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RELATO DE CASO

Videotoracoscopia para fechamento de fístula coronário-pulmonar: relato de caso

Jeronimo Antonio Fortunato JúniorI; Alcides A Branco FilhoII; Paula C. N GranzottoIII; Letícia M. S MoreiraIII; André Luiz M MartinsIV; Marcelo L PereiraIV; João Gustavo G FerrazV

DOI: 10.1590/S0102-76382010000100021

INTRODUÇÃO

A fístula da artéria coronária (FAC) é definida como uma comunicação anormal do sangue arterial coronário com uma câmara cardíaca, grandes vasos, ou outra estrutura capilar, sem passar pelos capilares miocárdicos. São de ocorrência rara e correspondem a 0,2%-0,4% dos defeitos cardíacos congênitos [1].

Geralmente são congênitas, representando a persistência do espaço intertrabecular embrionário e sinusoidal [2]. Podem ser adquiridas quando causadas por aterosclerose coronária, arterite Takayasu ou trauma [2].

Dentre as fistulas coronárias, cerca de 20% drenam para a artéria pulmonar as demais para outras câmaras e, em alguns casos, até seio coronário. As fistulas com "shunt" maior estão relacionadas a sintomas e normalmente devem ser tratadas cirurgicamente ou por embolização hemodinâmica com balão destacável. A esternotomia e a ligadura a céu aberto representam a opção mais comum, algumas vezes com auxilio da circulação extracorpórea, em trajetos fistulosos mais complexos [1,3,4].

O primeiro caso de FAC foi relatado por Krause, em 1865. Bjork e Crafoord descreveram a primeira correção cirúrgica bem sucedida de FAC em 1947, e o primeiro caso de fechamento transcateter foi realizado em 1983 [2,3].

A cirurgia cardíaca possibilita a correção da maioria das anomalias coronárias, mas a toracotomia e o apoio da circulação extracorpórea (CEC) estão associados a maior número de complicações per e pós-operatórias. Técnicas menos invasivas de tratamento cirúrgico definitivo podem associar-se a melhor resultado clínico e com baixa morbidade.

O presente artigo tem por objetivo descrever uma técnica para ligadura de FAC por meio de procedimento totalmente endoscópico com videotoracoscopia e sem apoio da CEC.


RELATO DO CASO

Paciente MJGR, sexo feminino, 45 anos, vindo à unidade de dor torácica de nossa instituição após um período de meses com angina e dispnéia, eletrocardiograma com perturbação de condução de ramo direito, ecocardiograma normal e teste ergométrico inconclusivo. Em decorrência da longa e atípica história de angina, a paciente foi submetida a cateterismo diagnóstico que evidenciou artérias coronárias de aspecto angiográfico normal e presença de fistula envolvendo artéria coronária descendente anterior e tronco de artéria pulmonar, de calibre comparável à artéria coronária esquerda e importante sequestro pela artéria pulmonar.

Indicado fechamento da fistula por embolização, descartado devido ao difícil acesso endoscópico. A experiência da equipe cirúrgica com videotoracoscopia permitiu programar o procedimento sem toracotomia, somente três pequenos acessos para introdução do instrumental, com 2 cm de largura.

O procedimento foi realizado em setembro de 2005, após autorização da comissão de ética do hospital e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da paciente. Com anestesia geral e entubação com cânula seletiva foi realizada toracoscopia lateral esquerda. Foram introduzidos os trocateres (em número de 3 acessos) para instrumentação cirúrgica e passagem da vídeocâmera (toracoscópio). Através da toracoscopia foram dissecados a pleura e o mediastino, até que se permitisse acesso aos vasos da base. Foi aberto o pericárdio ao nível do tronco da artéria pulmonar e individualizada a fistula coronária. A ligadura da FAC foi realizada por "clipagem" direta, com três cargas de clipe metálico (liga-clipe 300), seguido de revisão da cavidade torácica e fechamento do pericárdio e acessos (Figura 1).


Fig. 1 - Visão panorâmica da fistula coronário-pulmonar com os clipes metálicos, sobre a artéria pulmonar



O tempo do procedimento "pele-a-pele" foi de 40 minutos, cursando sem intercorrências. A paciente foi extubada ainda na sala cirúrgica. No pós-operatório, a paciente necessitou de mínima quantidade de analgésicos, não referiu desconforto torácico e permaneceu na unidade de terapia intensiva (UTI) por 24 horas. Não foi necessária reposição de hemoderivados. A alta hospitalar ocorreu no quarto dia de pós-operatório. No retorno ambulatorial, após uma semana de pós-operatório, a paciente apresentava excelente evolução, não referia dor e sentia-se grata com o procedimento realizado. Após dois anos de acompanhamento, não há referência a sintomas cardiovasculares. A coronariografia pós-operatória confirmou o resultado cirúrgico esperado, apresentado na Figura 2.


