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ARTIGO ORIGINAL

Revascularização do miocárdio com cirurgia minimamente invasiva (MIDCAB): resultados em 46 pacientes

Domingo M Braile0; João Carlos Ferreira Leal0; Marcelo José F Soares0; Moacir Fernandes de GODOY0; Odilar PAIVA0; Orlando PETRUCCI JÚNIOR0; Antônio Carlos Brandi0; Maria Cristiane Valéria Braga BRAILE0; Luis Ernesto Avanci0; Marcos ZAIANTCHKCK0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000300002

INTRODUÇÃO

O coração é um músculo e, deste modo, como todos os músculos do corpo, requer um suprimento constante de sangue rico em oxigênio para que possa funcionar normalmente. Quando há deposição lipídica na parede dos vasos coronários, o suprimento sangüíneo se reduz ou é bloqueado, o que pode resultar em um ataque cardíaco, com infarto agudo e grave dano miocárdico. Para tentar evitar essa situação nociva, existem vários métodos. O tradicional é a colocação de um enxerto arterial coronário (CABG), com veia safena ou vasos arteriais. Nesses casos, é feita uma incisão longitudinal no esterno, para que se possa expor o coração. O sangue se mantém circulando durante a operação pela conexão do paciente a uma máquina coração-pulmão artificial. Na seqüência, o coração é parado para permitir ao cirurgião a realização das anastomoses. Com os recentes avanços nas técnicas de cirurgia cardíaca, é atualmente possível realizar a operação de bypass coronário, em alguns pacientes, sem parar o coração. Através de uma pequena incisão na região inframamária, ao nível do quarto espaço intercostal esquerdo, é possível expor a artéria torácica interna (ATI) e anastomosá-la a um ramo coronário, em geral o ramo interventricular anterior (RIA), com o coração batendo (1). Este procedimento é conhecido pela sigla MIDCAB (Minimally Invasive Direct Coronary Artery Bypass Graft). Introduzido inicialmente para tratar, sem uso de circulação extracorpórea, estenoses isoladas do RIA, esse procedimento tem sido agora muitas vezes utilizado, em casos selecionados, para tratamento de mais de um vaso e em associação com outros procedimentos, como a angioplastia transluminal coronária (PTCA). Devido à existência de diferentes métodos com a denominação de MIDCAB, ainda não é possível formular conclusões definitivas sobre as vantagens desse método. Os resultados podem ser menos favoráveis com enxertos menos patentes quando se emprega MIDCAB em relação ao procedimento convencional, provavelmente pela dificuldade com o acesso limitado ao campo operatório (2). Com maior experiência e seguimento, esse tipo de abordagem menos invasiva deverá, provavelmente, propiciar menores custos hospitalares pelo decréscimo no tempo de internação e oferecer a possibilidade de emprego de ótimos enxertos sem o risco das complicações inerentes ao uso do bypass cardiopulmonar (3). O objetivo do presente estudo é mostrar nossa experiência com a utilização da MIDCAB em 46 pacientes consecutivos.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

De fevereiro de 1997 a janeiro de 1998, 46 pacientes foram submetidos a operação de revascularização do miocárdio por minitoracotomia anterior esquerda sem CEC, sendo 30 do sexo masculino e 16 do feminino, com idades entre 40 e 79 anos e média de 57,7 anos. Todos apresentavam lesão obstrutiva isolada do RIA, ao exame cineangiocoronariográfico. Os pacientes foram monitorizados com eletrocardiograma (ECG), pressão arterial média (PAM), pressão expiratória final de gás carbônico (PetCO2) e oxímetro de pulso. A indução anestésica foi realizada com sufentanil, etomidato, besilato de atracúrio e a manutenção com sufentanil e atracúrio contínuos, e sevorane como anestésico inalatório. Um tubo orotraqueal de duplo lume facilitou a ventilação do pulmão contralateral. O antagonista de cálcio Diltiazem (60 mg) foi administrado por sonda nosogástrica após a indução anestésica, para baixar a freqüência cardíaca. Realizou-se bloqueio intercostal com bupivacaína para analgesia pós-operatória.

