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ARTIGO DE REVISÃO

Microembolia gasosa em operação cardíaca com uso de circulação extracorpórea: emprego de shunt venoarterial como método preventivo

Edison Emidio dos ReisI; Livia Dutra de MenezesII; Caio César Lanaro JustoIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120073

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

ATA: Atmosfera absoluta

Atm: Atmosfera

CaO2: Conteúdo arterial de oxigênio

CcO2: Conteúdo capilar de oxigênio

CEC: Circulação extracorpórea

CO2: Dióxido de carbono

Cox.O2: Conteúdo arterial no sangue após passagem pela membrana

DTC: Doppler transcranial

FEO2: Fração expiratória de oxigênio

FIO2: Fração inspiratória de oxigênio

Hb: Hemoglobina

MEG: Microembolia gasosa

N2: Nitrogênio

OHB: Oxigenoterapia hiperbárica

PaO2: Pressão parcial de oxigênio no sangue

PH2O: Pressão do vapor de água

PN2: Pressão do nitrogênio

PO2: Pressão parcial de oxigênio

Pox.O2: Pressão de oxigênio no sangue arterial

PVC: Cloreto de polivinila

PvO2: Pressão venosa do oxigênio

SaO2: Saturação arterial de oxigênio

Sox.O2: Saturação arterial após a passagem pela membrana

SvO2: Saturação venosa de oxigênio

VO2: Demanda de oxigênio

INTRODUÇÃO

A tecnologia tem levado à diminuição da morbimortalidade em cirurgias cardíacas [1,2]. Porém, as complicações neurológicas relacionadas a elas ainda representam importante causa de morbidade no período pós-operatório [3,4]. Há 60 anos, a circulação extracorpórea (CEC) foi introduzida nas cirurgias cardíacas e, desde então, há relatos de que certos pacientes desenvolviam algum tipo de sequela neurológica [1,2,5].

A partir daí, as sequelas neurológicas e a própria CEC tornaram-se foco de muitas pesquisas [6]. Acredita-se que a incidência dessas complicações, de diferentes graus, alcance até 75% dos pacientes [5-8]. Felizmente, a grande maioria é subclínica. Os casos clinicamente significativos de embolia aérea cerebral são largamente subdiagnosticados, subtratados e subnotificados [3,9,10].

Por ser uma tecnologia que não mantém princípios da fisiologia normal, sua utilização rotineira estimulou a análise das complicações associadas a ela e tem, como resultado, ampla evolução de procedimentos e materiais aplicados na CEC [10]. Apesar de todos os progressos, as complicações neurológicas ainda ocorrem e, frequentemente, são causas de lesões importantes [4,10]. Sabe-se que as alterações cognitivas observadas no pós-operatório possuem causas multifatoriais [8], inerentes ao paciente e ou inerentes ao próprio procedimento cirúrgico que, em conjunto, podem determinar maior ou menor grau de déficit cognitivo e morbimortalidade [10,11].

A embolia cerebral pode ser a causa primária de lesão encefálica ou do agravamento de lesões preexistentes [10]. A microembolia gasosa destaca-se como causa principal de distúrbios neurológicos, além de indutor de resposta inflamatória pela ativação do complemento e, segundo Barak & Katz [12] e Rodriguez et al. [13], também pode afetar a coagulação.

A microembolia gasosa pode ter origem em um número variado de fontes durante a CEC, como o próprio circuito e os oxigenadores, além das técnicas cirúrgicas e de perfusão utilizadas [14]. Microêmbolos gasosos podem ser subitamente deslocados dos locais em que se encontram e lançados na circulação [14]. Os processos de esfriamento e reaquecimento do sangue modificam as propriedades físicas dos gases dissolvidos (suas solubilidades) e isso predispõe à formação de microbolhas na corrente sanguínea [10,15]. Intervenções do perfusionista ao administrar drogas e coletar amostras de sangue produzem microbolhas gasosas [2,11,16], como também a drenagem assistida por vácuo [17,18].

Aqui vamos tratar da aplicação do shunt venoarterial que, apesar de ter sido idealizado a fim de diminuir a resposta inflamatória causada pela passagem do sangue no oxigenador, principalmente na região da membrana, pode ser uma alternativa para o controle da produção de microembolia gasosa durante a operação. Esse sistema é capaz de prevenir, ou de minimizar esses eventos embólicos gasosos? É o que será discutido a seguir.

