Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

5

Views

ARTIGO ORIGINAL

Plástica da valva mitral com emprego do anel de Gregori-Braile: análise de 66 pacientes

Roberto Gomes de Carvalho0; Paulo R. GIUBLIN0; Luiz Roberto Macedo Lopes0; Leonardo Mulinari0; Danton R. da Rocha Loures0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000400003

INTRODUÇÃO

A plástica ou reparação da valva mitral é realizada há vários anos, mas se restringe a poucos Serviços. Várias técnicas são usadas e a tendência é de que haja uma padronização destes procedimentos.

O complexo mitral é formado pelo anel mitral, cúspides, cordas tendíneas, músculos papilares e parede ventricular esquerda.

As principais alterações anatomopatológicas que ocorrem na valva mitral são decorrentes da moléstia reumática ou degeneração mixomatosa. Estas duas entidades podem levar a insuficiência mitral ou dupla lesão mitral.

A dilatação do anel mitral é a causa mais comum da insuficiência mitral. Ele é formado por uma parte anterior e posterior. A porção anterior está fixa pelos trígonos fibrosos direito e esquerdo do coração e a posterior pela parede livre do ventrículo esquerdo. Durante a sístole ventricular o anel se contrai como um esfíncter, permanecendo com aspecto reniforme. Quando existe dilatação do anel mitral, a parte posterior se afasta da anterior, aumentando o diâmetro ântero-posterior.

As cordas tendíneas podem estar retraídas, alongadas ou rotas. A retração das cordas pode levar à sua fusão bem como à do músculo papilar. O prolapso da cúspide é conseqüência do alongamento e ou rotura das cordas tendíneas. Cordas tendíneas secundárias ou terciárias também são importantes, pois, quando fibrosadas, levam a retrações localizadas das cúspides.

As cúspides podem estar retraídas ou redundantes. Normalmente a primeira é típica da seqüela de moléstia reumática e a segunda da degeneração mixomatosa. A cúspide posterior é mais suscetível à retração que a anterior. A fusão comissural é uma situação comum quando a etiologia é a moléstia reumática.

Na moléstia reumática os músculos papilares são espessos e com fibrose, o que não ocorre na degeneração mixomatosa, onde eles são delgados. A parede ventricular esquerda, músculos papilares, cordas tendíneas, cúspides e anel mitral têm importantíssimo papel na fisiologia da contração ventricular esquerda, fato observado por LILLEHEI (1) em 1964 e revivido por DAVID et al. (2) em 1984 e SARRIS et al. (3) em 1988.

Na intenção de corrigir a insuficiência mitral, alguns autores realizam este procedimento ainda sem o emprego da circulação extracorpórea, como DAVILA (4), HARKEN et al. (5), NICHOLS (6) e BAILEY et al. (7).

Mas, pelos resultados desfavoráveis com as técnicas descritas e introdução da circulação extracorpórea, vários procedimentos são realizados. Em 1958, LILLEHEI et al. (8) corrigem a dilatação do anel através de anuloplastia e, em alguns casos, implantam prótese para substituir a cúspide posterior. Em 1958, MERENDINO et al. (9) relatam correção da dilatação do anel pela mesma técnica, ou seja, através da plicatura na comissura póstero-medial. Em 1960, McGOON (10) repara dois casos de rotura de corda tendínea da cúspide posterior e, em 1966, seu grupo (11) publica os bons resultados em 31 pacientes operados. Em 1961, BIGELOW et al. (12), no Canadá, também operam 20 pacientes, onde realizam anuloplastia. Em 1965, REED et al. (13) modificam a técnica de anuloplastia. Ou seja, realizam plicatura na comissura póstero-medial e também na ântero-lateral. SAUVAGE et al. (14), em 1966, corrigem a retração da cúspide anterior pela interposição de pericárdio autólogo entre a desinserção da cúspide e o anel mitral. Mas, deve-se a KAY et al. (15) a maior experiência em anuloplastias principalmente na insuficiência mitral de origem isquêmica.

Em 1961, STARR & EDWARDS (16) publicam experiência com substituição da valva mitral por prótese de bola. Pelo fato de ser uma técnica bastante reprodutível, é aceita universalmente, restando a plástica da valva mitral a poucos grupos e com indicações restritas.

