DOI: 10.5935/1678-9741.20130045
Sobre Saúde e Doença
Na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários da Saúde, realizada em Alma-Ata, capital do Cazaquistão (na época componente das Repúblicas Socialistas Soviéticas da Rússia), no período de 6 a 12 de setembro de 1978, da qual participaram representantes de 136 países e mais de 64 organizações especializadas, foi elaborada a famosa Declaração de Alma-Ata:
I. A Conferência reforça que Saúde é estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde.
II. A chocante desigualdade existente no estado de saúde dos povos, particularmente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como dentro dos países, é política, social e economicamente inaceitável, e constitui, por isso, objeto da preocupação comum a todos os países.
Esses são os dois primeiros itens da declaração entre os dez que a completam. As metas a serem atingidas estavam programadas para todos os povos do mundo a partir da próxima década até o ano de 2000.
Por meio desse documento, os responsáveis pela saúde básica da população de seus países iniciaram um processo de evolução e transformação em suas ideias sobre a saúde pública. Isso provocou novas conferências para que o assunto fosse mais elaborado de acordo com as possibilidades de cada país, onde se destacam a "Carta de Ottawa" (Canadá), "Declaração de Adelaide" (Austrália), "Declaração de Sundsvall" (Suécia) e "Carta de Bogotá" (Colômbia), entre outros.
A revista médica inglesa de prestígio mundial "The Lancet" publicou em seu volume 380, número 9859, de 15 de dezembro de 2012, uma série de artigos sobre as doenças da década entre 1990 e 2010. Os estudos foram publicados segundo as informações recebidas do GBD 2010 (Global Burden of Disease Study), Estudo da Carga Global de Doença 2010.
O GBD 2010 é composto por centros de excelência no mundo, tais como Universidade de Harvard, Instituto de Métrica e Avaliação da Saúde da Universidade de Washington, Universidade Johns Hopkins (Estados Unidos da América), Universidade de Queensland (Austrália), Imperial College de Londres (Inglaterra), Universidade de Tóquio (Japão) e Organização Mundial da Saúde. O Banco Mundial patrocinou o programa, que foi apoiado pela Fundação Bill & Melinda Gates.
Concluímos com apenas três dentre as várias informações do estudo:
1. Houve queda da mortalidade das crianças até cinco anos de idade.
2. As mortes por acidente de trânsito aumentaram quase 50%.
3. A expectativa de vida para as pessoas aumentou, ultrapassando os 70 anos na maioria dos países, porém essa população ficou mais sujeita a doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio, hipertensão arterial sistêmica), neoplásicas (câncer), cerebrovasculares (derrames), oftalmológicas, traumato-ortopédicas, renais e diabetes, entre outras.
Segundo as propostas relatadas, os cuidados primários de saúde conduzidos por governos capacitados produziram resultados satisfatórios, porém a doença não está tendo a mesma atenção, em virtude da inoperância dos governos para que a longevidade do ser humano seja digna e feliz.
Voltaremos ao assunto.
Jauro Collaço
Cirurgião cardiovascular, Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Florianópolis, SC
Modificação técnica para conexão total cavopulmonar em uma menina de 9 anos: 20 anos de pós-operatório
Introdução
A anastomose látero-lateral entre a veia cava superior e o tronco da artéria pulmonar com exclusão do átrio direito para conexão total cavo-pulmonar foi por nós descrita, em 1993, como modificação técnica nos casos de atresia tricúspide ou ventrículo único associados a transposição das grandes artérias [1]. Em ambos os casos, o tronco da artéria pulmonar posiciona-se muito próximo da veia cava superior, permitindo uma única e ampla anastomose. Essa modificação técnica, que substitui a dupla anastomose cavo-pulmonar, foi realizada em uma menina de 9 anos, estando atualmente, com 29 anos.
O objetivo deste relato é apresentar a excelente evolução clínica e laboratorial dessa paciente [2].
Relato do caso
Uma paciente de 9 anos de idade, em classe funcional IV de acordo com New York Heart Association (NYHA) foi internada no Hospital Evangélico de Londrina com cianose perioral e de extremidades, em repouso. O hematócrito era de 60% e o nível sanguíneo de hemoglobina de 18,9 g/100 ml.
A paciente apresentava atresia da valva tricúspide associada a transposição das grandes artérias e havia sido submetida a cerclagem da artéria pulmonar aos 21 dias de idade. O ventrículo esquerdo era bem desenvolvido; a artéria pulmonar era dilatada e posicionava-se atrás da aorta, próxima à face medial da veia cava superior.
A indicação cirúrgica foi de uma conexão total cavo-pulmonar.
Foi estabelecida circulação extracorpórea, moderadamente hipotérmica, com canulação bicaval, sendo a da veia cava superior, próxima à veia inominada.
Após pinçamento da aorta e proteção miocárdica (cristaloide), o átrio direito foi aberto e realizado um túnel intra-atrial com pericárdio bovino conservado em glutaraldeído, conectando a veia cava inferior à veia cava superior, aproveitando-se parte da parede atrial. Um orifício de, aproximadamente, 3 mm foi deixado na porção intra-atrial do tubo, para uma eventual descompressão. O remanescente septo interatrial foi ressecado, obtendo-se, praticamente, um átrio único e o tronco da artéria pulmonar foi ligado junto à prévia cerclagem, separando-a, assim, do ventrículo esquerdo.
A proximidade do tronco da artéria pulmonar (dextroposta) à veia cava superior sugeriu-nos a possibilidade de realização de uma ampla e única anastomose entre ambas, ao invés da dupla anastomose [3,4]. Duas incisões longitudinais foram realizadas, uma no tronco da artéria pulmonar e outra na face medial da veia cava superior desde a veia inominada, até 1 cm de sua entrada no átrio direito. Uma anastomose entre essas duas bocas foi realizada com uma sutura contínua com fios de polipropileno 5-0 (Figura 1).
O pós-operatório evoluiu sem intercorrências e a paciente deixou o hospital no décimo dia de pós-operatório, em boas condições hemodinâmicas e sem cianose. A cineangiografia demonstrava excelente fluxo de contraste da veia cava para o tronco da artéria pulmonar e seus ramos.
A paciente tem sido acompanhada ambulatorialmente, estando 20 anos após a cirurgia com 1,70 m de altura, em excelente estado geral, classe funcional I, sem cianose, sem estase jugular, hepatomegalia ou edema de membros inferiores. Trabalha oito horas por dia como balconista, fazendo seu trajeto residência-trabalho de bicicleta.
Há um ano teve uma gravidez a termo, sem sinais ou sintomas de insuficiência cardíaca, porém, apesar de adequado acompanhamento clínico-laboratorial, a criança faleceu, tendo como causa a hipertensão pulmonar.
A paciente foi submetida a exames laboratoriais que revelaram: hematócrito de 45%, hemoglobina 14,9 g/100 ml e 5,37 milhões de hemácias /100 ml. A gasometria arterial demonstrou pressão parcial de oxigênio de 53 mmHg e saturação de oxigênio de 89,7% em ar ambiente.
O ecocardiograma bidimensional com Doppler colorido transtorácico, realizado aos 20 anos de pós-operatório, demonstrou fluxo laminar em veia cava inferior (0,2 m/s), em veia cava superior (0,5 m/s) e no local das anastomoses (0,58 m/s). O tronco pulmonar mede 26 mm e a aorta ascendente, 20 mm, há função sistólica normal de ventrículo esquerdo e ausência de regurgitação mitral.
A angiotomografia demonstrou ampla anastomose (30,5 x 30,8 mm) entre a veia cava superior e o tronco da artéria pulmonar dextroposta (Figuras 2 e 3).
O exame de eletrocardiografia dinâmica (Holter de 24 horas) registrou ritmo sinusal, frequência cardíaca média de 72 bpm, intervalos PR dentro dos limites da normalidade, complexos QRS variando até o limite superior da normalidade, e atividade ectópica supraventricular Isolada, conduzida e rara (5 batimentos).
Discussão
As alterações anatomopatológicas que propiciaram a realização da anastomose látero-lateral entre a face medial da veia cava e o tronco da artéria pulmonar foram a dextroposição desta última e seu grande diâmetro. Este está quase sempre presente nos casos de atresia tricúspide ou ventrículo único, em decorrência do hiperfluxo pulmonar, ou acentuado após a realização de uma cerclagem da artéria pulmonar ou mesmo quando da presença de uma estenose pulmonar associada. Portanto, nesses casos existe grande aproximação das estruturas, tornando extremamente fácil a realização dessa anastomose. Maior facilidade é obtida se a veia cava superior for dissecada amplamente, incluindo a artéria inominada, a artéria pulmonar e os ramos pulmonares.
