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EDITORIAL

Cardiomiopatia isquêmica terminal associada à extrusão de stent para a luz da aorta

Reinaldo Bestetti

DOI: 10.5935/1678-9741.20110004

                                                                                                                                                                                          

 

A cardiomiopatia isquêmica é a causa mais frequente de insuficiência cardíaca no Brasil [1]. É causada por obstrução do lúmen de pelo menos uma das artérias coronárias epicárdicas, o que ocasiona múltiplas anormalidades da contração segmentar ou hipocinesia difusa, culminando em notável diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo [2]. Ainda que metade dos pacientes tenha angina pectoris acompanhando a insuficiência cardíaca sistólica, deve-se enfatizar que a cardiomiopatia isquêmica sem angina pectoris realmente ocorre [3]. O prognóstico de pacientes com cardiomiopatia isquêmica é progressivo, provavelmente por causa da grande extensão de fibrose miocárdica reparadora e menor amostra de hipertrofia dos miócitos nos pacientes isquêmicos [4].

Intervenção coronariana primária, isto é, aquela realizada sem terapia fibrinolítica primária, é modalidade de tratamento estabelecida para pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST. De fato, a intervenção coronariana primária demonstrou reduzir mortalidade, melhorar contratilidade ventricular esquerda e melhorar o curso clínico em pacientes com essa condição [5]. Contudo, o tempo para a intervenção coronariana é crucial para o sucesso da intervenção coronariana primária: ele não pode exceder 12 horas após o início dos sintomas [6], e o tempo do primeiro contato médico até o inflar do balão não pode exceder 2 horas [5]. Apesar dos inquestionáveis benefícios, a intervenção coronariana primária não é desprovida de complicações. A dissecção coronária, por exemplo, ocorre em 20 a 40% dos pacientes após este procedimento, e pode ser tratada com implante de stent ou implante de ponte de safena [7].

Neste volume da RBCCV, Braulio et al.[8] (pág. 481) relatam o interessante caso clínico de cardiomiopatia isquêmica terminal tratada com sucesso com transplante cardíaco. A paciente teve infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST 14 meses antes do transplante cardíaco, apropriadamente tratado com angioplastia transluminal de artéria coronária, complicada, entretanto, por dissecção do tronco da artéria coronária esquerda, que, por sua vez, foi tratada com implante de stent. A paciente desenvolveu insuficiência cardíaca crônica sistólica, cujo curso clínico foi progressivo, apesar do aparente sucesso do tratamento hemodinâmico. O coração explantado revelou obstrução coronariana grave no tronco da artéria coronária esquerda e na artéria coronária descendente anterior. Além disso, detectou-se extrusão do stent para o lúmen da aorta, obstruindo a artéria circunflexa.

VER TAMBÉM COMUNICAÇÃO BREVE NAS PÁGINAS 481-484

Uma questão que emerge desse caso diz respeito ao melhor tratamento para dissecção de artéria coronária com relação ao prognóstico em médio prazo. Implante de ponte de safena tem sido usado no tratamento de dissecção arterial coronariana após angioplastia transluminal de artéria coronária sem sucesso [7]. Todavia, a taxa de mortalidade associada a esse procedimento é ainda alta, variando de 4 a 14% [9]. Um tratamento alternativo para disseção de artéria coronária é o implante de stent, como se fez no caso relatado, por Braulio et al.[8]. Contudo, os efeitos em longo prazo do implante de stent com relação à manutenção da permeabilidade do fluxo na artéria coronariana e reversão do processo de remodelamento ventricular esquerdo é ainda desconhecido. Assim, eu imagino que, se o implante de ponte de safena tivesse sido realizado no caso relatado por Braulio et al. [8], o aparecimento de cardiomiopatia isquêmica teria sido evitado, ou pelo menos atenuado.

Outro aspecto chave que merece maior discussão é a rara complicação relatada por Braulio et al. [8], isto é, a extrusão do stent para a luz da aorta concomitante à oclusão da artéria circunflexa. A presença dessa anormalidade não foi suspeitada provavelmente por causa da ausência de angina. Portanto, esse caso sugere que extrusão de stent com concomitante oclusão de coronária pode ser o mecanismo subjacente à deterioração clínica em pacientes com insuficiência cardíaca isquêmica, que se submeteram a implante de stent por causa de dissecção de coronária. Além do mais, ele também sugere que a cinecoronariografia deva ser realizada mesmo que não exista viabilidade miocárdica na cintilografia miocárdica com sestamibi, como pode ser visto no caso relatado por Braulio et al. [8].

A cardiomiopatia isquêmica deve ser tratada de acordo com o que preconiza a atual medicina baseada em evidência para insuficiência cardíaca crônica, particularmente com terapia com betabloqueador [1]. Contudo, deve-se enfatizar que a eficácia dos betabloqueadores é maior em pacientes que apresentam viabilidade miocárdica, e virtualmente semelhante àquela obtida com revascularização miocárdica pela angioplastia transluminal de artéria coronária ou implante de ponte de safena [10]. De fato, os betabloqueadores atuam aumentando a contratilidade de áreas remotas do tecido infartado, melhorando, assim, a contratilidade total do ventrículo esquerdo [10]. Portanto, se a cintilografia miocárdica perfusional com sestamibi evidenciar apenas fibrose, recomenda-se a cintilografia perfusional do miocárdio com tálio para a detecção de miocárdio hibernante.

