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ARTIGO ORIGINAL

Ventriculectomia parcial esquerda: ponte para transplante em pacientes com insuficiência cardíaca refratária e hipertensão pulmonar

Fernando A Lucchese0; José Dario Frota Filho0; Celso BLACHER0; Wagner M. PEREIRA0; Paulo E. LEÃES0; Eraldo A. Lúcio0; Carlos SODRÉ0; Silvio NOGUEIRA0; Luiz A. JUNG0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000300002

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial pulmonar (HAP) faz parte da história natural da insuficiência cardíaca congestiva (ICC) secundária a todas as causas. O mecanismo fisiopatológico relaciona-se à transmissão de pressões mais altas ao sistema vascular pulmonar, o qual desenvolve progressivamente alterações na íntima e média das arteríolas pulmonares. A elevação das pressões venosas pulmonares parece ser o melhor determinante da gravidade da hipertensão pulmonar (4). A reversibilidade desta condição depende de múltiplos fatores ainda não completamente esclarecidos (4-6). O que está confirmado, entretanto, é o maior risco dos pacientes submetidos a transplante cardíaco quando há elevação da pressão arterial pulmonar e da resitência vascular pulmonar (7). Os determinantes da contra-indicação ao transplante cardíaco não estão bem definidos, apesar de utilizar-se drogas com ação na pressão arterial pulmonar como indicadores de reversibilidade (5, 8, 9). Por tudo isso, quando a pressão arterial pulmonar (PAP) está acima de 50 mmHg e a resistência vascular pulmonar (RVP) é maior do que 5 unidades Wood, o transplante cardíaco apresenta maiores riscos e mecanismos alternativos podem ser considerados (8).

O objetivo do presente trabalho é avaliar o impacto da ventriculectomia parcial esquerda (VPE) sobre a resistência vascular pulmonar de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva por miocardiopatia dilatada (MCD), com hipertensão pulmonar grave.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

De novembro de 1994 a dezembro de 1996, 30 pacientes com ICC foram submetidos a VPE, sendo 18 (60%) homens e 12 (40%) mulheres, com média de idades de 49 ± 14,7 anos (32 a 70 anos). Os critérios de inclusão foram:

1) Miocardiopatia dilatada incluindo as seguintes etiologias:

* Idiopática - 19 (63,3%)
* Alcoólica - 7 (23,3%)
* Chagas - 4 (13,0%)

2) Contra-indicação para transplante cardíaco

3) Qualidade de vida escores 4, 5, 6 ou 7

4) NYHA classes III e IV

As miocardiopatias secundárias a sobrecarga pressórica e volumétrica, isquêmicas, congênitas ou aquelas associadas a doenças sistêmicas de mau prognóstico foram excluídas do presente estudo. Todos os pacientes estavam hospitalizados e a maioria necessitava de suporte inotrópico endovenoso. Notadamente a maioria tinha pouca expectativa de vida e mínimas oportunidades de alta hospitalar. Os achados cardíacos associados foram os seguintes: insuficiência cardíaca direita 53,3%, insuficiência mitral 93,3%, regurgitação tricúspide 53,3% e fibrilação atrial 33,3%.

Um painel de exames foi realizado no pré-operatório, no primeiro mês, e a partir daí aos 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses. Ecocardiograma, radiografias de tórax, ergometria com determinação do consumo máximo de O2 e rotinas hematológicas e urinárias foram realizados sistematicamente. Ventriculografia radioisotópica (MUGA) foi realizada quando as condições clínicas permitiam. Cateterismo cardíaco com cinecoronariografia foi realizado em todos os pacientes no pré-operatório e a ventriculografia (sem angiografia) repetida aos 6, 12, 18 e 24 meses.

Todos os pacientes foram também analisados por um Protocolo de Qualidade de Vida (10, 11), elaborado no nosso Serviço e destinado especificamente à avaliação de tais pacientes, cujas classes funcionais levaram em conta a intensidade, qualidade dos sintomas e o que eles representavam para os pacientes (Quadro 1).



Técnica Cirúrgica

O procedimento primário foi a Ventriculectomia Parcial Esquerda conforme descrito por Batista. Procedimentos associados foram os seguintes:

* Prótese Mitral - 18/30 (60%)
* Valvuloplastia Mitral - 12/30 (40%)
* Anuloplastia Tricúspide - 12/30 (40%)
* Revascularização Miocárdica - 4/30 (13%)
* Anuloplastia Mitral - 5/30 (16%)
* Valvoplastia Pulmonar - 1 (3%)