 

MÉTODOS

Este trabalho teve como hipótese que a hiperoxia pode prevenir a formação de microbolhas com uso do shunt venoarterial no oxigenador de membrana para CEC. Assim, foi proposta uma revisão integrativa [19] sobre o tema microembolia gasosa durante a CEC. Esse tipo de trabalho permite analisar estudos com abordagens metodológicas diferentes que contemplam o tema.

Os estudos selecionados nesse tipo de trabalho levam à construção de um corpo de conhecimento necessário para o aperfeiçoamento técnico-científico [20]. O levantamento bibliográfico das publicações foi realizado entre dezembro de 2010 e setembro de 2011, nas seguintes bases de dados: The Jornal of Extracorporeal Technology, www.ctsnet.org, http://www.scielo.br/, www.anesthesiology.com, http://www.anesthesia-analgesia.org/, www.perfline.com e http://circ.ahajournals.org/, também foram consultadas as publicações dos últimos 20 anos entre livros de relevância para o estudo, artigos originais, experimentais e de revisão.

As palavras-chaves utilizadas foram: shunt, gaseous microemboli, hyperoxia, microbubbles, neurologic damage after cardiopulmonar by-pass, cerebral air embolism, nitrogen microemboli e cognitive dysfunction after cardiac surgery.

Após leitura e análise de 169 artigos selecionados e três livros em capítulos específicos inerentes ao conteúdo, selecionamos 48 artigos que abordavam o tema e tinham relação com nosso objetivo. Os artigos foram selecionados por via eletrônica, acessados e impressos a partir do site da base de dados e pela aquisição de periódicos.

 

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Doppler transcranial

O emprego do Doppler transcraniano (DTC) tornou possível detectar a ocorrência de microbolhas da circulação [12]. O DTC permite medição contínua da velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias cerebrais e tem capacidade de apontar com precisão sinais ecogênicos de origem sólida e de origem gasosa [5,12,13].

A detecção de microembolia gasosa (MEG) pela aplicação do DTC tem sido descrita por vários autores entre diferentes grupos de pacientes pela sua precisão. Modelos mais modernos têm capacidade de qualificar e quantificar a ocorrência de microbolhas, como o EDAC® quantifier (Luna Technologies, EUA) [21-23] e o Gampt BC200 (GAMPT mbH, Alemanha) [16], que, segundo os autores, tem a sensibilidade de identificar microbolhas com diâmetro de 10 ìm e contabilizar até 1000 microbolhas por segundo, com fluxos em 0,2 a 6 l/min [1,21-23].

Fisiologia dos gases no sangue

A CEC é uma derivação artificial cardiopulmonar em que o fluxo de sangue, responsável pelo transporte de oxigênio, é produzido por bomba peristáltica ou centrífuga, sendo a peristáltica geradora de fluxo pulsátil hidrodinamicamente (não fisiologicamente) e a centrífuga geradora de fluxo contínuo, onde as trocas gasosas são realizadas por um oxigenador de membrana que mimetiza a função da dinâmica de troca pulmonar, ou seja, por difusão. A difusão de um gás depende do gradiente de pressão desse gás entre os meios de trocas. Assim, quanto maior a pressão de um gás, maior será a sua difusão entre esses meios através das membranas [1].

O ar é uma mistura gasosa composta por nitrogênio, oxigênio e gás carbônico e outros gases em menor proporção, como demonstra a Tabela 1. A pressão exercida por cada gás componente do ar é definida como pressão parcial [1]. As características gerais da difusão dos gases permitem quantificar a rapidez com que um determinado gás pode se difundir, chamada coeficiente de difusão. O oxigênio por suas características de difusão nos organismos vivos tem o coeficiente de difusão 1. A difusão dos demais gases é quantificada em relação ao oxigênio [24]. A Tabela 2 lista o coeficiente de difusão de alguns gases componentes do ar.

 

 

 

 

A concentração de um gás em uma solução depende do coeficiente de solubilidade, os gases que se dissolvem em maior quantidade em água têm maior coeficiente de solubilidade. A alteração nessa solubilidade é um importante fator para a determinação do risco de microembolia aérea [1,9,15,24,25]. O oxigênio e o gás carbônico têm alta solubilidade no sangue, enquanto o nitrogênio tem solubilidade menor e pode, por isso, permanecer no sangue em forma de gás por até 48 horas [9].

De acordo com as Leis de Boyle e Graham, a velocidade e a solubilidade de um gás em um líquido são diretamente proporcionais à temperatura e à pressão média aplicada a ele e inversamente proporcionais à raiz quadrada do seu peso molecular, ou seja, quanto maior o peso molecular do soluto gasoso, tanto menor será a velocidade de difusão como também a solubilidade do gás [12,25,26].

