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Early preconditioning of the ischemic spinal cord: experimental study in rabbits

Albert Amin Sader0; Leila Maria Cardão CHIMELLI0; Soraya Lopes SADER0; José BARBIERI NETO0; Joaquim COUTINHO NETO0; José Eduardo de Salles Roselino0; Sebastião Assis MAZZETTO0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000200008

INTRODUÇÃO

O cérebro de várias espécies, quando submetido a curtos períodos de isquemia subletal, torna-se mais resistente a um ulterior período isquêmico, geralmente determinante da morte neuronal (1-8). Esse fenômeno, conhecido como pré-condicionamento, é observado também em outros tecidos, particularmente no miocárdio (9-13). Parece ser intrínseco das células, e essa resistência pode se desenvolver mediante outros estímulos (6), dentre os quais se destaca a hipertermia (14-16).

O seu complexo mecanismo molecular não é inteiramente conhecido. Todavia, parecem bem caracterizadas a participação de um grupo de proteínas denominadas, em inglês, "Heat Shock Proteins (HSP)" ou "Stress Proteins", em especial as de peso molecular 70.000 (HSP-70) e 72.000 (HSP-72) (6, 14, 16-19), da adenosina (20-25), da Proteína Kinase C (26) e a ativação de um programa genético que envolve a expressão de fatores específicos de transcrição (27).

É possível que esse mecanismo multifatorial seja diverso para distintos grupos celulares, a julgar pelas pesquisas realizadas em animais de laboratório. Enquanto no miocárdio a resistência adquirida se desenvolve precocemente, em minutos (9, 10, 12, 13), no cérebro ela é geralmente observada após várias horas ou dias. Contudo, SCHURR et al. (1), em 1986, trabalhando com fatias do hipocampo submetidas a curtos períodos de anóxia (5 min), verificaram que a adaptação protetora dependia do tempo decorrido entre o estímulo e a anóxia lesiva. Embora tivesse sido detectada após 30 minutos, ela se acentuou ao cabo de 2 horas.

Em trabalho recente, PÉREZ-PINZÓN et al. (28) demonstraram, em ratos, ser possível provocar o fenômeno, 30 minutos apenas, após o estímulo condicionante, embora a neuroproteção tenha quase desaparecido no 7º dia de reperfusão.

Na medula espinal, o pré-condicionamento não tem sido devidamente pesquisado. Por essa razão, desenvolveu-se o presente estudo, cujo objetivo foi tentar provocá-lo, precocemente, de modo que pudesse ser usado como recurso adicional de proteção medular pelos cirurgiões cardiovasculares.

MATERIAL E MÉTODOS

Coelhos da raça Nova Zelândia, com prevalência de machos, pesando entre 1,5 e 2,2 kg, foram usados no estudo. Como agente anestésico empregou-se o pentotal sódico, por via endovenosa, na dose de 30 mg/kg peso, exceto nos animais dos grupos V e VI que tiveram a dose reduzida em 50%. Os animais permaneceram respirando, espontaneamente, ar atmosférico durante todo o experimento. A isquemia medular resultou do pinçamento (P) da aorta abdominal, imediatamente após a origem da artéria renal esquerda, abordada por laparotomia transumbilical. Estimulou-se o pré-condicionamento por curtos, diferentes e, por vezes, repetidos períodos de isquemia, assinalados no texto por grifo, seguidos por variáveis tempos de reperfusão. Na seqüência, provocou-se a isquemia medular lesiva, pré-estabelecida em 30 min.

Oitenta e sete animais foram distribuídos nos seguintes grupos:

Grupo I - Controle: 20 animais tiveram a aorta justa-renal exposta, dissecada e pinçada por 30 min.

Grupo II - Operação simulada: 10 animais operados como os do grupo anterior, exceto pelo não pinçamento da aorta.

Grupo III - Pré-condicionamento do tipo (P) 1 min ® 15 min (P) 30 min ® reperfusão final: 10 animais.

Grupo IV - Pré-condicionamento do tipo (P) 1 min ® 5 min ® (P) 2 min ® 5 min ® (P) 2 min ® 5 min ® (P) 30 min ® reperfusão final: 6 animais.

Grupo V - Clorpromazina: 20 animais receberam clorpromazina por via endovenosa, na dose de 2 mg/kg peso, 10 min antes do pinçamento aórtico.

Grupo VI - Clorpromazina + pré-condicionamento: 21 animais receberam a clorpromazina como os do grupo V, sendo, depois, pré-condicionados da forma (P) 1 min ® 5 min ® (P) 1min ® 5 min ® (P) 30 min ® reperfusão final.

Mediu-se a temperatura retal dos animais durante o experimento e, para evitar queda superior a 2ºC, banhou-se a cavidade peritoneal com solução de NaCl 0,9%, a 40ºC.

Os animais foram observados por períodos variáveis de 36 a 72h, especialmente no que se refere à recuperação sensitivo-motora das patas posteriores e cauda. Identificaram-se 3 situações: 1) Recuperação integral: os animais eram capazes de andar normalmente ou com discreta rigidez das patas posteriores, e apresentavam viva sensibilidade à compressão da cauda; 2) Paraplegia: os animais não apresentavam qualquer movimento espontâneo ou estimulado, nem sensibilidade na cauda; 3) Recuperação parcial: os animais apresentavam movimento espontâneo e/ou estimulado sem, contudo, poderem se apoiar nas patas posteriores e andar. Monoplegia foi outra forma de recuperação parcial, com sensibilidade presente da cauda.

