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RELATO DE CASO

Dilatações gigantes das artérias coronárias em paciente assintomático

Enisa de Miranda de Freitas CarvalhoI; Tomas A SalernoII; Kevin CoyIII

DOI: 10.1590/S0102-76382009000400025

INTRODUÇÃO

Dilatação gigante de quatro artérias coronárias constitui um achado angiográfico raro. A patogênese desta condição não é muita bem entendida. Estratégias terapêuticas, incluindo a necessidade de realização de intervenção cirúrgica e o momento mais adequado para cirurgia, não são muito claras, especialmente em pacientes assintomáticos. O objetivo do presente relato é descrever o caso de um paciente com dilatação de quatro artérias coronárias. Pelo nosso conhecimento, não há relato prévio na literatura de caso semelhante a este.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 41 anos, afro-americano com história de insuficiência renal crônica estágio 5, secundária a hipertensão. O paciente foi submetido a um transplante renal em 1996, que falhou em 2003, estando sob hemodiálise desde então. O paciente negava antecedentes pessoal ou familiar de doença cardiovascular, tabagismo, diabetes melito, dislipidemia ou infarto do miocárdio. O paciente também negava precordialgia, dispnéia, ortopnéia, dispnéia paroxística noturna, palpitação ou fadiga. A história clínica e os exames laboratoriais não sugeriram arterites como doença de base relacionada ao quadro de dilatação das artérias coronárias. Em 2007, o paciente foi encaminhado para avaliação cardíaca de risco cirúrgico antes de ser submetido a um segundo transplante renal.

Ele apresentava os seguintes exames, realizados em agosto de 2006: eletrocardiograma de repouso que demonstrou ritmo sinusal regular, ausência de progressão de onda-R, e hipertrofia do ventrículo esquerdo com padrão strain; teste cardíaco de estresse e ecocardiograma não demonstraram evidência de isquemia induzida por exercícios, porém este último revelou cardiomiopatia dilatada com fração de ejeção do ventrículo esquerdo entre 35% e 40%. O ecocardiograma de estresse de novembro de 2007 atingiu 78% da frequência cardíaca máxima com ausência de dor torácica, ausência de alterações isquêmicas e de alterações na mobilidade das paredes cardíacas, aumento da fração de ejeção de 15% acima dos valores normais (sugerindo ausência de evidência de isquemia induzida por exercício), ausência de arritmia, e capacidade funcional normal. Como o ecocardiograma de estresse não foi conclusivo, o paciente foi então encaminhado para realização de angiografia coronária.

A angiografia coronária realizada em dezembro de 2007 demonstrou intensa calcificação das artérias coronárias. A artéria coronária direita era o vaso dominante com dilatação considerável (7,39 mm) e sem estenose significante (Figura 1). A artéria coronária esquerda apresentou grande calibre (6,45 mm). A artéria coronária descendente anterior possuía um segmento com intensa dilatação (11,46 mm) com dois a três centímetros de extensão, com calcificação na porção média e estreitamento grave na porção distal do segmento dilatado, quando comparado ao calibre normal da artéria. A artéria coronária circunflexa similarmente possuía grande dilatação (7,16 mm), sem estenose significante. A fração de ejeção total foi 40%. Não havia regurgitação mitral significante (Figura 2).


Fig. 1 - Angiografia coronária demonstrando a artéria coronária direita com grande dilatação


Fig. 2 - Angiografia coronária demonstrando as artérias coronárias esquerda, descendente anterior e circunflexa com dilatações consideráveis



A avaliação hemodinâmica demonstrou pressão diastólica final no ventrículo esquerdo notadamente elevada. Como foi feito diagnóstico de dilatação coronariana, e a revascularização não levaria a uma resolução do quadro, o paciente recebeu autorização da equipe de cardiologia para ser submetido ao transplante de rim, e foi orientado a fazer seguimento criterioso com cardiologista partir de então. Sendo o paciente portador de calcificações coronarianas, a aterosclerose pareceu-nos a causa etiológica mais provável.


DISCUSSÃO

O advento do cateterismo cardíaco permitiu a realização do diagnóstico da dilatação das artérias coronárias in vivo. Há uma diferença entre ectasia de artérias coronárias e o aneurisma de artérias coronárias, embora provavelmente sejam a manifestação do mesmo processo patológico [1]. Os aneurismas coronarianos possuem várias definições, mas a mais aceita é o aumento focal do diâmetro que excede 1,5-2 vezes [2] o segmento adjacente "normal". O aneurisma pode ser sacular ou fusiforme. Aneurisma sacular é definido como o aneurisma com a dimensão transversal maior que a dimensão longitudinal do segmento, enquanto aneurisma fusiforme é o aneurisma com dimensão longitudinal de pelo menos 200% de sua dimensão transversa [3].