A abordagem foi através da esternotomia clássica. Durante o esfriamento do paciente (até 30-32ºC), realizamos os procedimentos necessários do lado direito do coração, como anuloplastia tricúspide, com atividade elétrica normal do coração. A cardioplegia ministrada foi intermitente, sangüínea, anterógrada, isotérmica e de baixo volume. Toda a descompressão e a retirada de ar do coração foram feitas através da ventriculotomia complementada por sucção leve na porção inicial da aorta após a conclusão do tempo principal. Depois da cardioplegia, foi realizada uma ventriculotomia apical inicial, introduzindo um aspirador da bomba de perfusão na cavidade do ventrículo esquerdo e ampliada a incisão em direção e até cerca de 2 cm do sulco atrioventricular. Nos casos em que se procedeu à troca da valva mitral, a ventriculotomia foi ampliada margeando externamente ambos os músculos papilares e incluindo-os no espécime cirúrgico, em bloco com as cúspides e cordas tendíneas da valva mitral. Uma bioprótese porcina, em geral de número 29-31, foi implantada por via ventricular. Alternativamente é realizada valvuloplastia mitral, por via ventricular. A ventriculografia foi realizada durante o reaquecimento, utilizando dupla sutura contínua de Polipropilene 3-0. O despinçamento aórtico é seguido de recuperação espontânea dos batimentos cardíacos e o paciente é desconectado da máquina de perfusão. Os espécimes cirúrgicos tiveram seu peso variando de 32 a 128 gramas e mediram aproximadamente 12 por 5 cm, em média.

RESULTADOS

Nesta série inicial da VPE, a mortalidade cirúrgica (0 a 30 dias) foi de 16,6% (5 pacientes) e a tardia de 14 (46,6%) pacientes. O maior tempo de seguimento foi de 23 meses e a sobrevida foi de 80% em um mês, 66% em 3 meses, 53% em 6 meses, 47% em 9 meses, 40% em 12 meses e 36,6% em 24 meses. Os óbitos foram devidos a morte súbita - 7 (23,3%), insuficiência cardíaca refratária - 4 (13,3%), sangramento - 2 (6,6%), arritmia ventricular - 2 (6,6%), infecção (sepsis) - 1 (3,3%), insuficiência renal crônica e sepsis - 1 (3,3%), endocardite - 1 (3,3%) e hipertensão pulmonar com insuficiência cardíaca direita - 1 (3,3%).

A avaliação ecocardiográfica revelou redução significativa dos diâmetros diastólico final (DDFVE) e sistólico final do ventrículo esquerdo (DSFVE), comparados com o pré-operatório; DSFVE de 65,5 ± 8,3 mm no pré-operatório para 56,83 ± 5,74 mm aos 6 meses e DDFVE de 73,84 ± 8,25 mm no pré-operatório para 65,33 ± 5,72 mm aos 6 meses (para o diâmetro sistólico p=0,007 e para o diastólico p=0,009). A fração de ejeção elevou-se em todos os pacientes, sem significância estatística para os primeiros 15 pacientes (de 23,4 ± 6,7 para 36,7 ± 15,9 com p=0,14). Houve decréscimo imediato dos volumes sistólico final (170,9 ± 36 para 74,9 ± 30,5 com p=0,0002) e diastólico final (254,9 ± 75,4 para 110,8 ± 43,9 com p=0,0012). A velocidade de encurtamento circunferencial, o delta D, o estresse da parede e o tempo de ejeção, avaliados ecograficamente, todos apresentaram resultados positivos, embora sem significância estatística. A classificação pelo Protocolo de Qualidade de Vida revelou que de mais de 90% em classes VI e VII no pré-operatório, nenhum paciente voltou a estas classes no pós-operatório.

Observamos, em nossa série, que alguns pacientes apresentaram diminuição da resistência vascular pulmonar no pós-operatório (14, 15). Em 4 dos que sobreviveram, de um total de 8 com resistência vascular pulmonar elevada, esta regrediu para valores normais, no cateterismo aos 6 meses de pós-operatório (Quadro 2). Os 4 pacientes tinham contraindicação para transplante cardíaco à época da VPE. Com valores de resistência pulmonar normalizados, passaram à condição de transplantáveis e, de fato, um deles recebeu o transplante com sucesso aos 16 meses de pós-operatórios de VPE. O segundo paciente teve morte súbita. O terceiro e o quarto, atualmente em classe funcional I da NYHA, não aceitam e nem se enquadram nas indicações para transplante.



COMENTÁRIOS

A hipertensão arterial pulmonar é fator de gravidade prognóstica em casos de insuficiência cardíaca congestiva. Aparentemente, há maior risco na etiologia isquêmica, quando comparado à miocardiopatia dilatada idiopática (6, 12). A hipertensão pulmonar associada a insuficiência cardíaca congestiva secundária a lesão valvar primária mostra tendência à reversibilidade, em geral, após a correção da valvulopatia (13).

A questão da reversibilidade tem sido amplamente estudada. Não há critérios ainda definidos para identificar os pacientes que após o transplante cardíaco apresentarão evolução favorável, sem falência cardíaca direita. Atualmente sabe-se que a gravidade da doença está relacionada à possibilidade ou não de redução da pressão pulmonar com tratamento clínico. Os casos em que esta redução não é obtida nas primeiras semanas de tratamento apresentam pior prognóstico (5), mesmo que sejam levados ao transplante (7).