Com o passar dos anos, observam-se complicações decorrentes do uso das próteses, como tromboembolismo, trombose e complicações pelo anticoagulante, para as próteses mecânicas, e degeneração, calcificação e rotura dos tecidos, para as biopróteses (17-21).

Todavia grande contribuição é descrita por CARPENTIER (22), pela primeira vez, em 1969. Ele introduz o conceito de reconstrução valvar mitral, onde, além da anuloplastia com remodelação do anel mitral utilizando anel protético, é necessário atuar no sistema de sustentação e nas cúspides da valva mitral (23-27). O autor salienta a importância do anel protético para evitar a dilatação futura. Ainda na escola francesa, LESSANA et al. (28-32) contribuíram em várias publicações e bons resultados.

Somente na década de 80 a técnica descrita por Carpentier é introduzida nos Estados Unidos através dos relatos de SPENCER et al. (33), COSGROVE et al. (34), BONCHEK et al. (35) e DAVID et al. (36). Na África do Sul, ANTUNES et al. (37) difundem a técnica com grande experiência na faixa etária mais baixa, tendo como principal etiologia a moléstia reumática.

Em nosso meio, a técnica de Carpentier é publicada pela primeira vez em 1983, por RIBEIRO et al. (38), seguida por LÔBO et al. (39) e POMERANTZEFF et al. (40, 41) em 1991. BROFMAN (42) relata experiência da plástica de valva mitral em crianças. BRAILE et al. (43) empregam tira de pericárdio bovino no anel posterior para corrigir a dilatação do anel. No entretanto, a maior contribuição nacional de deve a GREGORI et al. (44-50). Em uma das publicações (49), apresentam novo modelo de anel protético com bons resultados e consideram que a dilatação do anel ocorre mais pronunciadamente no sentido posterior e pouco mais à direita.

Em algumas situações o encurtamento das cordas, sepultando-as no músculo papilar, é de difícil realização, pela dificuldade de exposição do mesmo. Logo no início da presente experiência, passou-se a encurtar as cordas do nível da cúspide, através de modificação da técnica descrita por GREGORI et al. (50).

O objetivo deste estudo é analisar a técnica operatória, os resultados clínicos e laboratoriais de uma série consecutiva de pacientes submetidos à plástica da valva mitral onde se empregou a técnica de encurtamento das cordas tendíneas no nível, bem como o implante do anel de Gregori-Braile.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Entre outubro de 1989 e outubro de 1995, foram submetidos à plástica da valva mitral 66 pacientes portadores de insuficiência mitral ou dupla lesão mitral. As operações foram realizadas no Hospital Nossa Senhora das Graças, Clínica de Fraturas e Ortopedia XV e Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.

Neste grupo de pacientes, 38 (57,5%) eram portadores de insuficiência mitral e 28 (42,4%), de dupla lesão mitral. A idade variou de 9 a 65 anos, com média de 32,9.

Quarenta e nove (74,2%) pacientes eram do sexo feminino e 17 (25,7%) do sexo masculino.

Em relação à etiologia, a moléstia reumática esteve presente em 49 (74,2%) pacientes, degeneração mixomatosa em 15 (22,7%) pacientes, endocardite infecciosa em uma (1,5%) paciente e insuficiência mitral pós-valvoplastia por cateter-balão em outra paciente (1,5%).

O ritmo cardíaco no pré-operatório era sinusal em 47 (71,2%) pacientes. E os demais (28,7%) pacientes estavam em fibrilação atrial.

Dois (3,0%) pacientes estavam na classe funcional (NYHA) II, 41 (62,1%) na classe III e 23 (34,8%) na classe IV. Sopro sistólico em foco mitral (SSFM) ++/4+ foi observado em 15 (22,7%) pacientes +++/4+ em 28 (42,4%) e ++++/4+ em 22 (33,3%).

O tempo de evolução foi de 2,560 meses/pacientes com média de 38,8 meses e desvio padrão de 19,5.

Em 64 (96,9%) foi possível seguir a evolução tardia.