A área da anastomose obtida com essa técnica supera facilmente a somatória das áreas quando se emprega a dupla anastomose cavo-pulmonar proposta por Lins et al. [2], em 1982, e difundida por DeLeval et al. [3], em 1988. O fluxo sanguíneo proveniente das veias cavas para o tronco da artéria pulmonar promove uma excelente distribuição aos seus ramos, observada ao ecodopplercardiograma e muito bem visibilizada pela angiotomografia computadorizada no caso aqui reportado. Mais ainda, a cerclagem da artéria pulmonar realizada aos 21 dias de vida protegeu a rede vascular pulmonar de modo a apresentar tardiamente pressões arteriais baixas.
A consequência disso tem sido o desenvolvimento físico normal da paciente aos 20 anos de pós-operatório e seu excelente estado clínico (classe funcional I), apesar da discretíssima insaturação no seu sangue arterial (89,7%). Uma gravidez a termo, sem qualquer sinal de insuficiência cardíaca, também confirmou o bom estado clínico descrito acima.
Em conclusão, os excelentes resultados tardios observados em nossa paciente permitem-nos afirmar ser essa modificação técnica uma boa opção para o tratamento cirúrgico de pacientes com atresia tricúspide.
Francisco Gregori Junior1; Marcia Thomson2; Roberto Jonathas Lopes Menescal3; Celso Otaviano Cordeiro4; Alexandre Noboru Murakami4; Rogério Toshio Teruya4
IProfessor Associado, chefe da Disciplina de Cirurgia Cardíaca do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
IICardiologista pediátrica, ecocardiografista infantil, responsável pelo Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
IIICardiologista e especialista em Imagem Cardiovascular da Ultramed e do Hospital Evangélico de Londrina, Londrina, PR, Brasil
IVCirurgião cardiovascular do Hospital Evangélico de Londrina, Londrina, PR, Brasil
REFERÊNCIAS
1. Gregori F Jr, Silva SS, Ribeiro IA, Cordeiro CO, Couto WJ. Modified technique for total cavopulmonary connection. Ann Thorac Surg. 1994;57(6):1649-51.
2. Croti UA, Braile DM, Godoy MF, Avona FN. Glenn bidirecional com cianose precoce por conexão veno-venosa pela veia hemiázigo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(1):94-7.
3. Lins RF, Lins MF, Cavalcanti C, Miranda RP, Mota JH. Orthoterminal correction of congenital heart diseases: double cava-pulmonary anastomosis. J Thorac Cardiovasc Surg. 1982;84(4):633-5.
4. DeLeval MR, Kilner P, Gewillig M, Bull C. Total cavopulmonary connection: a logical alternative to atriopulmonary connection for complex Fontan operations. Experimental studies and early clinical experience. J Thorac Cardiovasc Surg. 1988;96(5):682-95.
Dr. Paulo Pêgo Fernandes é o novo Professor Titular de Cirurgia Torácica da Faculdade de Medicina da USP
No dia 4 de junho de 201s3, o Dr. Paulo M. Pêgo Fernandes foi aprovado para o cargo de Professor Titular de Cirurgia Torácica da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), anteriormente ocupado pelo Prof. Fabio B. Jatene. O concurso constou de análise de memorial, prova oral de erudição e prova publica de arguição. A prova de erudição versou sobre Transplante Pulmonar, tendo sido realizada no Teatro da FMUSP, que estava lotado. O Prof. Paulo Pêgo Fernandes teve ótimo desempenho, sendo muito aplaudido no final de sua exposição.
A prova pública de arguição foi na sala da Congregação da FMUSP, que também estava lotada. Várias perguntas foram formuladas pela banca examinadora, composta pelos Profs. José Eduardo Krieger, Samir Rasslan, Henrique Murad, Roberto Saad Junior e José Osmar Medina Pestana e a arguição transcorreu em altíssimo nível.