Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

7

Views

COMO-EU-FAÇO

Experiência com a técnica de ampliação do folheto posterior para correção da insuficiência mitral reumática na infância

Euclides Martins TenórioI; Fernando Moraes NetoII; Sylvain ChauvaudIII; Carlos Roberto Ribeiro de MoraesIV

DOI: 10.1590/S0102-76382009000500019

INTRODUÇÃO

Durante a fase aguda da doença existe extensa miocardite e a insuficiência mitral é resultado da dilatação anular, enquanto os folhetos valvares exibem apenas edema. Com a remissão do quadro agudo, a insuficiência mitral pode regredir completamente, mas, na maioria dos casos, ocorre progressiva fibrose dos folhetos. O folheto anterior é menos afetado, mas o folheto posterior apresenta retração, sendo também comum a retração de cordas tendíneas. Essa é a situação anatômica mais frequente na insuficiência mitral reumática co-existindo também, muitas vezes, dilatação anular [1]. O objetivo do presente trabalho é relatar nossa experiência com a técnica de ampliação do folheto posterior da valva mitral em crianças com febre reumática.


MÉTODOS

No período compreendido entre abril de 2002 e outubro de 2007, 30 crianças portadoras de grave insuficiência mitral reumática (tipo funcional III ou IV segundo a classificação da New York Heart Association) foram submetidas à correção cirúrgica pela técnica de ampliação do folheto posterior [2,3], no Instituto Materno Infantil de Pernambuco Prof. Fernando Figueira (IMIP). Dezessete (56,6%) pacientes eram do sexo masculino, a idade variou de 7 a 16 anos (média: 11,3 anos) e o peso de 18 a 52 kg (média: 30,9 kg). A operação foi realizada através de esternotomia mediana com circulação extracorpórea convencional. Após pinçamento da aorta, realizou-se proteção miocárdica com infusão de solução cardioplégica cristalóide gelada e hipotermia tópica do coração. O átrio esquerdo foi incisado longitudinalmente, junto ao sulco interatrial.

A decisão de reparar a valva baseou-se na avaliação da flexibilidade do folheto anterior. Se o folheto anterior for muito fibrosado ou calcificado a plastia não é aconselhável. Do contrário, ela pode ser feita e a primeira etapa consiste na desinserção do folheto posterior do anel. A incisão deve se estender de comissura a comissura (Figura 1). Examina-se o aparelho subvalvar e cordas secundárias encurtadas devem ser seccionadas. Um enxerto de pericárdio é então preparado: seu comprimento deve ter a distância entre as comissuras e sua largura deve ter cerca de 3 cm, pois parte dele será incluída na sutura. As extremidades do enxerto devem ser cortadas de forma arredondada, tornando o mesmo de forma oval (Figura 2).


Fig. 1 - Desinserção do folheto posterior do anel. A incisão deve se estender de comissura a comissura


Fig. 2 - Extremidades do enxerto cortadas de forma arredondada, tornando o mesmo ovalado



O enxerto é suturado, tanto no anel quanto na borda do folheto posterior (Figura 3), com suturas contínuas de prolene 4-0, evitando-se um espaço grande entre os pontos que venha a permitir regurgitação residual e consequente hemólise.


Fig. 3 - Sutura do enxerto, no anel e na borda do folheto posterior



Ao final da operação, o enxerto de pericárdio deve constituir o corpo do folheto posterior ao qual o folheto anterior se cooptará durante a sístole. É importante que a área de cooptação entre os folhetos tenha, no mínimo, 8 mm. Quando existe dilatação do anel mitral, a operação é completada pela colocação de um anel de Carpentier (Figura 4).


Fig. 4 - Colocação de um anel de Carpentier, usado em casos de dilatação do anel mitral



Seis pacientes tinham concomitantemente lesão da valva aórtica: cinco foram submetidos à operação de Ross e, um, à substituição da valva aórtica por homoenxerto. Utilizamos em todos os casos homoenxertos criopreservados.