Os procedimentos cirúrgicos foram realizados com os pacientes na posição de decúbito dorsal numa inclinação de 30 graus para a direita. Foi empregada a técnica de Calafiore et al. (4) em 1996. Essa técnica consiste em uma pequena incisão de ± 8 cm em região inframamária esquerda, correspondendo ao 4º ou 5º espaço intercostal esquerdo. Através desta incisão, foi aberto o pericárdio e abordado o RIA para avaliação de suas condições cirúrgicas (se intramiocárdico, calcificado e/ou com diâmetro inferior a 1,5 mm). Em seguida, iniciou-se a dissecção da ATIE em seu terço distal. Após a dissecção, o terço distal foi clipado, administrada medicação anticoagulante (heparina, 1 mg/kg de peso do paciente) e dissecados os terços médio e proximal da mesma, utilizando o afastador da CTS. Após a avaliação do fluxo da ATIE, injetou-se solução de papaverina (10 mg diluído em 2 ml de solução salina). Nos primeiros 10 casos foram utilizados fios de Prolene 4.0 com "pledgets" em torno do RIA para evitar fluxo sangüíneo, enquanto nos demais foi utilizado o perfusor intraluminal coronário elaborado por Rivetti (5) em 1992. O uso do estabilizador, procedimento imprescindível, permitiu a realização de anastomoses seguras, mesmo com o coração batendo. Realizada a anastomose com fio Prolene 8.0 em sutura contínua, drenou-se o hemitórax esquerdo (HTE) e procedeu-se à revisão da hemostasia. Fechou-se o HTE em planos cirúrgicos com fios de Polivicril 0 e 2.0, sendo a pele fechada com sutura intradérmica.

No pré-operatório, pós-operatório imediato e primeiro dia de pós-operatório, sempre que possível, foi feita a dosagem sérica de troponina I, pelo método da quimioluminescência e com auxílio do equipamento Acess-Sanofi-Pasteur. Esse método tem como máximo normal de referência o valor de 0,1 hg/mL e sensibilidade de 0,03 hg/mL. Com finalidade de comparação, são referidos os valores de troponina I, nas mesmas fases (pré-operatório, chagada na UTI e primeiro dia de pós-operatório) encontrados em um grupo de pacientes submetidos à operação de revascularização pelo sistema convencional, ou seja, com circulação extracorpórea.

RESULTADOS

O tempo médio operatório foi de 2 horas, com 18 horas de média de permanência na UTI e a permanência hospitalar global máxima de 5 dias. Ao estudo cinecoronariográfico precoce (mediana de 2 dias), documentou-se obstrução da ATI em 4 (8,7%) pacientes, isto é, 91,3% de normalidade. Os mesmos 4 pacientes foram submetidos à reintervenção com esternotomia mediana. Em outros 2 (4,3%) pacientes, embora a ATI estivesse pérvia, havia obstrução significante do RIA logo após a anastomose, que foi interpretada como decorrente do garroteamento do vaso durante o procedimento cirúrgico. Ambos estão sendo acompanhados clinicamente. Houve 1 (2,2%) morte súbita no 15º dia de pós-operatório. Não foi possível a realização de necrópsia para constatação da causa do óbito. Os demais encontram-se em acompanhamento ambulatorial, com seguimento médio atual de 6 meses.

Os valores médios e desvio padrão de troponina I no pré-operatório, chegada na UTI e primeiro dia de pós-operatório, foram respectivamente de 0,02 ± 0,01 hg/mL, 0,07 ± 0,12 hg/mL e 0,51 ± 1,11 hg/mL. Para fins de comparação, os mesmos dados para um grupo de pacientes submetidos à operação de revascularização convencional no mesmo Serviço foram, respectivamente, de 0,06 ± 0,22 hg/mL, 0,45 ± 0,40 hg/mL e 0,79 ± 0,70 hg/mL. No grupo de pacientes submetidos a cirurgia de revascularização por minitoracotomia, nenhum paciente apresentou nível sérico de troponina acima de 0,5 hg/mL no pré-operatório e na chegada na UTI e 12,5% deles apresentaram esses valores no primeiro dia de pós-operatório. No grupo de referência 2,4% dos pacientes apresentaram troponina I acima de 0,5 hg/mL no pré-operatório, 26,9% na chegada na UTI e 55,3% no primeiro dia de pós-operatório. Pelo menos 1 dos pacientes com enxerto ocluído apresentou valores de troponina I dentro da normalidade.

