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ARTIGO ORIGINAL

Stent aórtico pulsátil: uma nova alternativa na assistência ventricular crônica

José Honório PalmaI; Diego Felipe GaiaII; Guido CAPUTIIII; Guilherme AgreliIV; João Roberto BredaV; Domingo M. BraileVI; Enio BuffoloVII

DOI: 10.5935/1678-9741.20130031

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

ATP: Trifosfato de adenosina

NITINOL: Niquel Titanium Naval Ordinance Laboratory

PVC: Cloreto de polivinila

SMA: Shape memory alloy

INTRODUÇÃO

A insuficiência cardíaca é atualmente uma das causas mais comuns de internação cardiológica, sendo também causa de morbidade e mortalidade importante [1].

Vários dispositivos para assistência circulatória crônica foram testados nos últimos anos e, na maioria das vezes, são de alta complexidade por vezes, aparelhos de difícil controle e cujo implante depende de grandes procedimentos. Os dispositivos também são desenvolvidos para serem definitivos ou temporários, servindo como ponte para o transplante cardíaco [2-4].

Nos últimos anos, a liga metálica NITINOL (Niquel Titanium Naval Ordinance Laboratory) utilizada para várias aplicações inicialmente no ramo naval, reconhecida por ser um "smart material" ou SMA (shape memory alloy), vem sendo utilizada na medicina, em várias áreas, como próteses ortopédicas, cardíacas, urológicas e gastrointestinais e aparelhos ortodônticos. Essa liga se comporta como um sistema biológico que converte energia elétrica ou térmica em movimento e contração simulando um "músculo natural" [5-9].

O nitinol tem a característica de recuperar uma forma geométrica definida após alteração da temperatura. Essa capacidade deve-se à modificação da estrutura cristalina da liga metálica após estímulo. Esse material apresenta duas fases para a estrutura cristalina: a martensita, que tem propriedades quase elásticas, permitindo a deformação do material sem danos estruturais, e a fase austenita, que apresenta uma estrutura mais definida e rígida [10,11].

Este trabalho tem como objetivo a descrição de uma endoprótese contrátil, confeccionada com armação de nitinol, ainda em fase de teste laboratoriais "in-vitro", cuja função é aplicar uma pulsação crônica no interior da aorta descendente, de maneira semelhante à produzida pelo balão intra-aórtico, sendo sincronizada com o ciclo cardíaco para assistência circulatória crônica não-invasiva a nível ambulatorial.

 

MÉTODOS

O princípio do dispositivo consiste em alterar a estrutura da endoprótese entre dois estados: relaxado (estrutura martensítica) e ativado (estrutura austenítica), onde a mudança do diâmetro da endoprótese resulta na alteração do volume da mesma, causando ejeção da diferença resultante entre as duas situações (Figura 1).

 

 

A endoprótese pulsátil testada foi construída com uma estrutura metálica de níquel e titânio, concebida por stents independentes com o formato em Z de Gianturco, com estrutura de 13,5 mm de altura e 10 vértices. A estrutura metálica envolvia uma membrana tubular de látex natural, flexível e impermeável, de 0,4 mm de espessura e 28 mm de diâmetro. O fio composto por níquel e titânio utilizado possuía as seguintes características termoelétricas:

• Resistividade: ρe=76μΩ.cm
• Densidade: ρm=6,5g/cm3
• Temperatura de fusão: Tfusão=1310ºC
• Temperatura de transformação total para fase austenítica: Af=60ºC
• Coeficiente de dilatação linear: dl/dT=6,6.10-6/ºC

A alteração da endoprótese foi provocada pela aplicação de corrente elétrica nas estruturas metálicas, que promovia aquecimento e induzia a mudança de forma. Quando estimulada por temperatura ou por eletricidade, a liga parte de sua forma martensítica (relaxada) e retorna à sua fase austenítica (ativada), com sua forma geométrica definida, podendo ser deformada novamente sem danos estruturais.

Inicialmente, a estrutura do stent foi moldada com 10 mm de diâmetro, e depois, com o resfriamento até a temperatura ambiente, expandida para 28 mm de diâmetro. O ciclo representado na Figura 2 ilustra a deformação sofrida pelo stent. No ciclo I, a estrutura sofre a expansão forçada em baixa temperatura, de 10 mm até 28 mm de diâmetro, em temperatura ambiente. No ciclo II, com a aplicação de corrente, há elevação de temperatura da estrutura e ocorre o retorno ao diâmetro inicial, no qual o stent foi moldado. O ciclo então é dividido na etapa de relaxamento (I) e ativação (II).

 

 

A endoprótese pulsátil foi conectada a um tubo de cloreto de polivinila (PVC) de 12,5 mm de diâmetro interno e 500 mm de comprimento. O sistema foi montado no sentido vertical e preenchido com solução fisiológica com corante azul à temperatura ambiente, numa coluna de 400 mm (pressão de 400 mmH2O equivalente a 30 mmHg) (Figura 3).

