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COMUNICAÇÃO BREVE

O uso de recursos virtuais na preparação pré-operatória de aneurismas infrarrenais: explorando o potencial do OsiriX

Giovani Jose Dal Poggetto MolinariI; Andréia Marques de Oliveira DalbemI; Ana Terezinha GuillaumonII

DOI: 10.5935/1678-9741.20140065

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

DICOM: Digital Imaging and Communications in Medicine

AAA: Aneurisma de aorta abdominal

MPR: Reconstrução multiplanar

MIP: Projeção de intensidade máxima

3D: Tridimensional

TC: Tomografia Computadorizada

INTRODUÇÃO

Desde os últimos anos, tem crescido o interesse dos cirurgiões vasculares com prática em cirurgia endovascular na utilização de softwares de manipulação de imagens DICOM (Digital Imaging and Communications in Medicine) em tomografias computadorizadas (TC), principalmente quando se refere à sua utilização no preparo pré-operatório endovascular dos aneurismas de aorta abdominal (AAA) infrarrenais.

Com a adoção de protocolos de alta resolução em equipamento de tomografias multislice e a maior disponibilidade de aplicativos de reconstruções, o pós-processamento das imagens tornou-se uma grande ferramenta que auxilia a interpretação e documentação das alterações, melhorando a produtividade e a precisão das informações.

Nos equipamentos de múltiplos canais de detectores, os sistemas eficientes de transmissão, o processamento e o armazenamento de dados e a refinada engenharia possibilitam a redução do tempo de aquisição e a melhora da resolução espacial no eixo longitudinal das imagens. Esta última é dependente do tamanho do voxel (unidade de volume de menor ponto em uma imagem digital), que por sua vez é definido pela espessura do corte[1].

Atualmente, a TC representa uma das mais importantes modalidades de diagnóstico e de acompanhamento das afecções vasculares; e sua performance se deve às resoluções espacial e temporal, associadas à atenuação característica do lúmen vascular obtida pela administração do meio de contraste venoso. Não há tipo de reconstrução que seja mais efetiva que a outra, mas todos têm suas características e indicações, sendo frequentemente necessária a utilização de mais de um para a demonstração adequada de uma afecção[1]. Cortes tomográficos mais finos permitem que a reconstrução tridimensional atinja um nível de excelência em detalhamento e qualidade, utilizando volumes cada vez menores de contraste iodado em razão da maior velocidade de captação da imagem obtida[2].

A exposição do doente a um menor volume de contraste iodado possível é uma das preocupações mais presentes durante o planejamento e a execução da correção endovascular do aneurisma, visto que a incidência de nefropatia induzida por contraste em pacientes vulneráveis - portadores de disfunção renal prévia, nefropatia diabética, desidratação, hipotensão, insuficiência cardíaca, octagenários, entre outros - pode variar de 12 a 50%. É definida como um aumento de 25% na creatinina sérica basal e, usualmente, é transitória. Todavia, pode levar a desfechos clínicos indesejáveis, tais como hospitalização prolongada, complicações clínicas durante a internação e aumento da mortalidade hospitalar. Enquanto o risco de nefropatia é dose-dependente, recomenda-se que em pacientes com taxa de filtração glomerular menor que 60% o volume de contraste administrado seja inferior a 100 ml[3].

Sendo assim, podemos supor que quanto maior o número de informações são extraídas do exame tomográfico e de sua reconstrução tridimensional, menor é a necessidade de exposição ao contraste durante o período intraoperatório, assim como menor é a exposição do paciente e da equipe cirúrgica à radiação ionizante.

Acreditamos que além da mensuração precisa - como diâmetros, comprimentos e angulações[1] - e da análise das características do aneurisma, é possível obter-se um maior aproveitamento das informações, como posicionamento topográfico das artérias viscerais e suas respectivas referências de visualização radioscópica, visto que a reconstrução de cortes tomográficos de espessuras menores permite a reprodução virtual digitalizada do doente e sua afecção[4].