Métodos

Anel protético

O anel (Braile-Biomédica, São José do Rio Preto - SP) é semicircular, composto de aço inoxidável revestido por fina camada de silicone e coberta com veludo de Dacron®. A parte anterior é aberta e a inferior, à direita, é retificada (Figura 1). A numeração varia de 26 a 36, existindo medidores correspondentes. A escolha ideal do anel deve ser baseada na distância entre o trígono fibroso direito e o esquerdo do coração. A prótese é implantada no anel mitral com pontos em "U" e estes passados na face externa do anel.


Fig. 1 - Anel protético modificado por GREGORI et al. (49). Note-se o formato de uma hemielipse aberta na parte anterior. A parte inferior à direita é retificada e tem a finalidade de aproximar esta região de encontro com a cúspide anterior.

Normalmente são necessários de 6 a 8 pontos.

Estudo Dopplerecocardiográfico

Foram realizados estudos Dopplerecocardiográficos uni e bidimensional e Doppler com transdutores de 2,5 e 3,5 megahertz (interspec - modelo apogge U2903 - Ambler PA-EUA). As imagens foram obtidas nos cortes transversal, apical e subcostal. As medidas das cavidades esquerdas foram expressas em centímetros e a função ventricular em % (encurtamento porcentual). O aspecto anatômico das cúspides da valva mitral, cordas, anel e músculos papilares foi observado em vários cortes. Foram aferidos os seguintes parâmetros: diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo (DVSE), diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE), tamanho do átrio esquerdo (AE), diâmetro do ínicio da aorta (Ao), espessura diastólica do septo ventricular (EDS), espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo (EPP) e encurtamento porcentual (D%).

Classificação Anatomopatológica das Lesões da Valva Mitral

Esta classificação foi baseada em estudos realizados por LESSANA et al. (28), em 1983, a qual é dividida em quatro grupos de acordo com a amplitude dos movimentos da valva mitral: Grupo I: amplitude restrita dos movimentos devido à fusão das comissuras e retração dos músculos papilares e cordas tendíneas; Grupo II: maior amplitude devido ao alongamento, rotura ou distensão do tecido valvar ou sua combinação; Grupo III: lesões mistas, ou seja, aumento de movimento de uma das cúspides (normalmente a cúspide anterior) e restrição da amplitude de outra cúspide e Grupo IV: deformação e dilatação do anel mitral (Figura 2).


Fig. 2 - Classificação das lesões da valva mitral proposta por LESSANA et al. (29).

Anestesia

A medicação pré-anestésica é administrada 1 hora antes da operação e a droga é midazolan (Dormonid ® - Roche), na dose de 15 mg, com mínimo de líquido.

Após o doente estar deitado em decúbito dorsal, na mesa de operação, é canulada veia periférica de grosso calibre com cateter de Teflon G14. Avalia-se a efetividade da medicação pré-anestésica e, se for necessário, administram-se doses adicionais (1 a 2 mg) de midazolan (Dormonid® - Roche) por via intravenosa. Nesta fase, o doente é ventilado com máscara a 6 l/min de oxigênio. Imediatamente é instalado oxímetro de pulso (Ohmeda - modelo 1315W - Louisville - Co - EUA).

A indução da anestesia é realizada com 0,3 mg/kg de peso de etomidate (Hypnomidate® - Janssen), durante 60 segundos, observando-se sempre a perda do reflexo córneopalpebral; é injetado 0,1 mg/kg de peso de brometo de pancurônio (Pavulon® - Organon-Teknika) e 15 mg/kg de peso de citrato de fentanila (Fentanil® - Janssen) de uma velocidade de 0,5 ml/s. Ventila-se com oxigênio a 100% com máscara e balão durante 3 minutos, procedendo-se assim a intubação orotraqueal, utilizando cânulas descartáveis ("Biotecno" - São Paulo-SP).

A ventilação é controlada mecanicamente através de ventilador (Takaoka-modelo Fuji 2604 - São Paulo-SP) com fole de capacidade de 1000 ml ciclado a volume, sem absorvedor de gás carbônico e com fração de inspiração de oxigênio de 50%. O volume de ar corrente é calculado na base de 10 ml/kg de peso e a freqüência ventilatória de 10 a 12 ciclos por minuto, sendo o regime ventilatório adequado em função da capnometria e oximetria de pulso. Após a indução anestésica, é realizado cateterismo vesical com sonda de Foley adequada.