 

 

As gaiolas produzidas com o fio de níquel e titânio foram conectadas em série e ligadas a um controlador de pulsos e um osciloscópio, para visualização do perfil da corrente elétrica. Esse sistema foi ligado a uma fonte de tensão, que fornecia até 7 amperes de corrente elétrica, com tensão de até 220 Volts (Figura 4).

 

 

O tubo de PVC foi graduado, a fim de se medir o deslocamento de água causado pela contração do stent pulsátil. Com a variação na coluna d'água, pode-se calcular o volume deslocado durante a contração.

A temperatura e a umidade relativa do ar eram, respectivamente, 21,2ºC e 58,3%. Foram realizadas duas sequências de testes: a primeira sequência com uma montagem de 2 gaiolas metálicas recobrindo a membrana de látex e a segunda sequência com 5 gaiolas metálicas.

Na primeira série, com apenas 2 gaiolas (30 mm de comprimento), aplicou-se uma tensão de 16,3 volts e uma corrente de 5 amperes, com pulsos de 1 segundo em intervalos de 0,23 segundo. Os stents estavam ligados em série no sistema de controle e fornecimento de energia.

Em uma segunda sequência de testes, utilizaram-se cinco stents ligados em série, revestindo 80 mm da membrana tubular de látex. Para esse sistema, utilizou-se uma tensão de 15 volts, corrente de 7 amperes, pulso de 2,88 segundos e intervalo de 7,12 segundos entre os pulsos.

 

RESULTADOS

Na primeira sequência de testes, obteve-se o efeito pulsátil dos 2 stents, havendo contração do tubo e deslocamento da coluna d'água suficientes para validar o efeito pulsátil da endoprótese. Os intervalos de tempo ajustados no controlador de pulsos permitiram a contração das armações, bem como seu relaxamento nos intervalos entre os pulsos. Nessa condição, as duas estruturas ejetaram um volume de 2,6 mL por ciclo, com variação de 29 mm na altura da coluna de água, e a variação no diâmetro de 2,2 mm (diâmetro inicial de 28 mm, diâmetro final de 25,8 mm nos 30 mm de comprimento da prótese), equivalente a 8% de contração durante a pulsação (Figura 5).

 

 

Na segunda sequência de testes (cinco stents), obteve-se variação de 61 mm na coluna e volume de 7,4 mL por ciclo (diâmetro inicial de 28 mm, diâmetro final de 25,8 mm nos 80 mm de comprimento da prótese), equivalente a 8% de contração durante a pulsação (Figura 6).

 

 

DISCUSSÃO

O stent contrátil é um protótipo inicial para assistência cardíaca, baseado na tecnologia dos "smarts materials", para o tratamento da insuficiência cardíaca crônica. Os dispositivos de assistência circulatória para o tratamento da insuficiência cardíaca crônica atualmente disponíveis apresentam grande complexidade de manuseio, tanto no momento do implante como no controle ambulatorial. Ao contrário dos motores utilizados nesses dispositivos, os ditos músculos artificiais são leves e consomem pouca energia. A utilização da liga de níquel-titânio para confecção de dispositivos para assistência como músculo artificial abre uma grande perspectiva nesse campo.

Vários materiais foram testados e são utilizados em diversas áreas da medicina, sendo uma classe importante desses os polímeros que têm memória de forma, ou seja, retornam a sua forma quando estimulados, sendo também biocompatíveis. Essa propriedade permite que sejam liberados numa forma compacta e de maneira minimamente invasiva. Esses polímeros são utilizados em próteses ortopédicas e molas para embolização para tratamento dos aneurismas cerebrais [12-15].

Alguns outros materiais passíveis de serem utilizados para esses dispositivos apresentam cada qual uma restrição. Os polímeros em gel, abandonados pelo alto gasto energético, assim como as ligas baseadas em cobalto ou em aço inoxidável, apresentam limitação muito importante que é a pequena deformidade, limitada ao redor de 1%.

Um dos principais motivos para a escolha da liga de nitinol para construção de músculos artificiais se deve ao fato de que o aproveitamento energético parece ser mais eficiente. Além disso, a liga de nitinol tem propriedade superelástica ou pseudoelástica, que permite uma deformidade de mais de 10% [11].

As vantagens e as qualidades da utilização da liga de níquel-titânio na medicina são conhecidas desde 1970, quando os primeiros aparelhos de assistência ventricular foram fabricados. Naquela época, entretanto, grandes problemas não conseguiram ser resolvidos, como a fadiga do material, aquecimento e a fonte de energia para estimulação dos mesmos, porém a liga continuou sendo largamente utilizada como stents autoexpansíveis no tratamento dos aneurismas e dissecções da aorta.

Um dos primeiros trabalhos utilizando essa tecnologia em cardiologia, na atualidade, é o de uma prótese desenvolvida com o objetivo de ajudar na contração atrial. Neste trabalho, chama-se atenção para o fato de que não existe necessidade de se utilizar um motor, pois a liga se contrai por si só. No campo da fibrilação atrial, o dispositivo feito já se mostra como uma realidade, provando que realmente gera débito atrial para o ventrículo, podendo até serem utilizados dois dispositivos para assistência biatrial. O dispositivo auxiliar melhora a fração de ejeção do átrio direito em 7% durante a estimulação rápida, simulando uma contração atrial [16].