 

MÉTODOS

Divulgam-se aqui os resultados iniciais da análise da viabilidade da manipulação de imagens tomográficas em software (OsiriX MD) com o uso da fluoroscopia virtual. Esta técnica apresenta alcance prático com fácil incorporação na rotina de planejamento endovascular. Temos-na utilizado como auxiliar na previsão do posicionamento intraluminal dos cateteres angiográficos e do aparelho de radioscopia durante as correções endovasculares de aneurismas de aorta. Reúne-se uma série de casos de 14 estudos, com resultados promissores. Descrevem-se os passos para a elaboração da configuração de fluoroscopia virtual e ilustrações da técnica empregada em dois dos nossos casos.

Foram analisadas tomografias multicanais de doentes submetidos à correção endovascular de AAA infrarrenal no Centro de Alta Complexidade em Cirurgia Endovascular da Universidade Estadual de Campinas, de agosto a dezembro de 2013.

Utilizou-se de reconstrução tridimensional multiplanar através de software de manipulação de imagens DICOM (OsiriX MD) em análise de aneurismas em série de imagens com cortes tomográficos finos de 1 a 3 mm, meio de contraste iodado intravenoso em fase arterial.

Inicialmente, realizaram-se marcações nas artérias renais em projeções axiais, por meio do comando point. Este recurso também sinaliza o voxel na imagem examinada, de forma que é representado posteriormente em qualquer visualização, seja axial ou por reconstrução tridimensional por volume ou multiplanar (Figuras 1 e 2).

 

 

Em uma reconstrução 3D por renderização de volume, utilizando-se a reconstrução pré-definida Bone CT e Pencil, é possível modificar-se valores tomográficos de windowing (janelamento), CLUT (tabela de consulta de cores) e shading que por sua vez definem o brilho, o contraste e a gama de coloração da imagem (Figura 3). A esta configuração, foi atribuído o nome de Virtual Fluoroscopy e reeditado em outras plataformas OsiriX, obtendo-se sempre a mesma imagem bidimensional em um mesmo volume tomográfico, tornando-se assim um formato reprodutível.

 

Uma vez submetida a série de imagens à uma reconstrução por meio do software - com sinalização prévia do voxel através do point - este é representado nas imagens tridimensionais e multiplanares, permitindo o estudo mais detalhado do ponto de referência em ângulos inusitados da anatomia humana e sua topografia.

As imagens e posicionamentos alcançados foram reproduzidas no intraoperatório, revelando-se serem equivalentes (Figuras 1 e 2).

 

DISCUSSÃO

A reconstrução por volume trata os coeficientes de atenuação do voxel em uma escala de cores e o grau de opacidade (transparência) ao longo dos eixos. Ela preserva a informação de profundidade, demonstrando melhor distribuição espacial das estruturas. Em uma reconstrução tradicional, este efeito tridimensional é realçado pela luminosidade (shading)[1].

A manipulação destes dados (da distribuição de dose irradiada em uma superfície) permite a visualização da projeção de intensidade máxima (MIP), que demonstra o voxel mais denso (com maior coeficiente de atenuação) - onde se visualizam como opacas áreas de alto contraste (como as superfícies ósseas) e como transparentes valores de baixa atenuação (partes moles). Mesmo que no plano exposto exista superposição a estruturas que competem com a densidade da aorta, este é um efeito desejável, quando o objetivo é uma reconstrução tridimensional que simule uma fluoroscopia biplanar simples em escala de cinza da área estudada.

O posicionamento ideal do aparelho de radioscopia durante o procedimento cirúrgico pode ser diferente do esperado durante o estudo pré-operatório, na medida em que o colo do aneurisma possivelmente se encurte ou alongue acima do esperado. Entretanto, é descrito que embora a angulação do colo do aneurisma possa ser modificada, o posicionamento angular das artérias renais não se modifica, mesmo sob a influência dos fios guias inseridos ou da própria endoprótese[6].

