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ARTIGO ORIGINAL

Dez anos de cirurgia da endomiocardiofibrose: o que aprendemos?

Carlos R MoraesI; Jorge V RodriguesI; Cláudio A GomesI; Lorella MarinucciII; Tereza Cristina CoelhoI; Cleusa Lopes SantosII; Edgar VictorI; Ivan CavalcantiI

DOI: 10.1590/S0102-76381987000100005

RESUMO

Nos últimos 10 anos (1977-1987), 53 pacientes com endomiocardiofibrose foram submetidos a decortição endocárdica e substituição das valvas atrioventriculares. Quarenta e dois eram do sexo feminino e 11, do masculino, variando a idade de 11 a 59 anos (média 31). Os pacientes foram divididos em três grupos: Grupo I, incluindo 25 doentes com lesão biventricular; Grupo II, composto de 23 pacientes com lesão isolada do ventrículo direito, e, por fim, Grupo III, formado de 5 enfermos com doença apenas no ventrículo esquerdo. Todos estavam na classe funcional III ou IV, de acordo com a classificação da New York Heart Association. A mortalidade, nos primeiros 30 dias após a cirurgia, foi de 20,7% (11 casos). Dos 42 sobreviventes, 21 (39,6%) tiveram um pós-operatório imediato bastante tormentoso. Houve 10(18,8%) óbitos tardios. Uma paciente foi reoperada dois anos depois, para substituição da valva mitral, que havia sido preservada na primeira intervenção. Dentre os 32 sobreviventes (tempo de evolução de 4,1 pacientes/ano), somente 22 (41,5%) estão na classe funcional I ou II. A curva atuarial mostrou que a probabilidade de sobrevida em 5 anos é de 75%. A despeito da elevada mortalidade imediata, ou tardia, e do fato de que menos da metade dos pacientes operados apresentam melhora clínica na evolução a longo prazo, o tratamento cirúrgico é a única esperança de recuperação para pacientes com endomiocardiofibrose. Aspectos técnicos importantes da operação são descritos.

ABSTRACT

In the last 10 years(1977-1987), 53 patients with endomyocardial fibrosis were submitted to endocardial decortication and atrioventricular valve replacement. There were 42 female and 11 male patients, ranging in age from 11 to 59 years (mean 31). The patients were divided into three groups: Group I included 25 patients with bilateral disease; Group II consisted of 23 patients with endomyocardial fibrosis of the right side; and Group III included 5 patients with the disease confined to the left ventricle. All were in Functional Class III or IV (New York Heart Association classification). The 30-day mortality was 20.7% (11 cases). The remainder 42 patients survived the early postoperative period which was quite stormy in 21 (39.6%). There were 10 (18.8%) late deaths. One patient was reoperated two years later to replace the mitral valve which had been preserved during the first intervention. Among the 32 survivors (mean follow-up 4.1 patients/year), 22 (41,5%) are in Functional Class I or II. The actuarial curve showed that the 5-year probability of survival is 75%. Despite the high early and late mortality, and the fact that only 41.5% of the operated patients had good clinical improvement in the late postoperative period, surgical treatment is, at present, the only hope for patients with endomyocardial fibrosis. Technical aspects of the operation are outlined.
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Discussão

DR. JOSÉ TELES DE MENDONÇA
Aracaju, SE

Gostaria de cumprimentar o Prof. Carlos Moraes pela pela excelência do trabalho apresentado, ressaltando a importância do que nos foi ensinado por ele, ao longo dos últimos dez anos. Iniciamos nossa experiência com o tratamento cirúrgico dessa patologia em março de 1982 e já tivemos a oportunidade de operar 15 pacientes. Nove tinham a forma biventricular, 4 do ventrículo direito e 2 do ventrículo esquerdo. A cirurgia realizada consistiu na endocardiectomia ventricular mais substituição das valvas atrioventriculares comprometidas. Houve um único óbito (6,6%) no pós-operatório imediato e dois no pós-operatório tardio. Quatro pacientes necessitaram de marcapasso permanente, sendo que 2 já tinham indicação antes da cirurgia (1 BAVT intermitente em 1 fibrilação atrial, com freqüência ventricular lenta. Dois desenvolveram BAVT durante o ato cirúrgico. Dos sobreviventes, 10 apresentaram uma boa evolução e 2 evoluem apenas satisfatoriamente. Utilizando o espírito imposto pelo autor, gostaria de comentar alguns pontos que julgamos importantes, no manuseio da endomiocardiofibrose. 1) A utilização sistemática do ecocardiograma bidimensional poderá favorecer o diagnóstico em um número maior de pacientes (áreas endêmicas), inclusive o diagnóstico na fase aguda (ultrassom colorido-Davies), bem como será de extrema valia no acompanhamento dos pacientes operados. 2) A cirurgia deve ser precoce, para evitar as lesões extracardíacas (hepáticas e pulmonares), mas, sobretudo, para evitar a progressão das lesões miocárdicas (atrofia e fibrose). 3) Deve-se evitar o acesso transventricular, preservando, assim, maior número possível de fibras musculares. 4) A cavidade decorticada permanece pequena no pós-operatório imediato e a válvula implantada deve, por esta razão, ser, obrigatoriamente, de baixo perfil. 5) A técnica preconizada por Metras contribuiu, decisivamente, para diminuir a incidência de bloqueios cirúrgicos. 6) A cirurgia é um método efetivo de tratamento; pode ser realizada com mortalidade relativamente baixa e muda favoravelmente a história natural dessa terrível doença.

DR. NILZO RIBEIRO
Salvador, BA

Inicialmente, os meus cumprimentos ao Dr. Carlos Moraes e colaboradores, pelo brilhante trabalho apresentado. Quanto à nossa experiência, ela tem mostrado que existe um plano de clivagem nítido entre a fibrose e o miocárdio sadio. Deste modo, uma dissecção delicada permite uma ressecção perfeita desta carapaça, pois a fibrose é como um tecido aposto ao miocárdio. Qual a opinião do Dr. Moraes?

DR. MORAES
(Encerrando)

Inicialmente, gostaria de agradecer as palavras elogiosas dos comentadores. Eu concordo com todas as colocações do Dr. Teles, exceto que a via transventricular deva ser evitada. Continuo pensando que o acesso transventricular é útil em pacientes com fibrose do VE e discreta insuficiência mitral. Também concordo, inteiramente, com o Dr. Nilzo em que existe um plano de clivagem bem nítido entre a fibrose e o miocárdio subjacente, possibilitando umadecorticação perfeita. Para finalizar, gostaria de reiterar a minha filosofia em relação à cirurgia da EMF: trata-se de uma doença grave, a cirurgia implica em risco considerável e a avaliação tardia dos doentes operados é imprescindível, para que se possa tirar conclusões mais definitivas sobre esse tipo de procedimento.

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