A manutenção do relaxamento muscular é controlada com doses adicionais de um terço da dose inicial de pancurônio (Pavulon® - Organon-Teknika), e a manutenção da anestesia é feita com isoflurano em vaporizador universal e associada a doses de midazolan (Dormonid® - Roche) (0,1 mg/kg de peso) e citrato de fentanila (Fentanil® - Janssen) (5 mg/kg de peso).

A circulação extracorpórea (CEC) é realizada em hipotermia moderada, com temperatura variando entre 31°C e 33°C. O fluxo de perfusão varia de 1.500 a 2.500 ml/m2/min. A proteção miocárdica é realizada através de solução hemocardioplégica injetada na aorta ascendente, logo após o seu pinçamento. A quantidade de solução é de 10 ml/kg de peso e repetida a metade da dose de cada 30 minutos. Após o término do procedimento, é retirada a pinça da aorta e, antes do retorno dos batimentos cardíacos, é retirado o ar das cavidades esquerdas. O retorno dos batimentos cardíacos pode ser de maneira espontânea ou através de desfibrilação elétrica.

O acesso à valva mitral é realizado através de ampla atriotomia esquerda logo abaixo do sulco interatrial e acima das veias pulmonares superior e inferior direitas. Libera-se a reflexão do pericárdio na região da veia cava superior e inferior para proporcionar maior visão da valva mitral quando o átrio esquerdo é afastado.

Antes do procedimento, é fundamental que o cirurgião domine a anatomia do complexo mitral e saiba quais são os seus defeitos e o programa cirúrgico. Primeiramente é observado o interior do átrio esquerdo para se detectar presença de trombos, calcificações na parede do átrio, bem como lesões causadas pelo jato de sangue através da valva. A seguir, com auxílio de ganchos especiais são observadas as comissuras, cordas tendíneas e músculos papilares. Desta maneira, observa-se a amplitude e/ou a restrição da valva mitral.

Procedimentos Empregados na Plástica Mitral

a) Implante do Anel de Gregori

O anel protético é implantado na porção posterior do anel da valva mitral, por intermédio de pontos passados em "U" do átrio para o ventrículo e deste para o átrio. Eles vão desde a comissura anterior até a posterior, correspondendo ao trígono fibroso direito e esquerdo do coração. Através de medidores próprios, é escolhido o tamanho ideal para cada paciente (Figura 3). São passados de 6 a 8 pontos, permitindo uma remodelação do anel mitral, fazendo com que a porção posterior permaneça mais perto do anterior. GREGORI et al. (44) observam que a dilatação se dá mais no sentido posterior e à direita.


Fig. 3 - Técnica de implante do anel. Note-se que o primeiro ponto (setas) e o último são passados no nível das comissuras anterolateral e posteromedial, respectivamente; a = anterior; p = posterior; GREGORI et al. (46).

b) Mobilização da valva mitral

# Comissurotomia: É realizada com auxílio de bisturi lâmina nº 11, ao longo da fusão entre ambas as cúspides, tanto na porção anterior como na posterior. Deve-se incisar até de 2 a 4 mm do anel, sempre observando para não seccionar cordas que, em algumas ocasiões, podem estar abaixo da cúspide.

# Papilarotomia: Através de incisão deve-se ampliar ao máximo os músculos papilares. Ela é longitudinal e em algumas situações deve-se realizar fenestrações (26) neste músculo ou até nas cordas tendíneas que estiverem fusionadas.

# Ressecção de cordas: As cordas tendíneas que estiverem retraídas, limitando a movimentação das cúspides, devem ser ressecadas respeitando a sua importância.