O dispositivo testado, pelos parâmetros observados no laboratório, permite que as pesquisas continuem, pois o volume ejetado obtido foi de 7,4 mL por ciclo, o que nos faz prever um volume de 595,2 mL quando ajustado a uma frequência de 80 batimentos por minuto. Isso corresponde a 10% do débito cardíaco aproximado de um adulto normal. Essas medidas foram produzidas com a utilização de um stent de 80 mm de comprimento e 28 mm de diâmetro, com uma contração de apenas 8%.

Exemplo:

7,44mL x 80bpm = 595,2 mL/minuto

Débito cardíaco = 70 mL por batimento x 80 bpm = 5600 mL/minuto

Auxilio: 595,2 mL/5600mL = 10,6% de auxílio

A amplitude de contração do material depende da escolha da proporção entre níquel e titânio na liga, da espessura do fio utilizado, da geometria do stent e do comprimento da endoprótese que se deseja implantar. Todas essas características influenciam na eficiência do dispositivo e a energia necessária para o funcionamento depende desses fatores.

O sistema motor biológico foi tão bem sucedido durante a evolução que tem sido adotado por todos os tipos de músculos estriados (músculos esqueléticos e coração). No sarcômero, as fibras musculares se contraem a partir do deslizamento da actina e miosina, diferentemente da contração gerada através da liga proposta, onde o encurtamento se dá pela mudança da estrutura molecular do material. O desempenho mecânico máximo de todos os músculos naturais varia entre 40 e 200 Watt por kilo de músculo, sendo que a eficiência do desempenho em relação ao consumo de trifosfato de adenosina (ATP) é de cerca de 50%. Nesses testes realizados, obteve-se eficiência na conversão de energia elétrica em ejeção de líquido bastante baixa, de aproximadamente 1%. A baixa eficiência é decorrente da liga utilizada, que precisa ter sua temperatura elevada até 80ºC para ter sua memória de forma ativada. Com a utilização de uma liga com transformação em temperaturas de cerca de 43ºC, a quantidade necessária de energia cai drasticamente, diminuindo o consumo energético e aumentando a eficiência, o que será realizado em futuros testes.

A estimulação da liga para que haja contração é outro ponto de discussão importante, pois a energia necessária deverá idealmente ser fornecida por um gerador semelhante ao do nosso conhecido marca-passo ou desfibrilador. Nos trabalhos realizados para confecção de prótese contrátil atrial, utilizou-se corrente elétrica intermitente de 10 volts, 300 mA e 100 ms. Já em próteses contráteis para o esôfago [11], o estímulo foi de 500 mA com 5 volts. Neste estudo, utilizaram-se correntes e tensões maiores (16V e 5A), devido à característica da liga testada e sua ativação aos 80ºC.

Outro a ponto a ser interrogado quando pensamos em utilizar essas próteses é a durabilidade do material sendo submetido à fadiga (contração) em longo prazo. Nos stents de aorta de última geração confeccionados com níquel-titânio, não se encontra fratura do material, mesmo quando observado que existe um movimento pulsátil da endoprótese acompanhando o movimento da parede da aorta. A propriedade contrátil pós-implante também poderá ser alterada, tendo em vista a interação da mesma prótese com a parede da aorta e sua consequente reação inflamatória e a alteração a longo prazo da estrutura cristalina da liga, com perda da capacidade de movimentação. Futuros testes deverão provavelmente incluir um revestimento.

Para que o funcionamento da endoprótese contrátil seja similar ao de um balão intra-aórtico de 40cc, é preciso aperfeiçoar o projeto, com a utilização de uma composição da liga de memória de forma que seja mais eficiente do ponto de vista energético para trabalhar na temperatura fisiológica, que apresente maior rigidez estrutural em sua forma ativada para conseguir maior contração. Para finalidade de exemplo, uma endoprótese de 28 mm de diâmetro quando relaxada e com 130 mm de comprimento precisa contrair até 17 mm, representando uma complacência de 40%. Ainda é possível sincronizar o funcionamento dos stents pulsáteis individuais que compõem a prótese para permitir que ela seja unidirecional ou bidirecional, dirigindo o fluxo sanguíneo para as artérias coronárias e carótidas ou dividindo-os entre as arteriais viscerais e as supra-aórticas e coronárias.

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos comprovam a contratilidade da endoprótese pulsátil ativada pela aplicação de corrente elétrica. A continuidade do estudo e aperfeiçoamento do material se fazem necessários para obtenção de um modelo mais eficiente do ponto de vista energético e com maior pulsação, para permitir volumes de ejeção comparáveis aos balões intra-aórticos utilizados na rotina médica para auxílio circulatório.

Se a expectativa for confirmada, poderemos ter uma assistência circulatória ambulatorial não-invasiva, com indicações e eficiência do balão intra-aórtico.

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Article receive on quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

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