Fig. 2 - Coronariografia pré e pós-operatória da fistula coronário-pulmonar. A: envolvendo artéria coronária descendente anterior e artéria pulmonar; B: resultado após a clipagem da fístula



DISCUSSÃO

A apresentação clínica da FAC depende da gravidade do "shunt" esquerdo-direito. A maioria dos pacientes adultos é assintomática, em comparação com os casos pediátricos que apresentam maior frequência de sintomas. O quadro clínico pode incluir fadiga, dispnéia, ortopnéia, angina, endocardite, arritmias, isquemia miocárdica ou infarto agudo do miocárdico (IAM). Isquemia miocárdica ocorre pelo decréscimo do fluxo de sangue direcionado para a fístula e tem sido documentada em pacientes com fístula coronariana sem nenhuma evidência de aterosclerose coronária. Se um grande "shunt" existe, complicações graves, como hipertensão pulmonar e falência cardíaca congestiva, podem ocorrer, além de ruptura, trombose ou aneurisma arterial [3].

Numa revisão de 174 pacientes com complicação de FAC, 12% apresentavam falência cardíaca congestiva, 4% IAM, 3% endocardite e 6% morte. As principais indicações para correção cirúrgica são os casos sintomáticos, especialmente falência cardíaca ou isquemia miocárdica. Um critério prévio para a operação está na presença de "shunt" (sangue pulmonar/sangue sistêmico - Qp/Qs >2.0) e mudanças hemodinâmicas com sintomas de insuficiência cardíaca [1,3].

Apenas 36% das FAC são aptas a serem fechadas com embolização transcateteres. Além disso, complicações associadas a esta técnica incluem inversão de onda T no eletrocardiograma, aumento do nível de creatinina, embolia das artérias pulmonares ou arritmias [4]. O resultado pós-cirúrgico é bom. O prognóstico após bem sucedido fechamento de FAC é excelente.

Os resultados da cirurgia aberta têm sucesso primário na grande maioria dos casos e mesmo a esternotomia com ou sem CEC está associada a bons resultados no pós-operatório. Nos trabalhos nacionais, encontramos os artigos de Groppo et al. [5], em 2002, que relataram a experiência de três casos operados, dois com auxílio da CEC, sem referência a complicações. Toledo et al. [6], em 2007, descreveram cinco casos de FAC operados com o auxílio da CEC, utilizando a técnica de arteriotomia pulmonar e fechamento do óstio anômalo. Nas conclusões, consideraram a cirurgia como primeira escolha no tratamento da FAC, já que os riscos cirúrgicos são baixos em relação às complicações relacionadas à anomalia [6].

Nosso relato utiliza uma técnica minimamente invasiva e faz a ligadura da FAC via toracoscopia, sem auxílio da CEC e com baixo risco operatório. A fístula coronário-pulmonar (20% das FAC) encontrada neste caso facilita o uso da técnica demonstrada, pois tem trajeto lateral à artéria pulmonar e sua "clipagem" pode ser realizada com segurança, através de uma pequena incisão no pericárdio, junto aos vasos da base. Em casos de trajetos fistulosos mais complexos, a técnica minimamente invasiva possivelmente não ofereça os mesmos resultados.

Consideramos que o procedimento, em casos selecionados, pode ser reproduzido com segurança, o método é simples, mas a experiência com toracoscopia é imprescindível. Também os instrumentais idealizados para cirurgia endoscópica são essenciais. Em uma revisão da literatura atual, não encontramos relato semelhante.


CONCLUSÃO

A ligadura da fistula coronária via toracoscopia parece ser inovadora. A técnica cirúrgica cursou sem complicações, teve fácil acessibilidade cirúrgica e uma recuperação pós-operatória rápida e sem intercorrências. Em casos selecionados e com uma maior experiência clínica, poderia ser indicado como opção ao arsenal terapêutico atual.


REFERÊNCIAS

1. Hong GJ, Lin CY, Lee CY, Loh SH, Yang HS, Liu KY, et al. Congenital coronary artery fistulas: clinical considerations and surgical treatment. ANZ J Surg. 2004;74(5):350-5. [MedLine]

2. Gowda RM, Vasavada BC, Khan IA. Coronary artery fistulas: clinical and therapheutic considerations. Int J Cardiol. 2006;107(1):7-10. [MedLine]

3. Balanescu S, Sangiorgi G, Castelvecchio S, Medda M, Inglese L. Coronary artery fistulas: clinical consequences and methods of closure. A literarure review. Ital Heart J. 2001;2(9):669-76. [MedLine]

4. Mavroudis C, Backer CL, Rocchini AP, Muster AJ, Gevitz M. Coronary artery fistulas in infants and children: a surgical review and discussion of coil embolization. Ann Thorac Surg. 1997;63(5):1235-42. [MedLine]

5. Groppo AA, Coimbra LF, Santos MVN. Fístula da artéria coronária: relato de três casos operados e revisão da literatura. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002;17(3):271-5. Visualizar artigo

6. Toledo IC, Braile V, Leal JC, Braile DM. Fístula entre artéria coronária interventricular anterior e o tronco arterial pulmonar: tratamento cirúrgico de cinco pacientes. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(2):241-4. [MedLine] Visualizar artigo

Article receive on quinta-feira, 3 de setembro de 2009

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