# Ressecção de cálcio: Pequenas calcificações devem ser ressecadas e normalmente estão localizadas perto das comissuras. Existe plano de clivagem entre a parte calcificada e o tecido valvar, sendo fácil a sua ressecção.

c) Procedimentos para restringir a mobilidade da valva mitral

# Encurtamento de cordas: tem a finalidade de corrigir o prolapso da cúspide devido ao alongamento das cordas tendíneas em grupos ou isoladas. O encurtamento pode abordar as cordas da cúspide anterior e/ou posterior. As cordas podem ser sepultadas na parte fibrosa do músculo papilar (Figura 4) ou encurtadas no nível da correspondente cúspide. É passado fio de polipropileno 4-0 (Ethycon®, Inc., Somerville, NJ, EUA) por duas vezes na corda tendínea e as duas extremidades do fio são passadas na cúspide no sentido do ventrículo para o átrio (Figura 5).


Fig. 4 - Desenho que mostra encurtamento das cordas tendíneas alongadas sepultadas na parte fibrosa do músculo papilar.


Fig. 5 - Encurtamento de cordas no nível da cúspide. À esquerda pontos são passados no grupo de cordas alongadas. À direita após a correção. AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo.

# Ressecção quadrangular da cúspide posterior: na presença de rotura de cordas tendíneas da cúspide posterior, o segmento de cúspide correspondente à rotura é ressecado até o anel. As bordas livres são aproximadas com pontos separados com fio de polipropileno nº 4-0 (Ethycon®, Inc., Somerville, NJ, EUA). Se não houver mais procedimentos associados, é implantado o anel com técnica já descrita.

# Transposição de cordas: quando existe prolapso da cúspide anterior por rotura de cordas tendíneas de 1ª e 2ª ordens, é realizada transposição de cordas da cúspide posterior para a região anterior correspondente à rotura. E o defeito criado é reparado com sutura em pontos separados com fio de polipropileno 4-0 (Ethycon®, Inc., Somerville, NJ, EUA) (Figura 6). A seguir é realizado o término do procedimento com implante do anel.


Fig. 6 - Transposição de cordas. Da esquerda para direita, note-se a secção da cúspide e corda tendínea (linha pontilhada); ao meio, o deslocamento da corda e, à direita, fixação com a cúspide onde havia rotura da corda.

# Deslizamento da cúspide posterior: em algumas situações existe excesso de tecido valvar, principalmente nas cúspides. Para prevenir obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo por movimento anterior da cúspide anterior durante a sístole ventricular, é empregada esta técnica (51). Realiza-se incisão na parte medial da cúspide posterior desde a borda livre até o anel. A seguir secciona-se a cúspide posterior bem junto ao anel no sentido anterior e posterior. Implanta-se o anel de Gregori e, antes de fixar o mesmo, suturam-se as bordas livres da cúspide com pontos separados com fio de polipropileno 4-0 (Ethycon®, Inc., Somerville, NJ, EUA), e, com sutura contínua, junta-se a cúspide posterior com o anel. Após, fixa-se o anel artificial ao anel do paciente (Figura 7).


Fig. 7 - Técnica de deslizamento de cúspide. No desenho superior a linha pontilhada indica a incisão na cúspide; ao meio, as flechas mostram a aproximação das bordas da cúspide e, no desenho inferior, as bordas da cúspide já aproximadas e o implante do anel aberto.

d) Procedimentos associados

# Como procedimentos associados foram realizados: plástica da valva aórtica; troca da valva aórtica (prótese biológica); plicatura do átrio esquerdo; plástica da valva tricúspide com implante do anel de Gregori (invertido) em posição tricúspide. Fechamento de orifício circular na cúspide anterior com placa de pericárdio bovino. E cirurgia de Cox para tratamento da fibrilação atrial.

Após a plástica da valva mitral com implante do anel protético, a valva é testada com injeção de soro no interior do ventrículo esquerdo, ainda com aorta pinçada. Na maioria dos casos esta manobra é suficiente. Caso contrário, observa-se a valva mitral com o coração batendo, sendo desejável manter pressão arterial média acima de 70 mmHg.

Métodos de Avaliação do Paciente

No período PO foi avaliada a morbilidade, mortalidade, tromboembolismo, bem como grau funcional, presença de sopro sistólico no foco mitral e alterações Dopplerecocardiográficas. O tempo de evolução variou de 3 a 74 meses, com tempo médio de 38,8 meses (DP = 16,4623).

a) Avaliação dos sintomas

Os sintomas foram avaliados de acordo com a classificação da New York Heart Association.