O nitrogênio (N2) tem a maior pressão parcial tanto no ar, quanto no sangue, e tem pequeno coeficiente de solubilidade, características que o tornam o principal gás no interior das bolhas formadas no sangue.

A doença descompressiva

A doença descompressiva é causada por bolhas de nitrogênio que se expandem no sangue ou nos tecidos e podem causar microembolias gasosas. Ocorre em mergulhadores ao retornarem de uma imersão de grandes profundidades sem a descompressão adequada, devido a alterações de pressão e solubilidade do N2 no sangue e nos tecidos, provocando o tromboembolismo aéreo. Os casos graves são tratados com oxigenoterapia hiperbárica (OHB) [27,28].

A terapia com oxigênio hiperbárico tem muitas aplicações, entre elas, tratamento de doença descompressiva, intoxicação com monóxido de carbono e embolia arterial. O tratamento é realizado em uma câmara fechada, na qual o paciente é submetido a pressões que variam até 3,0 atmosferas de pressão absoluta (ATA). Nessas pressões, a concentração de O2 no organismo é aumentada em até 1900%, e pressão parcial de oxigênio no sangue (PaO2) superior a 2000 mmHg em sessões com duração de 20 a 30 minutos e, como consequência, a PaN2 é reduzida a valores mínimos, como demonstra a Tabela 3 de tratamento de doença da descompressão tipo 1 na Marina Americana.

 

 

Murphy et al. [29], entre 1970 e 1984, trataram 16 pacientes com embolia gasosa, dois casos foram de embolia durante a CEC. Guy et al. [30] obtiveram sucesso ao tratar com OHB um paciente que sofrera embolia gasosa maciça durante uma cirurgia cardíaca. Ziser et al. [31] utilizaram OHB para tratar embolia arterial cerebral em 17 pacientes submetidos a CEC.

Grist [28], baseando-se na OHB, sugeriu a uso de oxigênio puro na CEC, a fim de tratar e prevenir as microembolias de N2. A analogia feita por Grist entre a câmara hiperbárica e a câmara de oxigenação do oxigenador de membrana demonstra que se assemelham, em características gerais, de sistemas fechados onde há possibilidade de utilizar oxigênio puro e reduzir PaN2.

A baixa pressão do nitrogênio no sangue promove uma tendência de solubilização desse gás presente nas microbolhas formadas.

Hiperoxia

A oxigenação adequada do sangue durante a perfusão corresponde a uma pressão parcial de oxigênio (PO2) acima de 100 mmHg e abaixo de 200 mmHg, chamada normoxia. Sua manutenção ocorre de acordo com a oferta de maior ou menor fração inspiratória de oxigênio (FIO2) na linha de gás ligado ao oxigenador durante a CEC. A hiperoxia é definida como alta concentração de oxigênio no sangue, essa condição é produzida pela oferta excessiva de oxigênio.

A hiperoxia pode produzir injúria por reperfusão, produção excessiva de radicais livres [32,33] e ainda expor aos efeitos tóxicos do oxigênio [34]. O uso de hiperoxia em CEC é considerado desnecessário pela maioria do perfusionistas. Toraman et al. [35] demonstraram que FIO2 entre 35% e 45% durante a CEC é suficiente para atender à extração de oxigênio com segurança.

Shunt venoarterial

Moraes et al. [36] avaliaram o emprego de um desvio de sangue venoarterial. Esse desvio era feito por uma derivação que ligava a linha venosa antes da entrada no oxigenador à linha arterial, que possibilitava o desvio de parte da circulação, de forma que uma fração do fluxo sanguíneo não passasse pela câmara de oxigenação e retornasse ao sistema normal do circuito após o oxigenador. Os autores tiveram como objetivo reduzir o volume de sangue em contato com a membrana do oxigenador (Figura 1). O objetivo do trabalho foi demonstrar que o shunt poderia minimizar a intensidade da resposta inflamatória induzida pela CEC. O conceito foi baseado na fisiologia da circulação fetal, onde o sangue que circula no feto é, no seu maior volume, uma mistura de sangue oxigenado e não oxigenado.

