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EDITORIAL

O risco dos escores de risco e o sonho pelo BraSCORE

Omar Asdrúbal Vilca MejíaI; Luiz Augusto Ferreira LisboaII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120032

Os escores de risco são instrumentos de predição que podem auxiliar pacientes e profissionais da saúde na tomada de decisões, ao informar sobre o provável risco de complicações ou óbito de grupos de pacientes com perfil de risco semelhante e submetido ao mesmo procedimento. A existência dos escores de risco se remonta ao Collaborative Study in Coronary Artery Surgery (1980), mas o que realmente desencadeou a criação e a proliferação dos escores de risco foi a publicação, pela Health Care Financing Administration (1986), dos resultados sem ajuste ao risco da mortalidade nos hospitais do Medicare, nos Estados Unidos. A vantagem do escore é sua praticidade, pois exprime o risco global do paciente, representado pela soma dos valores atribuídos a cada uma das variáveis independentes. No Brasil, Ribeiro et al. [1] trouxeram, no mesmo contexto, lembranças de uma mortalidade bruta, impossível de ser aceita na cirurgia cardíaca moderna. Com o tempo, a incorporação do EuroSCORE [2] nos principais serviços da Europa trouxe a vista o efeito Hawthorne, explicando que nada melhorou, tanto os resultados em cirurgia cardíaca, no início do século, como a monitorização pelo EuroSCORE.

No entanto, devemos ter cuidado na incorporação de modelos de risco, porque devemos respeitar os princípios estatísticos da validação. Validar um modelo significa investigar sua calibração e discriminação em relação a uma determinada população sob determinadas condições. Para isso, as variáveis em estudo devem estar definidas de forma semelhante às descritas pelo modelo e a amostra deverá incluir, no mínimo, 100 óbitos. O registro dos dados deverá ser de preferência prospectivo e obrigatório. Na validação, a calibração avalia a acurácia do modelo para predizer risco em um grupo de pacientes e a discriminação mede a habilidade do modelo para distinguir entre pacientes de baixo e alto risco. Uma adequada calibração e, principalmente, boa discriminação são a base para um bom desempenho do modelo. Assim, para ter um modelo com alto poder de discriminação em geral é necessário haver muitas variáveis, trazendo o risco de overfitting. Por outro lado, modelos menores, mas que incluam variáveis como as descritas por Jones et al. [3], testadas por Tu et al. [4] e confirmadas por Ranucci et al. [5], apresentam boa calibração, mas infelizmente diminuição do poder de discriminação. Mesmo assim, não devemos esquecer que "menos variáveis quanto possíveis" é melhor para um modelo. Outra característica importante para a aderência ao modelo é que seja abrangente, para isso a metodologia é importante. Dentre as técnicas, o bootstrap é a mais eficiente para encontrar verdadeiros preditores independentes [6].

É evidente que modelos de risco derivados e validados em um local usualmente têm menor desempenho quando aplicados em outro local e inclusive no mesmo local ao longo do tempo. Sobre isto, Ivanov et al. [7] afirmaram que, para aplicar um escore de risco, este deverá primeiro ser remodelado (adaptação das variáveis e seus pesos) ou pelo menos recalibrado (adaptação dos pesos das variáveis) e nunca utilizado da forma ready-made (sem adaptação das variáveis e seus pesos). Com o tempo, o remodelamento do EuroSCORE seria necessário. Dessa forma, deu-se origem ao EuroSCORE II [8]. Entretanto, o conceito de Ivanov tomou força, quando modelos externos foram aplicados e remodelados localmente. Assim, Antunes, em Coimbra, seguido por Billah, na Austrália, Shih, em Taiwan, Berg, na Noruega, e Qadir, no Paquistão, trabalharam nessa vertente.

No Brasil, em nível local, méritos para o trabalho de Cadore et al. [9] que apresentaram o primeiro modelo préoperatório para cirurgia de coronária. No InCor-HCFMUSP, o remodelamento conjunto dos modelos EuroSCORE e 2000Bernstein-Parsonnet, por meio da técnica de bootstrap, deu origem ao InsCor [10,11]. Esse modelo teve desempenho semelhante ao EuroSCORE e foi mais simples do que este e que o 2000Bernstein-Parsonnet para predizer mortalidade nos pacientes operados de coronária e/ou valva no InCor (Figura 1).

 

 

Mas, sem dúvida, o conceito do BraSCORE (Brazilian System for Cardiac Operative Risk Evaluation) vai mais longe, permitirá desenvolver uma curva referencial preditiva do impacto da estrutura e recursos disponíveis para os programas sobre os resultados em morbidade e mortalidade hospitalar dos pacientes operados de cirurgia cardíaca no Brasil. O BraSCORE, se converterá no desafio a vencer, ao ensinar-nos os pontos fracos da prática assistencial.

Assim, do InsCor para o BraSCORE existe um longo, mas importante, caminho a ser percorrido.

Ao final, referência nacional ou internacional, o que será mais fácil, barato e apropriado?

REFERÊNCIAS

1. Ribeiro AL, Gagliardi SP, Nogueira JL, Silveira LM, Colosimo EA, Nascimento CAL. Mortality related to cardiac surgery in Brazil, 2000-2003. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006;131(4):907-9. [MedLine]

2. Nashef SA, Roques F, Michel P, Gauducheau E, Lemeshow S, Salamon R. European system for cardiac operative risk evaluation (EuroSCORE). Eur J Cardiothorac Surg. 1999;16(1):9-13. [MedLine]

3. Jones RH, Hannan EL, Hammermeister KE, Delong ER, O'Connor GT, Luepker RV, et al. Identification of preoperative variables needed for risk adjustment of short-term mortality after coronary artery bypass graft surgery. The Working Group Panel on the Cooperative CABG Database Project. J Am Coll Cardiol. 1996;28(6):1478-87. [MedLine]

4. Tu JV, Sykora K, Naylor CD. Assessing the outcomes of coronary artery bypass graft surgery: how many risk factors are enough? Steering Committee of the Cardiac Care Network of Ontario. J Am Coll Cardiol. 1997;30(5):1317-23. [MedLine]

5. Ranucci M, Castelvecchio S, Conte M, Megliola G, Speziale G, Fiore F, et al. The easier, the better: age, creatinine, ejection fraction score for operative mortality risk stratification in a series of 29,659 patients undergoing elective cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2011;142(3):581-6. [MedLine]

6. Austin PC, Tu JV. Bootstrap methods for developing predictive models. Am Stat. 2004;58(2):131-7.

7. Ivanov J, Tu JV, Naylor CD. Ready-made, recalibrated, or remodeled? Issues in the use of risk indexes for assessing mortality after coronary artery bypass graft surgery. Circulation. 1999;99(16):2098-104. [MedLine]

8. Nashef SA, Roques F, Sharples LD, Nilsson J, Smith C, Goldstone AR, et al. EuroSCORE II. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(4):734-45.

9. Cadore MP, Guaragna JCVC, Anacker JFA, Albuquerque LC, Bodanese LC, Piccoli JCE, et al. Proposição de um escore de risco cirúrgico em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4):447-56. [MedLine] Visualizar artigo

10. Mejía OAV. Predição de mortalidade em cirurgia de coronária e/ou valva no InCor: validação de dois modelos externos e comparação com o modelo desenvolvido localmente (InsCor) [Tese de doutoramento]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2012.

11. Mejía OAV, Lisboa LAF, Dallan LAO, Pomerantzeff PMA, Moreira LFP, Jatene FB, Stolf NAG. Validação do 2000 Bernstein-Parsonnet e EuroSCORE no Instituto do Coração-USP. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(2):187-94.

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