Classe funcional I: pacientes assintomáticos

Classe funcional II: pacientes sintomáticos aos grandes e médios esforços

Classe funcional III: pacientes sintomáticos aos pequenos esforços

Classe funcional IV: pacientes sintomáticos ao repouso.

b) Avaliação do sopro sistólico no foco mitral (SSFM)

O SSFM foi avaliado e classificado da seguinte maneira:

0 ___ ausência de sopros

+ ___ SS discreto

++ ___ SS de média intensidade

+++ ___ SS importante

++++ ___ SS muito importante

c) Avaliação através do estudo Dopplerecocardiográfico

Estudo Dopplerecocardiográfico foi realizado nos pacientes antes e 30 dias depois da operação, com a finalidade de observar o tamanho das cavidades esquerdas, função ventricular e o aspecto das cúspides da valva mitral, cordas tendíneas, músculos papilares e anel mitral. Este método complementar, não invasivo, avaliou a mobilidade da valva e presença ou não do grau de calcificação. As medidas normais das cavidades esquerdas foram as seguintes: diâmetro da porção inicial da aorta -2,0 a 3,7 cm; tamanho do átrio esquerdo -1,9 a 4,0 cm; diâmetro diastólico do VE -3,5 a 5,6 cm; espessura diastólica da parede posterior do VE -0,6 a 1,1 cm; espessura diastólica do septo ventricular esquerdo -0,6 a 1,1 cm; encurtamento sistólico porcentual do VE - = ou > 30%. O estudo com Doppler avaliou o grau de refluxo através da valva mitral bem como o gradiente médio transvalvar.

d) Análise estatística

Para o estudo da evolução dos pacientes do pré-tratamento para o pós-tratamento foram utilizados testes estatísticos de comparação de amostras pareadas.

Para as variáveis numéricas, diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo, diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo, tamanho do átrio esquerdo, diâmetro da aorta, espessura do septo, espessura da parede posterior, encurtamento porcentual, área da valva mitral e gradiente, foi utilizado o teste "T" de Student para amostras pareadas.

Para as variáveis com classificação ordinal, sopro sistólico no foco mitral, grau funcional e refluxo mitral, foi utilizado o teste de Wilcoxon para amostras pareadas.

Para a variável nominal ritmo, foi utilizado o teste exato de Fisher.

A análise de sobrevivência foi realizada através do Produto limite Kaplan-Meier.

Todas as decisões foram tomadas no nível de 5% de significância.

RESULTADOS

Técnica Operatória

Os procedimentos empregados na plástica da valva mitral estão citados da Tabela I. O encurtamento das cordas tendíneas no nível da cúspide foi realizado em 31 casos (49,6%).



Classificação Anatomopatológica da Valva Mitral

O número de pacientes relacionados com a classificação proposta por LESSANA et al. 28 foi o seguinte: Grupo I: amplitude restrita dos movimentos devido à fusão das comissuras e retração dos músculos papilares e cordas tendíneas 17 (25,7%) pacientes. Grupo II: maior amplitude devido ao alongamento, rotura ou distensão do tecido valvar ou sua combinação 27 (40,9%) pacientes. Grupo III: lesões mistas, ou seja, aumento de movimento de uma das cúspides (normalmente a cúspide anterior) e restrição da amplitude de outra cúspide (18 pacientes -27,2%); Grupo IV: deformação e dilatação do anel mitral (4 pacientes - 6%).

O tempo médio de CEC foi de 77 minutos, variando de 37 a 121 minutos (DP = 20,49). O tempo médio de pinçamento aórtico foi de 48 minutos (20 a 91 minutos com DP = 15,44) e o tempo médio de operação foi de 144 minutos (83 a 245 com DP = 36,43). A quantidade média de solução cardioplégica sangüínea foi de 880 ml (500 a 1800 ml com DP = 272,32). Em 42 pacientes (63,6%) o coração retornou ao ritmo sinusal de maneira espontânea, mas a média de cardioversão por paciente foi de 0,64 (0 a 5 com DP = 1,27).

Mortalidade Hospitalar

Uma 1,5% paciente faleceu no 7º dia de P.O. por possível tromboembolismo pulmonar. Estudo Dopplerecocardiográfico no 5º dia de P.O. mostrou eficiência da operação.