COMENTÁRIOS

Os resultados do presente trabalho indicam que 91,3% dos enxertos estavam pérvios, o que está de acordo com dados de literatura, muito embora não tenha sido feito um estudo angiográfico de forma sistemática. Possati et al. (6), em 1997, estudaram, de janeiro de 1995 a janeiro de 1997, 56 pacientes submetidos à MIDCAB. Houve uma morte hospitalar. Dos pacientes seguidos ambulatorialmente, 5 necessitaram reintervenção por técnica convencional (cirúrgica ou percutânea). Os pacientes foram regularmente seguidos no ambulatório e submetidos a cintilografia miocárdica de esforço. Em 48 (87,2% do total) pacientes, foi realizado estudo cineangiográfico pós-operatório com um intervalo médio de seguimento de 1,7 ± 2 meses. Em 41 dos 48 (85,4%) pacientes submetidos à angiografia, o enxerto para o RIA estava pérvio e com bom fluxo. Em 2 casos havia estenose ao nível da anastomose, em outros 2 casos havia obstrução na artéria distal à anastomose, 1 caso mostrou estenose na anastomose associada com estenose distal na coronária, 1 caso tinha oclusão da ATI e outro mostrou imagem sugestiva de trombo no RIA, proximal à anastomose. Concluíram que o estudo angiográfico sistemático de pacientes submetidos à MIDCAB é mandatório no sentido de avaliar a eficácia da técnica utilizada e permitir a otimização dos vários aspectos desse novo procedimento. Tatoulis et al. (7), em 1997, analisaram os seus primeiros 23 pacientes consecutivos submetidos à MIDCAB sem circulação extracorpórea, via minitoracotomia esquerda. Todos os pacientes eram portadores ou de estenose recurrente após PTCA prévia, ou então de anatomia desfavorável para angioplastia. A média de idades dos pacientes foi de 57,9 anos (variação de 29 a 81 anos) e com seguimento médio de 4 meses (variação de 1 a 10 meses). Não houve mortalidade operatória, infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral. O tempo médio de internação na Unidade de Terapia Intensiva foi de 30,7 horas com 5,3 dias em média, de internação hospitalar. Apenas 1 paciente necessitou de transfusão sangüínea. A normalidade inicial dos enxertos foi confirmada por angiografia (5 casos) ou Doppler contínuo (23 casos). Um (4,3%) paciente foi submetido a PTCA por estenose na artéria coronária distal à anastomose e 2 (9%) pacientes necessitaram de reoperação por retorno da angina. Na nossa experiência, a estenose distal à anastomose ocorreu na mesma taxa que no trabalho de Tatoulis et al. (7) (2 casos 46%, em 46 pacientes). A estenose significante foi interpretada como conseqüência de excessiva compressão das suturas de reparo arterial durante o procedimento. Ao contrário do caso de Tatoulis, nossos 2 pacientes estão sendo seguidos clinicamente, sem indicação de nova intervenção.

Existem poucos relatos na literatura a respeito da utilização de troponina I como marcador de sofrimento miocárdico pós MIDCAB. Os dados do presente trabalho confirmam menor sofrimento celular em comparação com o método convencional de revascularização com CEC. Como seria esperado, porém, níveis sangüíneos normais de troponina I não são indício seguro de ponte pérvia. O contrário também é valido, ou seja, níveis elevados não indicam, necessariamente, que a ponte esteja ocluída, mas tão somente que houve sofrimento miocárdico significante durante ou após o procedimento.

CONCLUSÕES

A operação de revascularização do miocárdio por minitoracotomia é procedimento de baixa morbidade e mortalidade e, pela curta permanência hospitalar e menor utilização de equipamentos, reverte em menor custo hospitalar. A taxa de perviedade precoce é elevada (91,3% no presente material). Com maior experiência, as falhas decorrentes da técnica, como a estenose do leito coronário distal à anastomose, deverão se reduzir, melhorando ainda mais os resultados. Os níveis séricos de troponina indicam que há nítida redução do processo isquêmico miocárdico que habitualmente decorre da parada cardiocirculatória nos casos operados com CEC. Níveis normais, porém, não são garantia absoluta de perviedade da ponte, somente indicando que não houve sofrimento miocárdico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

1 Columbia Tallahassee Community Hospital - Minimally Invasive Heart Surgery 1996; http:\\www.ctch.com/invas.htm

2 Kipfer B, Carrel T, Schupbach P, Althaus U - Current techniques in heart surgery. Schweiz Rundsch Med Prax 1997; 86: 700-3 (Abstract).

3 Wisniowski C & Stephen L - Minimally invasive treatment for coronary artery disease. AORN J 1997; 66: 1002-9.

4 Calafiore A M, DiGiammarco G, Teodori G et al. - Left anterior descending coronary artery grafting via left anterior small thoracotomy without cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg 1996; 61: 1658-65.

5 Rivetti L A - Revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea com derivação intraluminal temporária [Tese. Doutorado] São Paulo: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, 1992. 158p.

6 Possati G, Gaudino M, Alessandrini F, Zimarino M, Glieca F, Bruno P - Minithoracotomy myocardial revascularization: results of early angiographic control G Ital Cardiol 1997; 27: 749-57.

7 Tatoulis J, Goldblatt J C, Skillington P D, Warren R J - Minimally invasive coronary artery bypass surgery without cardiopulmonary bypass. Med J Aust 1997; 167: 359-62.
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