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ARTIGO ORIGINAL

Plástica da valva mitral em portadores de febre reumática

Pablo M. A Pomerantzeff0; Carlos M. A Brandão0; Cristiano M. FABER0; Max Grinberg0; Luís F. CARDOSO0; Flávio Tarasoutchi0; Noedir A. G Stolf0; Geraldo Verginelli0; Adib D Jatene0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000300005

INTRODUÇÃO

A plástica da valva mitral na febre reumática é bastante discutida na literatura e os seus resultados são discordantes em várias publicações (1-4), pois a reconstrução valvar não é fácil e os resultados tardios sofrem a interferência de novos surtos da doença. Isto, porém, não invalida a plástica valvar na febre reumática, pois, no geral, os resultados são superiores à troca.

O objetivo do trabalho é analisar a experiência imediata e tardia do Instituto do Coração do HCFMUSP com este procedimento.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Durante o período de março de 1980 a dezembro de 1997, 201 pacientes portadores de febre reumática com diagnóstico de insuficiência mitral foram submetidos à plástica da valva mitral no Instituto do Coração do HCFMUSP. A idade variou de 5 a 75 anos, com média de 26,9 ± 15,4 anos. Cento e vinte (59,7%) pacientes eram do sexo feminino e 81 (40,3%) do sexo masculino. Cento e trinta e seis (67,7%) pacientes tinham diagnósticos associados, sendo 59 (29,4%) mitro-aórticos, 38 (18,9%) mitro-tricuspídeos, 34 (16,9%) mitro-aórtico-tricuspídeos e 5 (2,5%) com insuficiência coronária.

As técnicas de plástica da valva mitral foram: anel de Carpentier em 75 (37,3%), anuloplastia com tira posterior de pericárdio bovino em 68 (33,8%), anuloplastia posterior segmentar em 16 (7,9%), ressecção quadrangular da cúspide posterior com plicatura do anel correspondente em 11 (5,5%), ressecção de segmento da cúspide anterior em 6 (3%), anuloplastia tipo De Vega em 6 (3%), Kay em 5 (2,5%), Reed em 4 (2%), duplo U em posição em 3 (1,5%), ampliação de cúspide posterior em 3 (1,5%), ressecção de cúspide posterior em 2 (1%), anel de Puig-Massana em 1 (0,5%) e sutura de fenda em 1(0,5%). Técnicas associadas foram utilizadas em 94 (46,8%) pacientes, sendo a mais freqüente o encurtamento de cordas em 48 (23,9%). Outras técnicas foram: papilarotomia múltipla em 45 (23,4%), desbastamento de cúspide posterior em 7 (3,5%), ressecção em cunha da cúspide anterior em 3 (1,5%), retirada de cordas curtas em 3 (1,5%), reconstrução de cúspide com pericárdio bovino em 3 (1,5%), encurtamento de músculo papilar em 2 (1,0%), plicatura de cúspide anterior em 1 (0,5%) e transposição de cordas em 1 (0,5%).

Operações associadas foram realizadas em 113 pacientes, sendo 49 (24,4%) substituições da valva aórtica, 65 (32,3%) plásticas da valva tricúspide, 14 (0,7%) plásticas da valva aórtica, 9 (4,4%) comissurotomias aórticas, 5 (3,5%) revascularizações do miocárdio e 2 (1%) substituições da valva tricúspide. Com relação à classe funcional (NYHA), 83 (41,3%) pacientes (41,3%) encontravam-se em classe funcional IV, 102 (50,7%) em classe funcional III e 16 (8%) em classe funcional II.

O seguimento pós-operatório foi realizado através de consultas hospitalares ou entrevistas por telefone ou por questionários enviados pelo correio.

Os dados serão apresentados de acordo com as normas revisadas de apresentação de dados e nomenclatura (5) e foram comparados em dois grupos, de acordo com a faixa etária; o Grupo 1, constituído por 68 (33,8%) pacientes com idade até 16 anos e o Grupo 2, constituído por 133 (66,2%) pacientes com idades acima de 16 nos (66,2%). A sobrevida actuarial e livre de eventos foi calculada pelo método de Kaplan-Meier (6) comparadas através da análise de regressão linear. As taxas linearizadas dos eventos são expressas em porcentagem por paciente ano (%/pac.-ano). Foram utilizados os métodos de Mann-Whitney e Mcnemar para a análise estatística dos dados.

RESULTADOS

A mortalidade hospitalar foi de (2,0%) pacientes e as causas foram a falência de múltiplos órgãos em 2 (50%) e o baixo débito cardíaco em 2 (50%). Houve 3 (4,4%) óbitos no Grupo 1, sendo que os 3 pacientes se encontravam em classe funcional IV no pré-operatório e 2 deles foram operados na fase aguda da febre reumática. Estes pacientes tiveram operações associadas, sendo 2 plásticas da valva aórtica e 1 plástica da valva tricúspide. Os dados ecocardiográficos destes pacientes estão apresentados na Tabela 1. A mortalidade no Grupo 2 foi de 1 (0,8%) paciente. Tratava-se de paciente de 75 anos, que já havia sido submetida a comissurotomia mitral e a plástica mitral. Comparando-se os 2 grupos, em relação à classe funcional no período pré-operatório, houve uma diferença estatisticamente significativa entre eles, sendo que 29 (42,6%) encontravam-se em classe funcional IV no Grupo 1 e 54 (40,6%) no Grupo 2 (p < 0,0001).