Complicações

Uma (1,5%) paciente foi submetida a reoperação por sangramento. Outra (1,5%) paciente apresentou falência ventricular esquerda. Nesta paciente o encurtamento percentual era de 35% e o tempo de pinçamento aórtico foi de 109 minutos. Não ocorreu nenhum caso de infecção esternal ou da ferida operatória.

Tromboembolismo

Ocorreu um fenômeno tromboembólico após 25 meses em um paciente com acidente vascular cerebral.

Ritmo Cardíaco

No pré-operatório o ritmo era sinusal em 48 pacientes (71,2%), sendo que em 47 o ritmo permaneceu sinusal no pós-operatório e em um paciente passou para fibrilação atrial. Dezoito (27,2%) pacientes apresentavam fibrilação atrial no pré-operatório. Destes, 8 pacientes passaram para ritmo sinusal e 8 permaneceram em fibrilação atrial no pós-operatório e 2 pacientes com ritmo juncional. Houve mudança significativa de FA para RS (p = 0,0038).

Grau Funcional (GF)

Houve melhora do grau funcional. No pós-operatório, 53 (80,3%) pacientes estavam no GF I e 8 (12,1%) no GF II. Ou seja, 92,4% passaram para o GF I e/ou II no pós-operatório. Em relação ao pré-operatório, 41 (62,1%) pacientes estavam no GF III e 23 (34,8%), no GF IV. Uma paciente que se encontrava no GF IV evoluiu com choque cardiogênico, sendo necessária operação de emergência. Esta paciente apresentava rotura das cordas tendíneas da cúspide posterior e evoluiu para GF I no pós-operatório. A paciente que passou do GFIII para IV no pós-operatório, sofreu nova intervenção cirúrgica. O grau funcional diminuiu significativamente de pré para pós-tratamento (p < 0,001)

Sopro Sistólico em Foco Mitral (SSFM)

No pré-operatório o SSFM com intensidade de +++ estava presente em 28 (42,4%) pacientes e de ++++ em 22 (33,3%). No pós operatório, 39 (60,6%) pacientes não apresentaram sopro e em 20 (30,3%) o sopro era de + de intensidade. Ou seja, em 91,1% dos casos o sopro era ausente ou de + de intensidade. O grau de intensidade do sopro diminuiu significativamente após a correção cirúrgica (p < 0,001)

Mortalidade Tardia

Ocorreram 3 (4,5%) óbitos tardios. Uma paciente faleceu após 42 meses. Abandonou o tratamento, evoluindo com gestação considerada de alto risco. Chegou ao setor de emergência em choque cardiogênico seguida de parada cardiorrespiratória. Na época auscultava-se sopro sistólico em foco mitral de +++. Este óbito foi considerado como de causa cardíaca. Outro paciente faleceu após 25 meses da operação. Era portador de rim policístico e hipertensão arterial. Estava assintomático e em ritmo sinusal, mas evoluiu com acidente vascular cerebral. Considerou-se o tromboembolismo de origem cardíaca. A terceira paciente faleceu ao 45º dia de P.O. decorrente de hepatite. A taxa de mortalidade foi de 4,5% e de 0,75% ao ano. Após 72 meses, 95,5% estavam vivos. A etiologia da lesão valvar mitral da primeira paciente era moléstia reumática e do segundo caso degeneração mixomatosa.

Reoperação

Quatro pacientes foram reoperados com incidência de 6,0% e incidência ao ano de 1% e estão livres de reoperação 96%. Em todos os casos a valva mitral foi substituída (por prótese biológica em 2 casos e mecânica em 2 casos). Não ocorreram óbitos na reoperação. Em 3 casos houve recorrência da insuficiência mitral (rotura da plástica e recorrência de atividade reumática em 2 casos). A paciente com hemólise apresentava sinais de dupla lesão mitral com SSFM de ++ e estava em GF III.

Atividade Reumática

Duas (3%) pacientes evoluíram com recorrência da atividade reumática 12 e 24 meses após a plástica da valva mitral e aórtica. Mudaram para GF IV durante o surto reumático, havendo necessidade de se substituir a valva mitral, com boa evolução.