Tratamento com diversas drogas tem sido preconizado para redução da hipertensão pulmonar. A associação de dobutamina com nitroprussiato de sódio já é conhecida há mais tempo e parece reduzir a sobrecarga ventricular direta; por aumento da contratilidade miocárdica e redução das pressões capilar pulmonar e arterial pulmonar média. Não são agentes seletivos para a vasculatura pulmonar e não predizem a reversibilidade da hipertensão pulmonar (5, 6). A amrinona reduz significativamente a pressão arterial pulmonar média e a resistência vascular pulmonar mas também não identifica a possibilidade de reversibilidade das lesões vasculares (9). A prostaglandina E1, é um vasodilatador pulmonar específico que reduz significativamente a resistência e a pressão pulmonar, além do gradiente transpulmonar. A comparação com nitroglicerina mostra que a prostaglandina E1 é um agente vasodilatador pulmonar mais potente e melhor preditivo da reversibilidade das lesões (8). Apesar disso, um número de pacientes não responde à prostaglandina e, mesmo que apresente resposta, evolui com falência ventricular direita após o transplante.

Por tudo isto, e também baseados no fato de que relatos recentes dão conta de que pacientes em circulação assistida costumam baixar a pressão arterial pulmonar e a resistência vascular pulmonar após algumas semanas, nós partimos do princípio de que a melhora da função ventricular esquerda é o mecanismo mais efetivo na redução da resistência vascular pulmonar. A análise de um de nossos casos (CGM) demonstra que podem ser necessários mais de 6 meses para que a resistência vascular pulmonar volte a níveis normais, apesar de que em outro paciente (AD), aos 3 meses, a pressão e a resistência pulmonar haviam normalizado.

Apesar da escassez da literatura disponível, defende-se que a ventriculectomia parcial esquerda é atualmente um raro meio, talvez único, de prover redução da hipertensão pulmonar em pacientes com contra-indicação formal de transplante. Restam ser estudados os mecanismos fisiopatológicos e a transformação histológica da árvore pulmonar nesta circunstância.

Em resumo, sobreviventes da ventriculectomia com mais de 6 meses de evolução, com hipertensão arterial pulmonar e aumento da resistência vascular pulmonar no pré-operatório, parecem ter significativa redução destes valores, como parte da evolução clínical favorável. Isto indica a possibilidade de que a VPE possa ser considerada ponte para transplante cardíaco em pacientes com elevada RVP contra-indicando o transplante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3 Batista R J V, Santos J L V, Takeshita N et al. - Partial left ventriculectomy to improve left ventricular function in end-stage heart disease. J Card Surg 1996; 11: 96-7.

4 Naeije R, Lipski A, Abramowicz M et al. - Nature of pulmonary hypertension in congestive heart failure: effects of cardiac transplantation. Am J Respir Crit Care Med 1994; 149: (4pt.1): 881-7.
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5 Levine T B, Levine A B, Goldberg A D et al. - Acute reversibility of pulmonary hypertension predicts neither long-term hemodynamic response nor outcome in patients awaiting heart transplantation. Am J Cardiol 1997; 79: 105-6.

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9 Cheng D C, Asokumar B, Nakagawa T et al. - Amrinone therapy for pulmonary hypertension and biventricular failure after complicated valvular heart surgery. Chest 1993; 104: 1618-20.
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10 Lucchese F A, Frota Filho J D, Pereira W N et al. - Experiência inicial com a ventriculectomia parcial esquerda de Batista: análise de oito casos. Anais do Congresso Gaúcho de Cirurgia Cardiovascular, 1995.

11 Frota Filho J D, Lucchese F A, Blacher C et al. - Ventriculectomia parcial esquerda de Batista: experiência de 20 casos. Anais do XIII Encontro dos Discípulos do Prof. Zerbini. Aracajú, SE, 1996.

12 Levine T B, Levine A B, Goldberg D et al. - Impact of medical therapy on pulmonary hypertension in patents with congestive heart failure awaiting cardiac transplantation. Am J Cardiol 1996; 78: 440-3.

13 Snopek G, Pogorzelska H, Zielinski T et al. - Valve replacement for aortic stenosis with severe congestive heart failure and pulmonary hypertension. J Heart Valve Dis 1996; 5: 268-72.

14 Frota Filho J D, Lucchese F A, Blacher C et al. - End-Stage heart failure: is there a role for the Batista procedure? Heart Surg Forum 1996; 1555 hsf.

15 Lucchese F A, Frota Filho J D, Blacher C et al. - Ventriculectomia Parcial E: ponte para transplante cardíaco em pacientes com hipertensão pulmonar. Anais do Congresso Gaúcho de Cirurgia Cardiovascular, 1996.

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