 

 

Na circulação fetal, o único sangue exclusivamente oxigenado chega ao feto pela veia umbilical da placenta até o ponto de confluência com veia cava inferior através do ducto venoso. A mistura de sangue oxigenado e não oxigenado com saturação arterial de oxigênio (SaO2) igual a 62% na aorta torácica é suficiente para o feto porque suas necessidades metabólicas são reduzidas [36]. Moraes et al. [37] publicaram um estudo comparativo onde observaram que houve menos sangramento e menor necessidade de transfusões no grupo que utilizou shunt venoarterial. Esse conceito é aplicado na manufatura dos oxigenadores Oxyshunt® (Zammi Instrumental, Duque de Caxias, RJ, Brasil).

Ao observar esse sistema com base na fisiologia do shunt pulmonar, onde também ocorre mistura entre sangue arterial e sangue venoso, encontra-se uma importante relação. O shunt pulmonar é definido como um distúrbio na relação ventilação-perfusão pulmonar, onde uma fração do fluxo de sangue pulmonar não devidamente ventilado [38,39] segue sem sofrer trocas gasosas, como ilustrado da Figura 1. Esse sangue não ventilado remove um pouco de oxigênio a partir de sangue oxigenado, o que resulta em uma pequena redução na PO arterial (PaO2), saturação de oxigênio pela hemoglobina (SaO2) e, consequentemente, no conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) (Figuras 2 e 3).

 

 

 

 

Em um indivíduo normal e saudável, o shunt fisiológico representa de 2% a 4% do débito cardíaco [1], quanto maior a fração do shunt, menor será o CaO2.

A fração de shunt pulmonar é avaliada pela equação clássica do shunt [38,39].

Qs/Qt = (CcO2 - CaO2) / (CcO2-CvO2)

Onde:

Qs: Fluxo do shunt

Qt: Fluxo total do sangue

Qs/Qt: % do fluxo de sangue que é desviado para o shunt

CcO2: Conteúdo de O2 do capilar pulmonar

CaO2: Conteúdo arterial de O2

CvO2: Conteúdo venoso de O2

Cálculos

CcO2 = (Hb . 1,34 . %ScO2) + (0,003 . PaO2)

CaO2 = (Hb . 1,34 . %SaO2) + (0,003 . PaO2)

CvO2 = (Hb . 1,34 . %SvO2) + (0,003 .PaO2)

CcO2, CaO2 e CvO2 são dados em ml de O2 por 100 ml de sangue (ml/100 ml).

Aplicando-se essa equação, considerando:

PaO2= 100 mmHg

SaO2= 100%

PvO2= 40 mmHg

SvO2= 75%

Hb= 10 g/dL

FIO2= 100% (oxigênio puro)

Pressão Atm =760 mmHg, ao nível do mar.

Substituindo o CcO2 por Cox.O2(conteúdo arterial no sangue após passagem pela membrana) e ScO2 por Sox.O2 (saturação arterial após a passagem pela membrana).

Ao aplicar-se essa equação utilizando parâmetros retirados de uma circulação extracorpórea com oxigenador com o shunt venoarterial em uso, encontra-se essa relação, conforme segue:

Temos:

Qs/Qt = (Cox. O2 - CaO2) / (Cox.O2 - CvO2), o resultado é em % do fluxo total de sangue.

Qs/Qt = [(Hb.1,34.%Sox.O2)+(0,003.760 mmHg)] - [(Hb.1,34. %SaO2) + (0,003.PaO2)] / [(Hb. 1,34.%Sox.O2) + (0,003.760 mmHg)] - [(Hb.1,34.%SvO2) + (0,003.PvO2)] =

Qs/Qt = [(10 g/dL.1,34.1) + (0,003.760 mmHg)] - [(10g/ dL.1,34.1) + (0,003.100 mmHg)] / [(10 d/L.1,34.1) + (0,003.760 mmHg)] - [(10d/L.1,34.0,75) + (0,003.40 mmHg)] =

Qs/Qt = [15,5] - [13,7] / [15,5] - [10,17] =

Qs/Qt = 1,8 / 5,33 =

Qs/Qt= 0,33 ou 33%.

Admitindo Qt = 5 L/min,

Qs = 0,33 x 5 L/min = 1,65 L/min. Ou seja, para Qt = 5 L/ min, um Qs = 1,65 L/min será suficiente para controlar a hiperoxia gerada com FIO2 = 100%.

Em outras palavras, 33% do fluxo de perfusão passando pelo shunt permitem uma perfusão adequada com a hiperoxia devidamente controlada.

Ocorreu, então, a ideia de avaliar a perspectiva do shunt ao controlar a hiperoxia induzida pelo O2 puro, pois isso poderia prevenir a formação de microbolhas na CEC e essa relação parece elucidar a questão das microbolhas por nitrogênio.