Estudo Histológico

Doze coelhos foram usados exclusivamente para o estudo histológico sob microscopia óptica: 6 do grupo controle e 6 com pré-condicionamento do tipo (P) 1 min ® 5 min ® (P) 1 min ® 5 min ® (P) 30 min ® reperfusão final de 5 horas. Os animais foram então re-anestesiados e perfundidos por via ventricular esquerda, sucessivamente, com solução de NaCl 0,9%, a 4ºC, e formol 10%, tamponado, na proporção de 1 ml/g de peso corpóreo.

Os corpos foram levados ao refrigerador e, 24 h depois, retiraram-se as medulas espinais, imersas no mesmo fixador por 48 h, no mínimo. Em seguida, mediante cortes transversais, retiraram-se de 7 a 8 fragmentos, com 2 mm de espessura, dos segmentos cervical, torácico e lombar, os quais foram processados para inclusão em parafina e corados com hematoxilina e eosina.

O número de neurônios isquêmicos, expresso em termos porcentuais, foi avaliado por contagem de todas as células neuronais da metade anterior da medula, em pelo menos 4 cortes tomados na intumescência lombar.

As células neuronais isquêmicas caracterizavam-se por picnose ou apagamento nuclear e intensa eosinofilia citoplasmática (Fig. 1 ).


Fig. 1 - Fotomicrografia de um corte da medula lombar de coelho submetido ao pré-condicionamento, seguido de isquemia de 30 minutos e reperfusão de 5 horas. A seta maior aponta uma célula neuronal normal cujo núcleo não aparece neste corte. Nota-se, porém, a substância de Nissl com distribuição normal. A seta menor aponta uma célula neuronal isquêmica na qual se observa grave desarranjo estrutural, caracterizado pelo núcleo picnótico e pela intensa eosinofilia citoplasmática. Os demais elementos celulares pertencem à glia. Hematoxilina e eosina. X 900.

Análise Estatística

Para a análise estatística dos resultados neurológicos usaram-se os testes do Qui-quadrado e o exato de Fisher; para os resultados do estudo histológico, empregou-se o teste de Mann-Whitney Rank Sum.

RESULTADOS

Os resultados da avaliação neurológica encontram-se na Tabela 1. Observa-se que nos grupos I e II, 10% e 100% dos animais, respectivamente, recuperaram integralmente as funções sensitivo-motoras. Entre ambos, a diferença foi estatisticamente significativa (p < 0,05). No grupo III nenhum animal recuperou-se e no grupo IV, apenas 1 (16,66%) teve recuperação parcial. Comparados com os do grupo I (controle) e entre si, os resultados dos animais submetidos aos 2 esquemas de pré-condicionamento não evidenciaram diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05).



A clorpromazina (grupo V) protegeu 55% dos animais, resultado estatisticamente significativo quando comparado aos 10% do grupo controle (grupo I). Todavia, a associação do pré-condicionamento não melhorou os resultados da clorpromazina isoladamente. A comparação dos resultados obtidos nos grupos V e VI não evidenciou diferença estatisticamente significativa (p < 0,05).

Estudo Histológico

Nos segmentos cervical e torácico, os neurônios apresentaram-se inteiramente normais. No segmento lombar, o número de células neuronais isquêmicas mostrou grande dispersão dos valores porcentuais nos 2 grupos, mais acentuada no grupo de pré-condicionamento. A análise estatística baseada nos valores das medianas não evidenciou diferença significativa entre os dois grupos (p < 0,05).

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

A indução do pré-condicionamento depende da duração da isquemia-estímulo e do tempo decorrido entre esta e a isquemia lesiva (1, 2, 4, 25). Por outro lado, a proteção dele decorrente varia com a duração da isquemia lesiva (6) e com o tempo de reperfusão (28).

No presente estudo foram avaliados, inicialmente, dois esquemas de pré-condicionamento rápido: o primeiro, com apenas um estímulo curto de 1 min, seguido por um igualmente curto período de reperfusão; o segundo, com três estímulos intercalados por períodos de 5 min de reperfusão. Para uma isquemia lesiva de 30 min, não se observou nenhuma proteção que se traduzisse por menor incidência de paraplegia. Diante desses resultados e com base em pesquisa anterior deste grupo (29), usou-se a clorpromazina isoladamente e em associação com outro esquema de pré-condicionamento precoce. A proteção conferida pela clorpromazina confirmou os resultados anteriormente obtidos em ratos. Todavia, a associação com o pré-condicionamento não melhorou esses resultados, mesmo considerando os animais que tiveram recuperação parcial.

É provável que a isquemia-estímulo de 1 min provocada no grupo III, e duas vezes no grupo VI, seja insuficiente para determinar a despolarização anóxica das células neuronais. No cérebro de ratos Wistar, ela ocorre, geralmente, após 2 min de isquemia (28). Por outro lado, os estímulos repetidos realizados no grupo IV, embora não tenham ultrapassado, em conjunto, 5 min, podem ser lesivos para certos grupos de células neuronais (3).

Os resultados desta pesquisa não afastam inteiramente a possibilidade de se promover o pré-condicionamento precoce da medula espinal isquêmica. A avaliação neurológica, baseada no comprometimento sensitivo-motor, pode não ser bastante sensível para detectar o fenômeno. Além disso, uma eventual proteção pode ter sido insuficiente para evitar danos irreversíveis das células neuronais, provocados pela isquemia de 30 min. O que se pode afirmar, no entanto, é que, nas formas aqui apresentadas, o pré-condicionamento não serve aos propósitos dos cirurgiões cardiovasculares. Provavelmente, a indução farmacológica do pré condicionamento, alguns dias antes da isquemia programada, seja o caminho mais promissor (23, 30).

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