Desta forma, orientados pelas marcações iniciais das artérias renais, pode-se prever minuciosamente o seu posicionamento anatômico em relação à sua visualização sob fluoroscopia, bem como estimar a localização do colo do aneurisma, considerado o ponto inicial para determinar o posicionamento intraoperatório do arco cirúrgico e dos cateteres angiográficos intraluminais.

Adicionalmente, pode-se associar correções das projeções de angulação antero-posterior e rotacional do colo, visto que a tortuosidade dos aneurismas provoca alterações típicas na anatomia do paciente e que são particularmente desafiadoras no tratamento endovascular. Outrossim, a antecipação do correto posicionamento e centralização do aparelho de radioscopia com o uso desta técnica permite a obtenção da imagem com o mínimo de interferência do efeito parallax (onde há diferença na posição aparente de um objeto quando visualizado sob planos de sobreposição).

Com isso, acreditamos que é possível, por meio da fluoroscopia virtual sob manipulação das imagens DICOM em software, estimar o posicionamento topográfico das artérias renais em imagem bidimensional intraoperatória (angiografia e fluoroscopia). Da mesma forma, ao reproduzir tomograficamente uma fluoroscopia virtual, consegue-se reduzir o número de angiografias intraoperatórias na tentativa de se obter a melhor imagem angiográfica bidimensional que forneça a localização das artérias renais e do colo do aneurisma.

Quanto mais próxima da reprodução angiográfica for essa visualização virtual da fluoroscopia, mais cuidadosa é a procura do cirurgião pelo posicionamento das artérias renais, melhor é o aproveitamento do colo do aneurisma para a fixação e selamento da endoprótese, sendo mais precisa a sua liberação ao passo em que menor é o volume total de contraste utilizado, reduzindo sobrecarga renal em pacientes vulneráveis.

Cada vez mais, descobrem-se novos modos de adaptação deste software ampliando a sua utilização para novas tarefas. Nossa proposta é criar familiaridade do profissional e estimular a prática desmistificada deste programa de computador, uma ferramenta essencial na programação cirúrgica, na qual cada vez mais os procedimentos são guiados por imagens.

REFERÊNCIAS

1. Kuroki IR, Magalhães FV, Rizzi P, Coreixas IMH. Angiotomografia. In: Brito CJ, ed. Cirurgia Vascular: cirurgia endovascular, angiologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2013. p.438-96.

2. Ferreira MMV, Freitas AJ, Coelho LH, Zaniolo MRM, Sá J. Aneurismas da Aorta Torácica e Toracoabdominal - Tratamento Endovascular. In: Brito CJ, ed. Cirurgia Vascular. 3rd ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2013. p.689-736.

3. Ribeiro PCA, Ribeiro MJS. Meios de contraste. In: Lobato AC, org. Cirurgia Endovascular. 2nd ed. São Paulo: Instituto de Cirurgia Vascular e Endovascular de São Paulo; 2010. p.39-58.

4. Pitoulias GA, Donas KP, Schulte S, Aslanidou EA, Papadimitriou DK. Two-dimensional versus three-dimensional CT angiography in analysis of anatomical suitability for stentgraft repair of abdominal aortic aneurysms. Acta Radiol. 2011;52(3):317-23. [MedLine]

5. Blankensteijn JD, Kool LJS. Computed Tomography. In: Cronenwett JL, Johnston KW et. al. Rutherford's Vascular Surgery. 7th ed. Philadelphia: Elsevier Inc.; 2010. p.329-43.

6. van Keulen JW, Moll FL, van Herwaarden JA. Tips and techniques for optimal stent graft placement in angulated aneurysm necks. J Vasc Surg. 2010;52(4):1081-6. [MedLine]

Não houve suporte financeiro.

Papéis & responsabilidades dos autores

GJDPM: Análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo

AMOD: Realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo

ATG: Aprovação final do manuscrito; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo

 

Article receive on segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

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