Quando falhar o tratamento clínico para a cardiomiopatia isquêmica, a revascularização miocárdica pode ser tentada se houver miocárdio viável subjacente [1]. Visto que um terço dos pacientes com cardiomiopatia isquêmica sem angina tem bloqueio completo do ramo esquerdo [3], a terapia com ressincronização ventricular pode ser oferecida para os pacientes com essa condição, embora eu reconheça que tal terapia não foi ainda testada especificamente em pacientes com cardiomiopatia isquêmica. A angioplastia transluminal de artéria coronária ou o implante de ponte de safena podem ser utilizados para revascularização miocárdica porque ambas induzem a melhora na contratilidade ventricular esquerda em áreas disfuncionais ou em segmentos adjacentes às áreas infartadas, agindo, assim, sinergisticamente com a terapia com betabloqueadores para reverter o remodelamento ventricular. Provavelmente em virtude do pequeno número de complicações, a angioplastia transluminal de artéria coronária pode ter melhor prognóstico do que o implante de ponte de safena em pacientes com cardiomiopatia isquêmica [11]. Na cardiomiopatia isquêmica refratária, como se observou no caso relatado por Braulio et al. [8], o transplante cardíaco é opção de tratamento válida.

Concluindo, com o caso relatado por Braulio et al.[8], a cardiomiopatia isquêmica refratária deve ser adicionada à lista de complicações de implante de stent como tratamento para dissecção de artéria coronária provocada por angioplastia transluminal de artéria coronária em pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST.

 

REFERÊNCIAS

1. Bocchi EA, Braga FG, Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira WA, Almeida DR III Brazilian Guidelines on Chronic Heart Failure. Arq Bras Cardiol. 2009;93:3-70. [MedLine]

2. Yatteau RF, Peter RH, Behar VS, Bartel AG, Rosati RA, Kong Y Ischemic cardiomyopathy : the myopathy of coronary artery disease. Natural history and results of medical versus surgical treatment. Am J Cardiol. 1974;34(5):520-5. [MedLine]

3. Bestetti RB, Yoshitake R, Cardoso TA, Freitas PF, Cordeiro JA, Theodoropoulos TA Clinical characteristics and outcome of chronic ischemic heart failure in angina-free patients. Int J Cardiol. 2008;128(1):145-6. [MedLine]

4. Hare JM, Walford GD, Hruban RH, Hutchins GM, Deckers JW, Baughman KL Ischemic cardiomyopathy : endomyocardial biopsy and ventriculographic evaluation of patients with congestive heart failure, dilated cardiomyopathy and coronary artery disease. J Am Coll Cardiol. 1992;20(6):1318-25. [MedLine]

5. Van de Werf F, Bax J, Betriu A, Blomstrom-Lundqvist C, Crea F, Volkmar F Management of acute myocardial infarction in patients presenting with persistent ST-segment elevation : the Task Force on the Management of ST-Segment Elevation Acute Myocardial Infarction of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2008;29(23):2909-45. [MedLine]

6. Silber S, Albertsson P, Avilés FF, Camici PG, Colombo A, Hamm C Guidelines for percutaneous coronary interventions : The Task Force for Percutaneous Coronary Interventions of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2005;26(8):804-47. [MedLine]

7. Breda JR, Breda AS, Pires AC Operative treatment after iatrogenic left main dissection. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(2):268-71. [MedLine] Visualizar artigo

8. Braulio R, Gelape CL, Brasileiro Filho G, Moreira MCV Cardiomiopatia isquêmica terminal associada à complicação do uso de stent no tratamento de infarto agudo do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2011;26(3):481-4. Visualizar artigo

9. Barakate MS, Bannon PG, Hughes CF, Horton MD, Callaway A, Hurst T Emergency surgery after unsuccessful coronary angioplasty : a review of 15 years' experience. Ann Thorac Surg. 2003;75(5):1400-5. [MedLine]

10. Kaandorp TA, Bax JJ, Bleeker SE, Doombos J, Viergever EP, Poldermans D Relation between regional and global systolic function in patients with ischemic cardiomyopathy after beta-blocker therapy or revascularization. J Cardiovasc Magn Reson. 2010;12:7. [MedLine]

11. Buszman P, Szkróbka I, Gruszka A, Parma R, Tendera Z, Lésko B Comparison of effectiveness of coronary artery bypass grafting versus percutaneous coronary intervention in patients with ischemic cardiomyopathy. Am J Cardiol. 2007;99(1):36-41. [MedLine]

12. Gama HC, Martin W, Naik SK Remodelamento cirúrgico do coração no tratamento cirúrgico da cardiomiopatia isquêmica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2001;16(2):114-8. Visualizar artigo

13. Ribeiro GCA, Nunes A, Antoniali F, Lopes MM, Costa CE Benefício da revascularização do miocárdio em pacientes com disfunção ventricular e músculo viável : remodelamento ventricular reverso e prognóstico. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2005;20(2):117-22. Visualizar artigo

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