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RELATO DE CASO

Enxerto composto de artéria torácica interna esquerda e veia safena magna: estudo angiográfico após oito anos

José Glauco Lobo FilhoI; Heraldo Guedis Lobo FilhoII; Francisco José Cabral MesquitaIII; Jaime Paula Pessoa Linhares FilhoIII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000100024

INTRODUÇÃO

O uso de enxerto composto de artéria torácica interna esquerda (ATIE) com segmentos arteriais ou segmentos de veia safena magna (VSM) para revascularizar tanto o sistema coronariano esquerdo (SCE) como o direito tem sido divulgado amplamente pela literatura médica. As bases desta técnica foram introduzidas por Mills [1], em 1982, com o objetivo de contornar o alto risco do manuseio da aorta ascendente (MAA) aterosclerótica, durante a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM), procedimento este realizado com circulação extracorpórea (CEC), quando um ou mais enxertos de VSM foram anastomosados à ATIE, que havia sido anastomosada à artéria interventricular anterior (AIA). Esses enxertos compostos são também conhecidos como enxertos em "Y" ou "T".

Na década de 1990, seguida pela década atual, vários autores publicaram artigos com séries numerosas de pacientes submetidos à CRM com a utilização de enxertos compostos, em que a ATIE era a única fonte de suprimento sanguíneo para duas ou mais artérias coronárias [2-5]. Nesse período, demonstramos, também, em uma série de casos, que a ATIE é capaz de fornecer suprimento sanguíneo adequado para todo o SCE, tanto em situação de repouso como sob estresse, procedimentos estes realizados sem CEC e sem MAA [5,6]. Todavia, há poucos relatos na literatura acerca dos resultados angiográficos tardios em pacientes com este tipo de configuração de enxerto. O objetivo deste artigo é relatar os resultados angiográficos após oito anos, em dois pacientes submetidos à CRM com enxerto composto de ATIE e VSM, bem como analisar alguns aspectos relacionados à integridade dos mesmos.


RELATO DOS CASOS

Caso 1


Paciente F.S.D., sexo masculino, 60 anos, diabético e hipertenso. Há oito anos foi submetido à CRM sem CEC e sem MAA, com uso de enxerto de ATIE para revascularizar a AIA e segmento de VSM, desprovido de valva, oriundo da ATIE revascularizando as artérias primeira diagonal e segunda marginal da artéria circunflexa (Cx), de forma sequencial. Era portador de doença coronariana triarterial e circulação colateral intercoronariana da artéria Cx para artéria coronária direita, evidenciada à cineangiocoronariografia. Os ramos da artéria coronária direita apresentavam ateromatose difusa.

Durante seguimento ambulatorial, o paciente permaneceu assintomático até outubro de 2009, quando desenvolveu dispnéia aos pequenos esforços, associada a edema em membros inferiores, sendo internado com quadro de insuficiência cardíaca congestiva, motivado, sobretudo, por descontinuidade do tratamento clínico e medicamentoso. Dado o tempo de realização da CRM, e com a finalidade de uma melhor avaliação clínica, foi o paciente submetido a nova cineangiocoronariografia, que evidenciou perviedade de ambos os enxertos, com atenção para a ausência de sinais radiológicos indicativos de ateromatose no enxerto venoso em todas as projeções (Figura 1). Após tratamento clínico, o paciente recebeu alta hospitalar, com quadro compensado de insuficiência cardíaca.


Fig. 1 - A: Projeção oblíqua anterior direita. B: projeção oblíqua anterior esquerda



Caso 2

Paciente L.A.F., sexo masculino, 60 anos, diabético e hipertenso. Há oito anos foi submetido à CRM sem CEC e sem MAA, com uso de enxerto de ATIE para revascularizar a AIA e enxerto de VSM oriundo da ATIE revascularizando as artérias primeira diagonal e segunda marginal da artéria Cx, de forma sequencial. Era portador de lesões graves proximais de AIA, primeira diagonal e primeira marginal da Cx, evidenciadas à cineangiocoronariografia. A artéria coronária direita apresentava lesão de 100% no terço proximal, com doença difusa em seus ramos distais. Permaneceu assintomático até setembro de 2009, quando passou a apresentar dispnéia aos moderados esforços, associada à interrupção do tratamento clínico. Para melhor avaliação foi realizada nova cineangiocoronariografia, que constatou perviedade de ambos os enxertos e ausência de sinais radiológicos indicativos de ateromatose no enxerto venoso em todas as projeções (Figura 2).


Fig. 2 - A: Projeção oblíqua anterior esquerda. B: projeção oblíqua anterior direita



DISCUSSÃO

Apesar dos quarenta e dois anos de constante progresso, a CRM ainda apresenta complicações em curto, médio e longo prazo, as quais precisam ser minimizadas. Dentre as mais temidas estão as complicações neurológicas e as obstruções dos enxertos coronarianos.

Em relação às complicações neurológicas no pós-operatório imediato, encontram-se bem documentados na literatura os benefícios do uso de enxertos compostos em relação à técnica convencional, ou seja, as anastomoses aortocoronarianas, em virtude de se minimizar o MAA. Quigley et al. [3] publicaram resultados de 290 pacientes submetidos à CRM sem CEC e sem MAA, com um percentual de 2% de acidente vascular encefálico no pós-operatório. No nosso Serviço, não constatamos complicações neurológicas no pós-operatório imediato de 40 pacientes acima de 75 anos submetidos consecutivamente à CRM sem CEC e sem MAA, utilizando a técnica do enxerto composto [5].