Este paciente não pode ser classificado como portador de aneurisma coronariano, visto que ele não possui uma dilatação focal, ao invés disso, possui dilatação difusa das artérias coronárias. Um estudo avaliou um grande grupo de 20.087 pacientes com aneurisma de artérias coronarianas [4] e nenhum paciente apresentou mais de três vasos com aneurismas. Ectasia de artérias coronárias (EAC) é definido como uma dilatação localizada ou difusa nas artérias coronarianas. A ectasia é considerada difusa quando acomete mais de um segmento na mesma ou diferente artéria e localizada quando um único segmento arterial é acometido [4]. EAC é diagnosticada quando um segmento da artéria é maior que 1,5 vezes do diâmetro do segmento da artéria adjacente normal [5]. Nós classificamos este caso com base na classificação proposta por Markis et al. [6], modificado por Nyamu et al. [7] sobre ectasia de artéria coronariana (Tipo I: ectasia difusa isolada, Tipo II: ectasia difusa e localizada em combinação, Tipo III: ectasia localizada isolada; Tipo IV: envolvimento do tronco da artéria coronária esquerda; sendo IVb envolvimento concomitante de outros vasos) e o paciente foi classificado como tipo IV. Usando a classificação proposta por Markis et al. [6], modificado por Harikrishnan et al. [1] (Tipo I: ectasia difusa de dois ou três vasos; sendo Ia difusa em três vasos, Tipo II: ectasia difusa em um vaso e localizada em outro, Tipo III: ectasia difusa em um vaso; Tipo IV: ectasia localizada em um, dois ou três vasos) e o paciente foi classificado como tipo Ia.

No entanto, como o paciente apresentava dilatação difusa em quatro vasos (artérias coronárias esquerda principal, descendente anterior, circunflexa e artéria coronária direita), enfatizamos que normalmente a avaliação do tronco da coronária esquerda é feita separadamente e, dessa forma, o caso relatado possui quatro coronárias dilatadas, o que é um fato raro. A prevalência encontrada nos estudos sobre ectasia das artérias coronarianas de pacientes com classificação IVb (Markis et al. [6], modificado por Nyamu et al. [7]) é de 3,73% e de pacientes com classificação I (a+b) (Markis et al. [6], modificado por Harikrishnan et al. [1]) é de 5,8% [8]. O pequeno número de casos como esse encontrado nos estudos e na literatura torna difícil determinar o melhor tratamento para o caso relatado. Entretanto, estudos [1,3,6] sobre ectasia de artéria coronariana recomendam que o atual tratamento para dilatação de artérias coronárias deveria incluir um método de terapia para cada complicação em potencial supramencionada. O regime apropriado inclui: (1) anticoagulação para minimizar o risco de formação de trombo, (2) terapia antiplaquetária, (3) terapia com bloqueador de canal de cálcio para evitar espasmo das artérias coronárias (deve ser evitado o uso de beta bloqueadores, que pode levar ao espasmo das artérias coronárias em decorrência de uma sobreposição dos receptores alfa). Nitratos também podem ser utilizados. Uma vez que este caso é sobre dilatação difusa de todas as artérias coronárias, nós temos a escolha do tratamento recomendado para ectasia de artéria coronariana como profilaxia. A raridade de quatro artérias coronárias com ectasia dificulta o estabelecimento de uma diretriz sobre tratamento conservador versus abordagem cirúrgica.


REFERÊNCIAS

1. Harikrishnan S, Krishnakumar N, Jaganmohan T. Coronary artery ectasia: is it time for a reappraisal? Clin Cardiol. 2007; 30(10): 536. [MedLine]

2. Robinson FC. Aneurysms of the coronary arteries. Am Heart J. 1985; 109(1): 129-35. [MedLine]

3. Harikrishnan S, Sunder KR, Tharakan J, Titus T, Bhat A, Sivasankaran S, et al. Coronary artery ectasia: angiographic, clinical profile and follow-up. Indian Heart J. 2000; 52(5): 547-53. [MedLine]

4. Swaye PS, Fisher LD, Litwin P, Vignola PA, Judkins MP, Kemp HG, et al. Aneurysmal coronary artery disease. Circulation. 1983; 67(1): 134-8. [MedLine]

5. Hartnell GG, Parnell BM, Pridie RB. Coronary artery ectasia. Its prevalence and clinical significance in 4993 patients. Br Heart J. 1985; 54(4): 392-5. [MedLine]

6. Markis JE, Joffe CD, Cohn PF, Feen DJ, Herman MV, Gorlin R. Clinical significance of coronary arterial ectasia. Am J Cardiol. 1976; 37(2): 217-22. [MedLine]

7. Nyamu P, Ajit MS, Joseph PK, Venkitachalam L, Sugirtham NA. The prevalence and clinical profile of angiographic coronary ectasia. Asian Cardiovasc Thorac Ann. 2003; 11(2): 122-6. [MedLine]

8. Yilmaz H, Sayar N, Yilmaz M, Tangurek B, Çakmak N, Gurkan U, et al. Coronary artery ectasia: clinical and angiographical evaluation. Turk Kardiyol Dern Ars. 2008; 36(8): 530-5. [MedLine]

Article receive on segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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