Não houve endocardite ou tromboembolismo no pós-operatório imediato.

O follow-up completo foi 89,6%. O tempo médio de seguimento pós-operatório foi de 5,1 anos no Grupo 1 e 5,6 anos no Grupo 2. No pós-operatório tardio, 161 (83,9%) pacientes encontravam-se em classe funcional I. No Grupo 1, 87,3% encontravam-se em classe funcional I e 12,7% em classe funcional III. No Grupo 2, 80,8% encontravam-se em classe funcional I, 12,3% em classe II e 6,9% em classe III no pós-operatório tardio. A sobrevida actuarial foi 93,9 ± 1,9% em 125 meses (Gráfico 1), sendo 91,3 ± 3,8% no Grupo 1 em 100 meses e 95,6 ± 2,7% no Grupo 2 em 125 meses (p < 0.0001) (Gráfico 2). Houve 4 óbitos tardios (0,7% pac.-ano). No Grupo 1 houve dois óbitos (1,1% pac.-ano), um devido a insuficiência cardíaca e o outro devido a falência de múltiplos órgãos em paciente submetido a substituição valvar mitral. No Grupo 2 houve dois óbitos (0,6% pac.-ano), ambos devidos a insuficiência cardíaca.





Reoperações foram realizadas em 23 pacientes (4,3% pac.-ano), com uma sobrevida livre de reoperação de 43,3 ± 13,7% em 125 meses (Gráfico 3). No Grupo 1, com idades abaixo de 16 anos, houve 10 reoperações (5,5% pac.-ano) com um intervalo médio de 20 meses e a sobrevida actuarial livre de reoperação foi de 50,8 ± 16,9% em 125 meses. No Grupo 2, com idades acima de 16 anos, houve 13 reoperações (3,7% pac.-ano) com um intervalo médio de 48 meses e a sobrevida actuarial livre de reoperação foi de 47 ± 14,9% em 100 meses (p < 0,0001) (Gráfico 4).





Não houve endocardite no pós-operatório tardio.

Houve um episódio de tromboembolismo no pós-operatório tardio em uma paciente do Grupo 2, com taxa linearizada de 0,3% pac.-ano.

COMENTÁRIOS

A plástica da valva mitral está universalmente aceita como técnica superior à substituição valvar. Na degeneração mixomatosa, os resultados da plástica estão bem definidos, porém, na febre reumática, a reconstrução valvar é tecnicamente mais difícil e os resultados a longo prazo podem ter interferência de novos surtos reumáticos (7-9). Além disto, os resultados também dependem do estado da valva no momento da reconstrução, ou seja, quanto maior for o seu acometimento, tanto piores os resultados a longo prazo. A calcificação das biopróteses é um problema não solucionado e anticoagulação é difícil, devido a questões sociais.

A mortalidade total foi de 2%, bem abaixo dos valores da substituição valvar na literatura nacional (10, 11) e internacional (12, 13). A mortalidade mais alta no grupo abaixo de 16 anos (4,4%) pode ser explicada pelas condições clínicas em que os pacientes foram admitidos no hospital e é comparável com outros relatos da literatura (14). São pacientes com função miocárdica deteriorada e caquexia cardíaca. Quando comparamos a classe funcional pré-operatória, encontramos 42,9% dos pacientes do Grupo 1 em classe funcional IV contra 40,6% do Grupo 2, com uma diferença estatisticamente significativa. Os 3 pacientes do Grupo 1 que faleceram encontravam-se em classe funcional IV, e 2 estavam na fase aguda da febre reumática. Conforme demonstrado na literatura (15), a mortalidade cirúrgica é maior na fase aguda da febre reumática, sendo a operação indicada nos pacientes com severa disfunção valvar cujo tratamento clínico torna-se ineficaz. Mesmo nestes pacientes, a plástica apresenta melhores resultados do que a substituição valvar, pois preserva todo o aparelho subvalvar, o que deve resultar em melhor função ventricular no pós-operatório (16).

A sobrevida actuarial foi de 93,9 ± 1,9% em 125 meses, semelhante ao resultado de DURAN et al. (17) com anuloplastia mitral em pacientes reumáticos a sobrevida no Grupo 2 (95,6% ± 2,7%) foi significativamente maior (p < 0,0001) do que no Grupo 1 (91,3 ± 3,8%).

A incidência de reoperações no pós-operatório foi de 11,4% em 10 anos, sendo 14,7% no Grupo 1 e 9,8% no Grupo 2 (p < 0,0001). Este resultado é superior ao obtido por ANTUNES & KINSLEY (18) com 30%, SKOULARGIS et al. (19) com 27,2% e CHAUVAUD et al. (20) com 21,2% nos pacientes reumáticos jovens. As causas de falência da plástica mitral são a indicação errônea, o emprego de técnicas inadequadas e a progressão da doença reumática (21, 22), esta última relacionada ao grupo jovem. No entanto, os resultados com a substituição valvar nos pacientes reumáticos jovens têm se mostrado piores em relação à plástica, tanto no que se refere à mortalidade quanto à recuperação (23-25).

CONCLUSÕES

Os resultados da plástica da valva mitral em pacientes reumáticos mostraram-se bastante satisfatórios a longo prazo, o que torna o procedimento confiável para este grupo de pacientes, devendo ser realizado sempre que possível.

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