Comparamos a anatomia da unidade ventilatória funcional apresentada na Figura 4 com a anatomia do oxigenador Oxyshunt® Zammi (Figura 5).

 

 

 

 

A dinâmica do sangue no oxigenador obedece aos princípios da hemodinâmica, a passagem do sangue pela área de membrana produz grande resistência, e a tendência do fluxo é seguir por segmento de menor resistência (pelo desvio do shunt), o que faz necessário um mecanismo de restrição controlando o fluxo de sangue que percorre o shunt. O desvio faz com que uma parcela menor do fluxo de sangue percorra a membrana, havendo, assim, tendência de menor incidência a hemólise.

O controle do fluxo de sangue venoso (shunt) é feito por uma pinça montada na linha do shunt, essa pinça possui um controle ajustável do diâmetro da linha e é orientado por oximetria nas linhas arteriais e venosas, onde os alvos são 95% e 75% de saturação arterial e venosa, respectivamente com FIO a 100% e fluxos de gás oxigênio/sangue arterial de 1:1. Assim, a remoção do CO2 pela membrana se comporta da mesma maneira que nos oxigenadores que utilizam misturador de gases.

A oximetria "on line" faz-se necessária em função do risco de ocorrência de hipoxia produzido por uma fração maior de shunt mantida inadvertidamente e, ao contrário, hiperoxia.

No shunt venoarterial como no shunt pulmonar permitese a redução do sangue que passa pela membrana de troca. Esse sangue desviado não recebe oxigênio e, ao retornar para a linha arterial, mistura-se ao sangue que passou pela membrana. No momento da mistura há um gradiente de PaO2, que se equilibra por difusão em um curto segmento da linha arterial, dessa forma não ocorre a hiperoxia pelo uso de oxigênio puro, evitando a possível ocorrência de injúria por reperfusão e os efeitos nocivos do excesso de O2.

Nitrogenização

O nitrogênio é o gás responsável pela embolização arterial, isso ocorre por causa de sua baixa solubilidade aliada a sua alta concentração, tanto no sangue, como nos tecidos, (Tabela 4).

 

 

A pressão parcial do nitrogênio no sangue é 573 mmHg, de acordo com a Tabela 4.

O uso do de oxigênio puro produz desnitrogenação do sangue, redução da PaN2 e, consequentemente, o conteúdo de nitrogênio dissolvido no organismo [9], e aumenta a janela do oxigênio, ou seja, com PaN2 baixa o sangue está com baixo teor de nitrogênio dissolvido, o que permite que o oxigênio possa ocupar esse espaço vazio antes ocupado pelo nitrogênio.

Com a baixa pressão do N2, há grande tendência de solubilização das microbolhas de N2 no sangue e ainda previne as microbolhas que possam se formar no sistema vascular. Com esse conceito, Berry & Myles [40] produziram desnitrogenação alveolar com ventilação a uma FIO2 a 100%, e registraram FEO2 (Fração expiratória de O2) de 96% após 3 minutos de exposição, esse experimento demonstra que esse processo é rápido e provavelmente ocorre na mesma condição no oxigenador de membrana.

Georgiadis et al. [41] submeteram 185 pacientes portadores de válvula mecânica a ventilação com FIO2 a 100%, enquanto monitorava com DTC eventos microembólicos produzidos pela cavitação das válvulas. Nesse estudo, observou diminuição significativa na produção de microbolhas comparando com a ventilação com ar ambiente, sugerindo que a principal fonte de embolia gasosa daqueles pacientes é composta por bolhas de N2. Rodriguez & Belway [42] elaboraram um fluxograma aqui reproduzido na Figura 6, onde relacionaram os mecanismos envolvidos nos eventos que se seguem até a embolia cerebral produzidos pela cavitação. Dentre os mecanismos citados, encontra-se ativação do complemento, adesão de proteínas do plasma e destruição plaquetária levando a formação de trombo e dano vascular e embolia a partir da formação de bolhas de nitrogênio no sangue.

 

 

Na descrição de Tovan et al. [9], que considera haver relação proporcional entre volume, área e diâmetro das microbolhas de nitrogênio formadas (Tabela 5), onde o gás das bolhas na corrente sanguínea entra em equilíbrio dinâmico com o gás dissolvido no plasma, nota-se que estas serão ampliadas ou reduzidas de acordo com a pressão parcial do gás na solução [11].

