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ARTIGO ORIGINAL

Resultados da cardiomioplastia no tratamento da cardiomiopatia dilatada

Luiz Felipe P Moreira; Noedir A. G Stolf; Edimar A Bocchi; Pedro Seferian Jr; Paulo M Pêgo-Fernandes; Antônio Carlos Pereira-Barreto; Henry Abensur; José C Meneghetti; Adib D Jatene

DOI: 10.1590/S0102-76381991000200003

Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. MÁRIO O. VRANDECIC
Belo Horizonte, MG

Distinguida mesa, Dr. Moreira, caros colegas. É para mim uma satisfação a oportunidade de discutir este trabalho excelentemente apresentado pelo Dr. Moreira. É necessário salienar o pioneirismo do Dr. Braile e do grupo do InCor, que, após exaustivas experimentações animais, introduziram este procedimento cirúrgico no tratamento da cardiomiopatia dilatada. Nosso grupo também iniciou a experimentação animal; todavia, a necessidade de um período de três meses, entre a cirurgia e uso de fato, deste procedimento, é responsável pela falta de experiência clínica em nosso Centro. Realmente, existe, hoje, uma experiência clínica inicial a partir de Chachques e Carpentier, na França, Magovern nos Estados Unidos, Molteni na Argentina e Moreira e Braile no Brasil. É um procedimento cirúrgico que provou ser válido, demonstrando, em casos selecionados, o aumento da fração de ejeção de débito cardíaco em 30% aproximadamente. Da população apresentada, 67% pertenciam à classe funcional III e 33% à classe funcional IV. A etiologia predominante foi a cardiomiopatia dilatada (84%), e 16% à cardiomiopatia chagásica. O procedimento cirúrgico foi em um tempo, sendo necessários de três a seis meses até a obtenção do benefício desejado. Dos 36 pacientes, 16 foram tratados pela cardiomioplastia. Os resultados comparativos com o grupo de 20 pacientes tratados por meios clínicos demonstrou a sobrevida de um ano e dois anos correspondentes a 39,5% e 29% vivos no grupo clínico, de 74% e 64,8% no grupo cirúrgico. Este resultado comparativo, embora não seja significativo do ponto de vista estatístico, é bem representativo. Nos 11 pacientes vivos, houve melhora da função ventricular. Na nossa Instituição, 25 pacientes foram submetidos a transplante cardíaco ortotópico pertencentes à classe funcional IV, durante um período médio de 18 meses e seguimento máximo de 33 meses. A maioria era portadora de cardiomiopatia dilatada, isquémica e valvar. A sobrevida média dos pacientes em espera deste tratamento foi de três meses e a máxima de seis meses. Foram obtidos os seguintes resultados: a um ano a sobrevida foi de 84%, dois anos 74% e a 33 meses de 71%. Este cenário permite as seguintes perguntas: 1) Qual é a melhor indicação e grau funcional? 2) Qual é o estágio da doença de Chagas indicada para este tipo de tratamento cirúrgico? 3) Não seria prudente restringir este tratamento a doenças e pacientes em estados incipientes, reconhecendo o grau de morbidade e mortalidade? Não há dúvida de que este procedimento cirúrgico veio para ficar; todavia, prudência na sua indicação me parece desejada, até que a experiência clínica mundial e a tecnologia possam mostrar o contrário. Meus agradecimentos pelo privilégio desta discussão e meus parabéns ao Dr. Moreira e o grupo do InCor, pelo pioneirismo, qualidade e resultados demonstrados neste trabalho.

DR. ROBERTO V. ARDITO
São José do Rio Preto, SP

Gostaria de agradecer à Comissão Organizadora a distinção a mim conferida para comentar este importante trabalho do Dr. Felipe e colaboradores. A cardiomioplastia, sem dúvida, constitui um marco na história da cirurgia cardíaca e uma opção a mais para aqueles pacientes com cardiomiopatia dilatada. A título de colaboração e complementando os dados do Dr. Felipe e colaboradores, e como o grupo do Instituto de Moléstias Cardiovasculares de Rio Preto e o InCor em São Paulo foram escolhidos, no Brasil, para estudar esta metodologia, segundo protocolo prévio, vou mostrar alguns dados e conclusões que obtivemos ao operar oito pacientes, sendo seis chagásicos, dos mais quatro foram a óbito e dois não-chagásicos, que evoluem muito bem como os outros dois chagásicos. O real aumento na FE pelo eco, que ocorreu em todos os pacientes, indica a real ajuda que o músculo proporcionou; todos os outros dados seguem esta ordem de comportamento apresentando uma melhora no grau de insuficiência cardíaca em que estes doentes se encontravam. Outras constatações foram feitas pelo nosso grupo que vale a pena salientar mais uma vez: 1) o músculo esquelético transforma-se adequadamente, ficando resistente à fadiga, com preservação das estruturas a longo prazo; 2) a melhora da função ventricular proporcionada pelo músculo sobre o coração é de pequena monta, não conseguindo reverter o quadro dos pacientes com miocardiopatia em fase muito adiantada. 3) principalmente na doença de Chagas que mostrou-se inapropriada em alguns casos devido à presença de arritmias complexas, intensa fibrose que permeia os músculos hipertrofiados dificultando o desempenho do músculo; 4) a melhora da função ventricular proporcionada pelo músculo é dependente das condições prévias do diâmetro do coração e da doença de base; 5) a evolução dos pacientes parece depender da evolução da miocardiopatia existindo um período inicial de melhora mesmo sem estimulação, que se torna mais evidente com a mesma, não sendo contudo suficiente para mudar o curso da doença; 6) a doença de Chagas nos nossos pacientes continuou a evoluir seguindo seu curso sem que o músculo pudesse modificá-la; 7) o acoplamento da contração muscular durante o ciclo cardíaco parece ser importante para uma melhor performance "contração na abertura da valva aórtica"; 8) nós acreditamos que a seleção dos pacientes e o acompanhamento a longo prazo serão fatores determinantes na avaliação e na seleção dos mesmos para este novo método de tratamento da cardiomiopatia dilatada.

DR. MOREIRA
(Encerrando)

Inicialmente, gostaria de agradecer os comentários elogiosos dos Drs. Mário Vrandecic e Roberto Ardito. Respondendo às questões levantadas a respeito dos critérios de indicação da cardiomioplastia pelo Dr. Vrandecic, devemos salienar, sem dúvida, que o sucesso deste procedimento cirúrgico, apesar da baixa mortalidade e morbidade por nós observada no pós-operatório imediato, depende da existência de algum grau de reserva funcional do miocárdio no pré-operatório. A cardiomioplastia melhora a função ventricular esquerda apenas ao final de um período de adaptação funcional do enxerto muscular que dura cerca de três meses. Paralelamente, limitações relacionadas ao grau de dilatação ventricular e à insuficiência valvar mitral também têm sido constatadas. Portanto, concordamos em que a cardiomioplastia deva ser indicada principalmente em pacientes em classe funcional III, que ainda não apresentem grandes dilatações da cavidade ventricular, como exposto em nossas conclusões. No que concerne à indicação deste procedimento no tratamento da cardiomiopatia chagásica, os comentários apresentados pelo Dr. Ardito nos mostram que o processo de comprometimento da função miocárdica na doença de Chagas não parece se alterar com a cardiomioplastia. Este fato limita a indicação desta alternativa cirúrgica, principalmente na presença de sinais de miocardite ativa, sendo ainda importante lembrarmos as limitações impostas pela existência de arritmias complexas em alguns casos de cardiomiopatia chagásica, fato também lembrado pelo Dr. Ardito. Finalmente, poderíamos concluir que a cardiomioplastia é um procedimento que proporciona a melhora da função ventricular esquerda em pacientes portadores de cardiomiopatias dilatadas, podendo melhorar a qualidade de vida e a sobrevida desses pacientes com um baixo risco cirúrgico. Por outro lado, a cardiomioplastia não deve ser encarada como uma alternativa ao transplante cardíaco em casos terminais, mas sim como uma terapêutica que deva anteceder a indicação do transplante em fases mais precoses de comprometimento miocárdio.

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