a hemoglobina, a glicemia e diversos parâmetros hemodinâmicos (pressão de AD, pressão arterial média, pressões sistólica, diastólica e média do VE, pressão de capilar pulmonar, débito cardíaco por fluxômetro), mantendo o preparado em normotermia, a 37ºC. Nessa etapa de pesquisas, as biópsias deterioram o preparado, produzem hematomas, alteram a hemodinâmica, sobrevindo edema agudo pulmonar. Nos blocos transplantados para outros cães ainda são freqüentes as áreas de atelectasias.

Todos os esforços para aperfeiçoar esses preparados são importantes, pois é extremamente difícil conseguir o transporte de doador para outro hospital, por vezes distante, especialmente pela resistência apresentada pelos familiares do doador.

DR. DANTON R. ROCHA LOURES
Curitiba, PR

Em nome do grupo do Hospital Evangélico de Curitiba, atualmente envolvido nas pesquisas para os transplantes cardíaco e cardiopulmonar, quero parabenizar Dr. Jarbas J. Dinkhuysen e o grupo do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, pelo excelente trabalho apresentado.

A preservação do coração isolado para transplantes em locais distantes se tem valido da hipotermia e de soluções cristalóides geladas, permitindo o seu emprego até 3 horas após a explantação cardíaca.

Este método de preservação clássico para o coração apresentou resultados menos favoráveis para os pulmões. O leito capilar e o septo alvéolocapilar são mais susceptíveis às injúrias isquémicas que as estruturas de outros órgãos. Qualquer dano na rede capilar resulta em edema, rotura de membrana alvéolo-capilar e alteração funcional. Motivados por estes conhecimentos, foram testados outros métodos de preservação pulmonar. Atualmente, soluções como as de Collins e Sachs modificadas e a manutenção dos pulmões insuflados têm sido recomendadas por diversos Serviços.

Desde o primeiro transplante pulmonar isolado, realizado por Hardy, em 1963, os resultados foram desfavoráveis, revelando, neste período de 23 anos, uma sobrevivência quase sempre inferior a 1 ano.

A viabilidade pulmonar tem-se tornado maior após a utilização nos transplantes em bloco com o coração. O grupo de Stanford tem publicado sobrevida superior a 3 anos com esta técnica.

O trabalho experimental apresentado pelo Dr. Jarbas e colaboradores utiliza a preservação cardiopulmonar em bloco e em condições fisiológicas. A metodologia deste estudo tem sido aplicada também pelo grupo de Pittsburgh e sua viabilidade se fundamenta em 3 pontos:


a) Preservação fisiológica do coração e pulmões
b) Ausência aparente de insultos isquémicos após 2-5 horas
c) Transporte exclusivo do coração e pulmões Gostaria, no entretanto, de perguntar:


1) Qual a possibilidade de uma fibrilação ventricular durante o transporte e como poderia ser contornada?

2) A presença de ventilação artificial pode aumentar o risco de infecção?

3) Por que não empregar uma metodologia mais simplificada, como a defendida pelo grupo de Stanford, preservando o coração com hipotermia e solução cardioplegia, e os pulmões com a circulação de soluões tipo Collins e Sachs e mantendo os pulmões insuflados?

DR. DINKHUYSEN (Encerrando)

Agradeço os comentários feitos pelos Doutores Bittencourt e. Loures. Já há algum tempo, a convite do Professor Adib Jatene, tivemos a oportunidade de realizar, no INCOR, uma destas preparações e, nessa ocasião, sentimos grande interesse por parte dos cirurgiões e pesquisadores que lá trabalham. De acordo com o comentário feito pelo Dr. Bittencourt, o INCOR já está realizando este experimento em toda sua plenitude, inclusive obtendo biópsias retiradas do ventrículo direito e dos pulmões, o que, sem dúvida, acrescentará mais informações sobre sua viabilidade. A presença de áreas de atelectasias nos blocos transplantados para cães recipientes não constituiu dificuldade, nos nossos experimentos, pois desapareceram após alguns ciclos respiratórios com um volume corrente maior, semelhante a suspiros, e não foram causas de alterações nos índices de oxigenação e mecânica ventilatória. Dr. Loures comenta a dificuldade na preservação do tecido pulmonar, dada sua susceptibilidade à isquemia e às modificações que ocorrem a curto prazo, no leito capilar e septo alvéolo-capilar, notadamente frente aos métodos comumente empregados para a preservação do músculo cardíaco, com anóxia e hipotermia. É neste ponto que reside o fundamento do nosso trabalho, pois preconiza preservação em condições fisiológicas, tanto do coração, quanto dos pulmões, por períodos maiores. Recentemente, foi publicado, no Heart Transplantation, pelo Dr. Jamieson, da Universidade de Stanford, um extenso artigo sobre preservação pulmonar, e sua conclusão é que os pulmões não suportam períodos mais longos de anóxia, apesar do uso de soluções hipotérmicas, provocando importantes restrições logísticas nos programas de transplante cardiopulmonar, relativas à obtenção dos órgãos, obrigando a presença do doador e receptor lado a lado. Foi em Pittsburgh (USA) que tivemos a oportunidade de conhecer o preparado, por ocasião de um transplante cardiopulmonar realizado em humano, motivo pelo qual julgamos oportuno conhecer e nos familiarizar com esta técnica. Um dos aspectos que mais chamam a atenção no PCP é sua estabilidade após a instituição do circuito de autoperfusão, tanto durante a retirada do bloco coração e pulmão do tórax, quanto após acondicionado na caixa de acrílico. Para tanto, é evidente a necessidade de parâmetros metabólicos e hemodinâmicos sem desvios grosseiros. Dentro destas condições, em um período até ao redor de 5 a 6 horas, julgamos pouco provável a ocorrência de fibrilação ventricular. Contudo, se tal manifestação viesse a ocorrer, o conjunto não se prestaria para fins de transplante e qualquer maneira de prevenir esta complicação fica difícil de conceber, a não ser com conjecturas. A presença de agentes potencialmente causadores de infecção é normal na via aérea, pois está em íntimo contato com o ar ambiente. O fato de aplicarmos, ou não, ventilação artificial por períodos curtos não estabelece condições precípuas a infecção. O fundamento deste sistema de preservação situa-se diametralmente oposto ao preconizado pelo grupo de Stanford, que emprega hipotermia e anóxia. É nossa impressão que o método aqui descrito, apesar de mais complicado, parece menos agressivo aos tecidos, pois mantém íntegros o metabolismo e a fisiologia dos órgãos e, talvez por isto, sua durabilidade seja maior. Como comentário final, gostaria de ressaltar a versatilidade do PCP no ensino da fisiologia cardiopulmonar e na pesquisa nos mais variados campos da área médica. Obrigado.

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