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ARTIGO ORIGINAL

Avaliação a médio prazo de procedimentos conservadores das lesões da valva mitral de origem reumática

Orlando PETRUCCI JÚNIOR0; Pedro Paulo Martins de Oliveira0; Fabiana Moreira PASSOS0; Luís Alberto MAGNA0; Reinaldo Wilson Vieira0; Domingo M Braile0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000300006

INTRODUÇÃO

Estudos não randomizados sugerem que o reparo da valva mitral está associado a sobrevida maior e melhor desempenho do ventrículo esquerdo (1, 2). A preservação da valva mitral apresenta menores índices de eventos tromboembólicos e complicações hemorrágicas relacionadas ao uso de anticoagulantes.

Os resultados a médio e longo prazos no reparo da valva mitral parecem variar conforme a lesão que afeta a valva, sendo melhores nos processos degenerativos (degeneração mixomatosa) comparados com as lesões por doença reumática (3, 4).

A dificuldade do reparo de valvas reumáticas é devido, principalmente, à presença de lesões combinadas e mobilidade restrita das valvas (5), bem como de calcificação; este tipo tem sido classificado como tipo III por CARPENTIER et al. (6), nos casos de insuficiência mitral.

A proposta deste trabalho é relatar nossa experiência cirúrgica, resultados a médio prazo e identificar fatores que contribuíram para o bom prognóstico no tratamento conservador da valva mitral reumática.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Cinqüenta e seis pacientes foram submetidos, consecutivamente, a procedimentos conservadores na valva mitral com etiologia reumática, de setembro de 1994 a abril de 1997. Quarenta e seis (82,1%) mulheres e 10 (17,9%) homens. A idade média foi de 34,70 anos (desvio padrão 13,88 anos), variando de 13 anos a 68 anos. A avaliação pré-operatória da valva foi realizada por ecocardiografia transtorácica e cateterismo cardíaco, quando necessário para estudo das coronárias.

O procedimento cirúrgico foi: comissurotomia com papilarotomia 11 casos (19,6%), comissurotomia com anuloplastia mitral utilizando órtese maleável de pericárdio bovino 27 (48,2%) casos e anuloplastia mitral utilizando órtese maleável de pericárdio bovino 18 (32,1%) casos. Procedimentos concomitantes: troca valvar aórtica em 8 casos, plástica tricúspide em 4 casos, fechamento de comunicação interatrial em 1 caso.

O teste intraoperatório foi realizado com injeção de sangue proveniente da linha arterial com cânula dentro do ventrículo esquerdo, observando-se a competência da valva mitral.

Foi realizada ecocardiografia transtorácica no pós-operatório imediato e a cada seis meses, no seguimento.

Variáveis analisadas: sexo, classe funcional (segundo classificação da NYHA), lesão na valva mitral avaliada por ecocardiografia, ritmo cardíaco e complicações relacionadas a fenômenos tromboembólicos. Variáveis ecocardiográficas estudadas: diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo (DDFVE), diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo (DSFVE), fração de ejeção (FE), tamanho do átrio esquerdo e grau de insuficiência mitral. A insuficiência mitral foi graduada em ausente, leve, moderada e severa (Tabelas 1, 2 e 3).







Análise Estátística

Foi utilizado um pacote estatístico SPSS para Windows. Os dados foram expressos em termos de média com os respectivos desvios padrões. Foi utilizado teste T de Student para dados pareados, quando analisadas as variáveis ecocardiográficas. Considerou-se significativa a diferença com p £ 0,05 (Tabela 3).

RESULTADOS

Ritmo de fibrilação atrial pré-operatório em 11 (19,6%) pacientes e ritmo de fibrilação atrial pós-operatório em 10 (17,9%) pacientes.

Não ocorreram óbitos hospitalares ou tardios. O tempo médio de seguimento foi de 23,84 meses (desvio padrão 9,23 meses). Foram realizadas duas reoperações com 28,5 meses e 2,93 meses. Um paciente apresentou acidente vascular cerebral transitório, evoluindo sem seqüelas.

Houve melhora quanto à classe funcional (p < 0,0001) na evolução; no pré-operatório 25 (44,6%) pacientes encontravam-se em classe funcional III ou IV; no período de seguimento apenas 1 (1,8%) paciente permaneceu em classe III, os demais 46 (82,1%) evoluíram para classe funcional I. Ficaram livres de reoperação 92,76% dos pacientes no período de 42,45 meses (intervalo de confiança: 40,31 a 44,58 meses).

Houve redução do DDFVE (p = 0,001) e do tamanho do átrio esquerdo (p < 0,0001) no período de seguimento.

Não houve melhora do DSFVE estatisticamente significante (p = 0,2) e da fração de ejeção (p = 0,95).

A insuficiência mitral estava ausente em 27 (48,2%), leve em 22 (39,3%) e moderada em 7 (12,5%), no período pós-operatório. Quando avaliada a gravidade da insuficiência, houve melhora estatisticamente significativa (p < 0,001). Não foi possível correlacionar as variáveis estudadas com a oportunidade de reoperação ou insucesso do procedimento conservador.

COMENTÁRIOS

Uma das maiores experiências pessoais em procedimentos conservadores na valva mitral é de CARPENTIER (7), que relatou 1.421 pacientes com insuficiência mitral. As técnicas utilizadas por Carpentier nessa série foram ressecções parciais, encurtamento ou transposição de cordoalhas, reinserção de papilares e anuloplastia com anel rígido. As técnicas utilizadas em nossa série foram comissurotomia, papilaromiotomia e anuloplastia com órtese maleável de pericárdio bovino, técnica previamente descrita por BRAILE et al. (8).

O reparo da valva mitral reumática parece ter um prognóstico menos favorável quando comparado com valvas não reumáticas (6, 9).

O uso de órtese rígida para a realização de anuloplastia é muito freqüênte para correção da dilatação mitral, melhorando a coaptação das cúspides, reforçando o anel e prevenindo futuras dilatações do mesmo (10). Um grande número de tipos de anuloplastias tem sido utilizado, no decorrer dos anos, objetivando alcançar as funções acima citadas, preservando a maior área valvar possível e a função ventricular (5-7, 9). Recentemente, tem sido dada preferência para órtese flexível para anuloplastia, promovendo a reconformação e reforço da porção posterior do anel mitral (10).

Nossa experiência com a órtese de pericárdio bovino demonstrou que ela nos fornece todas estas propriedades, sendo forte o suficiente para prevenir futuras dilatações.

Em nossa série, fica claramente demonstrada a segurança de procedimentos conservadores (mortalidade operatória de 0,0%), durabilidade dos resultados (92,76% livres de reoperação com 42,25 meses de seguimento) e efetividade do mesmo (87,5% dos pacientes com insuficiência ausente ou leve), e melhora da classe funcional comparando-se favoravelmente a outras séries (11, 12).

A presença de 31 pacientes (55,4%) em classe I ou II nesta série é devido a fenômenos tromboembólicos prévios, ecocardiografia demonstrando trombos no átrio esquerdo, ou pacientes com insuficiência mitral que apresentavam piora da função do ventrículo esquerdo, mas que se encontravam assintomáticos ou oligossintomáticos.

A baixa incidência de tromboembolismo e ausência de endocardite nesta série está de acordo com relatos prévios (13). Em nossa série, ocorreu apenas um acidente transitório, que foi relacionado à circulação extracorpórea, mas que apresentou boa evolução, ficando sem seqüelas.

Apesar do período de seguimento máximo nesta série ter sido de 44 meses, com média de 23,84 meses, a probabilidade de reoperação é baixa; houve melhora importante de variáveis ecocardiográficos e sintomas, gratificando-nos o suficiente para que continuemos nossos esforços para o reparo cirúrgico conservador de lesões reumáticas mitrais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Craver J M, Cohen C, Weintraub W S - Case matched comparison of mitral valve replacement and repair. Ann Thorac Surg 1990; 49: 964-9.

2 Krayenbuehl H P - Surgery for mitral regurgitation: repair versus valve replacement. Eur Heart J 1986; 7: 638-43.

3 Antunes M J, Magalhães M P, Colsen P R, Kinsley R H - Valvuloplasty for rheumatic mitral valve disease: a surgical challenge. J Thorac Cardiovasc Surg 1987; 94: 44-56.

4 Duran C G, Revuelta J M, Gaite L, Alonso C, Fleitas M G - Stability of mitral reconstructive surgery at 10-12 years for predominantly rheumatic valvular disease. Circulation 1988; 78: (Suppl 1): 91-6.

5 Kumar A S, Kumar R V, Shrovastava S, Venugopal P, Sood A K, Gopinath N - Mitral valve reconstructions: early results of a modified Cooley Technique. Tex Heart Inst J 1992; 19: 107-11.

6 Carpentier A, Chauvaud S, Fabiani J N - Reconstructive surgery of mitral valve incompetence. J Thorac Cardiovasc Surg 1980; 79: 338-48.

7 Carpentier A - Cardiac valve surgery: the "French correction". J Thorac Cardiovasc Surg 1983; 86: 323-37.

8 Braile D M, Ardito R V, Pinto G H et al. - Plástica mitral. Rev Bras Cir Cardiovasc 1990; 5: 86-98.
[ Lilacs ]

9 Deloche A, Jabara V A, Relland J - Valve repair with Carpentier techniques: the second decade. J Thorac Cardiovasc Surg 1990; 99: 990-1002.

10 David T E, Komeda M, Pollick C, Burns R J - Mitral valve annuloplasty: the effect of the type on left ventricular function. Ann Thorac Surg 1989; 47: 524-8.

11 Chang C, Lin P J, Chang J P, Chu J J, Hsieh M J, Chiang C W - Long-term results of polytetrafluoroethylene mitral annuloplasty. Ann Thorac Surg 1994; 57: 644-7.

12 Cosgrove D M & Stewart W J - Mitral valvuloplasty. Curr Probl Cardiol 1989; 14: 359-415.

13 Skoularigis J, Sinovich V, Joubert G, Sareli P - Evaluation of the long-term results of mitral valve repair in 254 young patients with rheumatic mitral regurgitation. Circulation 1994; 90: (5, Part 2): 167-74.

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