RESULTADOS

O tempo de perfusão nesse grupo de doentes variou de 58 a 195 minutos (média: 107 ± 38,4) e o de pinçamento aórtico de 40 a 135 minutos (média: 83±28,9). Em 8 crianças, as quais exibiam dilatação anular, utilizou-se anel de Carpentier. Pericárdio autólogo preservado em glutaraldeído foi usado em 15 casos e, nos outros 15, empregou-se pericárdio bovino.

Ocorreu um óbito no pós-operatório imediato após hipotensão e fibrilação ventricular de causa não esclarecida. Uma criança apresentou hemólise importante no pós-operatório e foi submetida à substituição da valva mitral. A evolução clínica é favorável nos demais casos, mas o tempo de evolução é curto para uma avaliação definitiva do procedimento.


DISCUSSÃO

Segundo Carpentier [4], o mecanismo mais frequente de insuficiência mitral reumática é a retração do folheto posterior (tipo III de sua classificação) devido à fibrose progressiva da lascínea e do aparelho subvalvar. Muitas vezes, essa alteração se acompanha de prolapso do folheto anterior (tipo II de Carpentier) e, em 39% dos casos, existe estenose mitral associada [5].

Os resultados tardios das plastias de valva mitral na febre reumática são menos favoráveis do que nas lesões degenerativas [6] e isso é decorrente da falta de tecido na doença reumática [1]. Várias técnicas foram criadas entre nós [7,8], mas as operações para ampliação dos folhetos, especialmente a extensão do folheto posterior, parecem ser a melhor opção de reconstrução valvar. Essa técnica, descrita há muitos anos por um de nós [3], permite melhor mobilização do folheto, maior área de coaptação, menor turbulência e menor grau de estenose residual, além de possibilitar a utilização de um anel de Carpentier de maior diâmetro [2]. Os resultados descritos na correção da insuficiência mitral reumática com essa técnica são satisfatórios, estando 82% dos pacientes livres de reoperação aos 10 anos [3]. Em nosso serviço, a utilização da técnica de ampliação do folheto posterior é relativamente recente. O procedimento é de fácil realização, e os resultados preliminares são satisfatórios.


REFERÊNCIAS

1. Kirklin JW, Barratt-Boyes BG. Mitral valve disease with or without tricuspid valve disease. In: Kirklin JW, Barratt-Boyes BG, eds Cardiac surgery. New York:Churchill Livingstone;1993. p.425-89.

2. Chauvaud S, Jebara V, Chachques JC, el Asmar B, Mihaileanu S, Perier P, et al. Valve extension with glutaraldehyde-preserved autologous pericardium. Results in mitral valve repair. J Thorac Cardiovasc Surg. 1991;102(2):171-7.

3. Zegdi R, Khabbaz Z, Chauvaud S, Latremouille C, Fabiani JN, Deloche A. Posterior leaflet extension with an autologous pericardial patch in rheumatic mitral insufficiency. Ann Thorac Surg. 2007;84(3):1043-4. [MedLine]

4. Carpentier A. Cardiac valve surgery: the "French correction". J Thorac Cardiovasc Surg. 1983;86(3):323-37. [MedLine]

5. Chauvaud S, Fuzellier JF, Berrebi A, Deloche A, Fabiani JN, Carpentier A. Long-term (29 years) results of reconstructive surgery in rheumatic mitral valve insufficiency. Circulation. 2001;104 (12 Suppl 1):I12-5. [MedLine]

6. Deloche A, Jebara VA, Relland JY, Chauvaud S, Fabiani JN, Perier P, et al. Valve repair with Carpentier techniques. The second decade. J Thorac Cardiovasc Surg. 1990;99(6):990-1001. [MedLine]

7. Pomerantzeff PM, Brandão CM, Souza LR, Vieira ML, Grimberg M, Ramires JA, et al. Posterior mitral leaflet repair with a simple segmental annulus support: the 'double-Teflon technique'. J Heart Valve Dis. 2002;11(2):160-4. [MedLine]

8. Gregori F, Silva SS, Hayashi SS, Aquino W, Cordeiro C, Silva LR. Mitral valvuloplasty with a new prosthetic ring. Analysis of the first 105 cases. Eur J Cardiothorac Surg. 1994,8(4):168-72. [MedLine]

Article receive on quinta-feira, 20 de agosto de 2009

CCBY All scientific articles published at rbccv.org.br are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY