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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da ectasia ânulo-aórtica com interposição de tubo sintético e conservação da valva aórtica

Marcelo B Jatene; Fábio B Jatene; José Otávio C Auler Júnior; Adib D Jatene

DOI: 10.1590/S0102-76381991000300006

Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. RENATO KALIL
Porto Alegre, RS

Os autores merecem nossa admiração pela apresentação de sua experiência inicial com este método engenhoso e criativo de tratamento da ectasia ânulo-aórtica. A técnica de realização é bastante elaborada, devendo ser mais familiar àqueles cirurgiões habituados ao implante de homoenxertos aórticos sem suporte. Na ectasia ânulo-aórtica, a severa degeneração mixomatosa afeta toda a parede aórtica, podendo estar presente, também, nas válvulas. Certamente, válvulas afetadas não devem ser preservadas, pois podem trazer evolução desfavorável a longo prazo. Mesmo quando não degeneradas, as válvulas podem estar distendidas de tal forma que sua reestruturação, para obter competência, torna-se muito difícil. O método de Bentall-DeBono trouxe a padronização desta correção, de forma relativamente simples, segura, rápida e reproduzível. Em nossa experiência, costuma ser realizada em 60 a 90 minutos de pinçamento aórtico, com mortalidade hospitalar baixa (3,7%) e sobrevida atuarial tardia favorável (61% aos 10 anos). Outros autores nacionais têm experiência semelhante. Na nova técnica proposta, as suturas da aorta proximal e do óstio coronariano esquerdo situam-se em posição de dificílimo acesso, após a abertura da pinça aórtica, podendo ser sede de sangramento importante. Este fato, por si só, levou ao abondono de outras técnicas menos radicais, após o advento de Bentall-DeBono. A duração do procedimento proposto é bem maior, exigindo o emprego de oxigenador de membranas e preservação miocárdica criteriosa, os autores empregaram fios de Polipropileno 4-0 e 5-0. Cremos que o uso de fios mais grossos facilitaria o processo de sutura, como nos implantes de homoenxertos aórticos livres. Para facilitar a hemostasia, poderia ser empregado o tubo de Dacron revestido com pericárdio bovino, na forma já industrializada no Brasil. Este assunto tem atraído alguns cirurgiões, havendo já trabalho semelhante, a ser apresentado no encontro da American Association for Thoracic Surgery deste ano. A boa evolução dos pacientes atesta a viabilidade técnica do método, restando avaliar os resultados tardios. Parece constituir método alternativo para ser empregado em situações de morfologia valvar favorável e parede aórtica não afetada severamente pelo processo degenerativo, para suportar as suturas nos botões dos óstios coronarianos. Extremo cuidado na hemostasia se faz necessário. Agradecemos à Comissão Organizadora o privilégio do convite para comentar este tema e cumprimentamos os autores, pela beleza do trabalho.

DR. JOSÉ CARLOS ANDRADE
São Paulo, SP

O trabalho apresentado pelo Dr. Marcelo Jatene, e que tivemos oportunidade de analisar previamente, procura seguir as normas clássicas para elaboração de um artigo científico. Tem capítulos de: 1) introdução, onde está posicionado o assunto e definido o objetivo do trabalho; 2) casuística e métodos, com apresentação detalhada dos dois casos; 3) discussão; 4) lista de referências bibliográficas, com 18 citações de autores nacionais e estrangeiros. Resultados e conclusões, embora referidos, respectivamente, ao final dos capítulos de casuística e de discussão, poderiam merecer, a nosso ver, maior destaque. Ainda quanto à forma, pequenas modificações, que passo às mãos do autor, devem ser feitas nas citações bibliográficas, para adequação às normas da RBCCV. Resumidamente, é um trabalho bem elaborado, bem redigido, rico em literatura, de experiência pessoal e com apresentação de técnica, que, embora não original, é inédita na literatura. Apresentação e discussão nos parecem muito oportunas, pela importância do tema, dada sua incidência, gravidade e dificuldade de resolução. Na Escola Paulista de Medicina, nos últimos quatro anos (janeiro/88 a janeiro/91), foram operados 102 pacientes com aneurismas aórticos, dos quais 63 com graus variáveis de ectasia ânulo-aórtica. Deste grupo, nove receberam tubo sintético e 54 tiveram a aorta ascendente reconstruída com pericárdio bovino. Em 27 casos, foi simplesmente reconstruída a aorta e feita fixação valvar; em 19, houve substituição valvar e, em nove, reimplante de coronárias, tendo-se utilizado hipotermia profunda por 14 vezes. Isto mostra a dificuldade no tratamento da doença e a ausência de uma técnica de consenso. A proposta pelos autores procura excluir, o mais radicalmente possível, o tecido patológico envolvido, preservando a estrutura valvar, tendência universal na cirurgia cardíaca hodierna. Estes são os dois pontos fortes do trabalho, valorizado pelos resultados e pela bonita apresentação. Na cirurgia do aneurisma de aorta, conforme já mostrado pelos números que apresentamos, temos um entusiasmo muito grande com a utilização do pericardio bovino, dada a sua maleabilidade, facilidade de manuseio e sutura, ausência de porosidade e grande adaptabilidade nas bordas de sutura, facilitando a hemostasia e dificultando a ocorrência de lacerações na parede arterial; achamos, mesmo, que, na nossa experiência, ele se tornou marco de duas épocas distintas: antes e depois do uso do pericárdio. Acreditando que a tendência conservacionista talvez seja o melhor caminho no tratamento desta lesão, cumprimentamos os autores peia valiosa contribuição e reiteramos os elogios ao Dr. Marcelo, pela apresentação.

DR. MARCELO JATENE
(Encerrrando)

Agradeço os comentários relevantes do Dr. José Carlos Andrade e do Dr. Renato Kalil, aproveitando para cumprimentá-los pela experiência de seus respectivos grupos. Tal assunto, como já comentado, vem despertando crescente interesse de diferentes grupos cirúrgicos, com o advento de novas técnicas cirúrgicas, ou emprego de materiais diversos, como tubos de pericárdio bovino isolado ou associado a malha de Dacron. Assim como o Dr. José Carlos, somos particularmente favoráveis e entusiastas do uso de pericárdio bovino em lesões de aorta; no entretanto, nesta técnica apresentada, em particular, julgamos ser necessária a utilização de um tubo mais rígido e estruturado, o que, a nosso ver, facilita a fixação da valva aórtica, de maneira a prevenir a insuficiência valvar; acreditamos que, utilizando-se o pericárdio bovino isolado, a fixação da valva aórtica no tubo recém confeccionado seria manobra mais difícil e com risco de comprometer o resultado. O uso do tubo de Dacron revestido com pericárdio bovino, como citado pelo Dr. Renato, pode ser uma boa opção. Outro aspecto comentado pelo Dr. Renato é quanto ao risco aumentado de sangramento. A nosso ver, além de sutura cuidadosa, o emprego de cola biológica se mostrou fundamental para obtenção de um bom resultado, notadamente nas suturas proximais e dos óstios coronarianos. Quanto à duração do procedimento, como qualquer técnica cirúrgica, esta deve ter seu tempo reduzido com o advento da experiência, e a proteção miocárdica empregada deve ser sempre criteriosa, em qualquer que seja a cirurgia realizada. Concluindo, gostaria de ressaltar que tal técnica não deve ter seu uso ampliado para todos os casos de ectasia ânulo-aórtica, mas sim para aqueles em que o aspecto macroscópico da valva aórtica é favorável, sem que as válvulas se mostrem comprometidas e degeneradas. Muito obrigado.

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