 

 

No entanto, com a utilização do shunt venoarterial com a fração de fluxo descrita acima, a desnitrogenação produzida quebra esse equilíbrio e as microbolhas tenderão fortemente a se dissolver no sangue.

Para a situação de microbolhas formadas que passaram pelo segmento do shunt venoarterial (como, por exemplo, as bolhas formadas no reservatório venoso), estas ao se encontrarem com o sangue arterial que passou pela membrana (desnitrogenado), tenderão fortemente a se dissolver.

Do mesmo modo, possíveis microbolhas de O2 formadas no oxigenador serão dissolvidas pela mistura com o sangue que passa pelo shunt com baixa PaO2, como demonstrado no fluxograma (Figura 7).

 

 

RESULTADOS

A desnitrogenação promovida pela hiperoxia previne a formação de microbolhas.

O shunt venoarterial, como o descrito por Moraes [36,37], obedece à fisiologia do shunt pulmonar e pode controlar a hiperoxia empregada para produzir desnitrogenação do sangue durante a CEC conforme fluxograma na Figura 7.

 

DISCUSSÃO

Desde o primeiro oxigenador desenvolvido por Gibbon até os modelos atuais, muitos problemas inerentes à CEC foram identificados relacionados à eficácia, como oxigenação adequada e remoção de CO2 [42], e outros relacionados à segurança, como ativação inflamatória, trauma sanguíneo e microembolias.

Essa evolução de novos conhecimentos minimizou os efeitos deletérios da CEC e, com a inclusão de acessórios como filtro arterial e detectores de bolhas, fizeram reduzir a morbimortalidade nos procedimentos de cirurgia cardíaca com CEC [38,43-45]. Contudo, a incidência, ainda frequente, de complicações neurológicas permaneceu como desafio, pois, apesar de todos os avanços, as complicações neurológicas ainda ocorrem e são causas de lesões graves [4]. Muitos estudos foram realizados com a acurácia do DTC, o que tornou possível quantificar e qualificar a ocorrência de microbolhas na CEC, tanto no circuito como nas artérias cerebrais e dimensionar a MEG consequente.

Sabe-se que microbolhas formadas têm o gás nitrogênio como maior componente. A remoção de N2 do sangue é bem documentada, a desnitrogenação diminui a tensão de N2 arterial, com isso as bolhas formadas são dissolvidas. Essa ocorrência de desnitrogenação implica no uso de O2 puro na oxigenação, o que levaria a hiperóxia e seus efeitos tóxicos, mas que podem ser evitados em procedimentos de CEC com a utilização do shunt venoarterial no oxigenador.

Weitkemper et al. [3] afirmaram que "a microembolia gasosa é ainda um problema insolúvel do circuito de CEC". Porém, se considerarmos as informações aqui apresentadas, acreditamos que esse paradigma se dissolve com o conteúdo aqui apresentado.

O shunt venoarterial que, na época foi desenvolvido com o objetivo de reduzir a ativação inflamatória na CEC [36], não foi associado com a desnitrogenação pelo emprego de O2 puro, o que parece constituir sua principal vantagem e benefício ao paciente. E, além disso, mostrase um método simples e prático, desde que seja devidamente controlado, cujo benefício tem grande importância para aqueles que necessitem do emprego da CEC em operações de coração e órgãos gestores, com maior redução de custos e, principalmente, da eliminação das complicações decorrentes da microembolia aérea durante a CEC e uma evolução na prática. Esse trabalho traz à luz essa possibilidade, sugerimos que estudos randomizados e controlados sejam feitos, a fim de confirmarem os benefícios quanto a possibilidade de controle de dano vascular e ativação do complemento citados por Rodriguez et al. [13].

 

CONCLUSÃO

Teve-se o objetivo avaliar se o uso do shunt venoarterial no oxigenador de membrana pode prevenir a ocorrência de microembolias na CEC. Foi utilizado o método de revisão integrativa para esse propósito, o que permitiu a liberdade de relacionar publicações de diferentes metodologias, a fim de estabelecer uma relação lógica e fundamentada.

Conclui-se que os achados literários sustentam a hipótese de que o shunt devidamente controlado previne a MEG, facilitando a solubilização das microbolhas de nitrogênio provenientes na operação segundo a descrição na literatura desse método, ao mesmo tempo em que o shunt evita a hiperoxia. Porém, indica-se que se utilize oxímetro de linha (principalmente venosa) para orientar o controle adequado do fluxo do shunt.

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Article receive on segunda-feira, 5 de março de 2012

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