Há aproximadamente 12 anos, padronizamos o uso de enxerto composto em Y para revascularizar o SCE, utilizando-se como única fonte de suprimento sanguíneo a ATIE. Da ATIE emerge um segmento de VSM sem valva, que revasculariza geralmente um ou dois ramos do referido sistema circulatório coronariano, procedimento este realizado em 95% dos casos sem CEC e sem MAA. Ao longo desse tempo, o que temos observado é o mesmo demonstrado nas imagens angiográficas dos relatos aqui apresentados, que são: remodelamento do enxerto de VSM que adquire diâmetro similar a ATIE e artérias revascularizadas, formação de circulação colateral a partir da artéria revascularizada pelo enxerto de VSM e ausência de sinais radiológicos indicativos de doença ateromatosa no enxerto na grande maioria dos casos.

Embora a utilização da VSM como enxerto aortocoronariano esteja relacionada a maior incidência de obstruções em curto, médio e longo prazo, parece provável que o uso de segmentos de VSM em combinação com a ATIE possa modificar estes resultados. Entre os principais aspectos que favoreceriam esse novo comportamento, destacamos:

  • O uso de pequenos segmentos de VSM sem valvas, sabidamente sítios propícios ao desenvolvimento de doença aterosclerótica;
  • Segmentos de VSM sem valva propiciam, em uma condição de competição de fluxo, movimento anterógrado e retrógado do sangue, evitando assim sua estagnação, responsável no nosso entendimento por grande parte das obstruções precoces dos enxertos venosos;
  • Tensão homogênea em todo o enxerto composto, propiciando que o diâmetro dos vasos se adapte às suas demandas de fluxo;
  • Uma vez que o enxerto de VSM origina-se da ATIE, possivelmente o estresse circulatório é menor do que se oriundo diretamente da aorta, minimizando a possibilidade de desenvolvimento de hiperplasia da íntima e, consequentemente, de doença aterosclerótica;
  • É possível que parte dos hormônios protetores do endotélio, produzidos pela ATIE, possa beneficiar também os segmentos de VSM que dela se originam [7].


  • De uma maneira geral, ao longo desses últimos anos, ocorreram progressos em várias áreas da Medicina, evoluções essas que estão influenciando e melhorando a perviedade dos enxertos coronarianos. Fazemos especial destaque aos novos fármacos que auxiliam no controle das dislipidemias, melhoria técnica no manuseio dos enxertos, e avaliações pré-operatórias dos mesmos, tais como estudo da VSM pela ultrassonografia com Doppler [8].

    Certamente precisamos analisar um número maior de pacientes para termos conclusões mais consistentes, preferencialmente por meio de estudos randomizados, comparando um grupo maior de pacientes submetido a esse tipo de revascularização a um outro grupo submetido à revascularização convencional, ou seja, com enxerto de VSM aortocoronariano. No entanto, a perviedade e as características morfológicas observadas nos exames angiográficos dos dois pacientes, oito anos após a cirurgia, nos permitem considerar que o segmento de VSM utilizado no enxerto composto descrito apresentou excelentes resultados em um prazo relativamente longo, sugerindo que esta alternativa deva ser considerada nas operações de revascularização do miocárdio.


    REFERÊNCIAS

    1. Mills NL. Physiologic and technical aspects of internal mammary artery-coronary artery bypass graft. In: Cohn LH, editor. Modern technics in surgery: cardiac-thoracic surgery. Mt. Kisco:Futura;1982. p.1-19.

    2. Tector AJ, Amundsen S, Schmahl TM, Kress DC, Peter M. Total revascularization with T grafts. Ann Thorac Surg. 1994;57(1):33-9.

    3. Quigley RL, Weiss SJ, Highbloom RY, Pym J. Creative arterial bypass grafting can be performed on the beating heart. Ann Thorac Surg. 2001;72(3):793-7. [MedLine]

    4. Ochi M, Hatori N, Bessho R, Fujii M, Saji Y, Tanaka S, Honma H. Adequacy of flow capacity of bilateral internal thoracic artery T graft. Ann Thorac Surg. 2001;72(6):2008-12.

    5. Lobo Filho JG, Leitão MCA, Lobo Filho HG, Soares JPH, Magalhães GA, Leão Filho CSC, et al. Cirurgia de revascularização coronariana esquerda sem CEC e sem manuseio da aorta em pacientes acima de 75 anos: análise das mortalidades imediata e a médio prazo e das complicações neurológicas no pós-operatório imediato. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002;17(3):208-14. Visualizar artigo

    6. Lobo-Filho JG, Leitão MC, Forte AJ, Lobo-Filho HG, Silva AA, Bastos ES, et al. Flow analysis of left internal thoracic artery in myocardial revascularization surgery using Y graft. Tex Heart Inst J. 2006;33(4):430-6. [MedLine]

    7. Tarr F, Dudas G, Tarr M, Rácz R, Sasvári M, Tomcsányi I. Az arteria mammaria interna bypass graft endotheliuma áltat termel nitrogén-monoxid stabil metabolitjának mérése a recipiens coronariaág gyútóeres rendszerében. Morfológiai vonatkozások és következmények. Orv Hetil. 2002;143(45):2549-52.

    8. Barros FS, Pontes SM, Lima ML, Henrique JS, Roldi ML, Reis F, et al. Mapeamento da safena interna com ecocolor Doppler no pré-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1999;14(4):303-7.

    Article receive on sábado, 9 de janeiro de 2010

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