Gestação

Quatro pacientes evoluíram com gestação a termo no período pós-operatório. Todas as pacientes, exceto uma, que faleceu, tiveram parto normal sem sinais de descompensação cardíaca no último trimestre de gestação.

Avaliação Dopplerecocardiográfica

As medidas Dopplerecocardiográficas pré e pós-operatórias e a análise estatística dos valores estão citadas na Tabela 2.



No pré-operatório o valor máximo do diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) foi de 9,5 cm, mínimo de 3,5 cm e médio de 5,96 cm e desvio-padrão de 0,97 cm. No pós-operatório, o valor máximo foi de 8,0 cm, mínimo de 3,4 cm e médio de 5,33 cm e desvio-padrão de 0,77 cm. Houve redução significativa do DDVE quando comparados os valores de pré e pós-operatório de p < 0,001).

O tamanho mínimo do átrio esquerdo (AE) no pré-operatório foi 3,8 cm, o máximo, 8,0 cm, com média de 5,67 cm e desvio-padrão de 0,91 cm. No pós-operatório o valor mínimo foi de 3,3 cm, o máximo, de 6,0 cm, com média de 4,65 cm e desvio-padrão de 0,63 cm. O AE diminuiu de tamanho no pós-operatório de maneira significativa (p < 0,001).

Quando ao encurtamento porcentual (%D), no pré-operatório o valor máximo foi de 48%, o mínimo de 18% e o médio de 35,33% e desvio-padrão de 6,93%. No pós-operatório o valor máximo foi de 57%, o mínimo de 22%, com média de 34,12% e desvio-padrão de 7,15%. Não houve diferença significativa com p > 0,10.

Em relação ao diâmetro da aorta ascendente, as medidas aumentaram em comparação com o pré-operatório. O diâmetro médio no pré-operatório foi de 2,97 cm e passou para 3,13 cm no pós-operatório, com nível de significância de p = 0,0102.

O diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo, espessura do septo ventricular e parede posterior do ventrículo esquerdo não apresentaram alterações, com nível de significância comparando-os antes da operação e após a mesma.

O estudo Dopplerecocardiográfico avaliou a área valvar mitral. No pré-operatório o valor máximo foi de 2,8 cm2, o mínimo, de 0,7 cm2, com média de 1,70 cm2 e desvio-padrão de 0,64 cm2. No pós-operatório o valor máximo foi de 3,7 cm2, o mínimo, de 1,4 cm2, com valor médio de 2,43 cm2 e desvio-padrão de 0,57 cm2. Houve nível de significância de p = 0,0034, apesar de o número de amostragem ser menor.

Em relação ao gradiente pressórico médio, o valor máximo no pré-operatório foi de 22 mmHg, o mínimo, de 3,3 mmHg, com média de 11,19 mmHg e desvio-padrão de 5,62 mmHg. No pós-operatório, o valor máximo foi de 12,2 mmHg, o mínimo, de 0,5 mmHg, com média de 5,58 mmHg e desvio-padrão de 2,80 mmHg. Esta diferença foi significativa com valor de p = 0,0036.

As Figuras 8a e 8b mostram um exemplo do estudo Dopplerecocardiográfico com Doppler no período pré e pós-operatório. Esta paciente apresentava dupla lesão mitral. O estudo pós-operatório mostrou aumento da área valvar e ausência de refluxo através da valva mitral.








Fig. 8 - Dopplerecocardiograma pré (8A) e pós-operatório (8B) de correção da dupla lesão mitral. Observa-se o aumento da área valvar e a diminuição do refluxo mitral após a correção.

Estudo Hemodinâmico

Apesar da ventriculografia esquerda não ter sido realizada de rotina, a Figura 9 mostra, na foto ao alto, importante refluxo através da valva mitral em paciente, onde se realizou ressecção quadrangular da cúspide posterior em dois locais e encurtamento de cordas (foto ao meio). A foto inferior evidencia ausência de refluxo mitral.






Fig. 9 - Acima, ventriculografia em sístole demonstrando importante refluxo de contraste para o átrio esquerdo. Ao meio, aspecto operatório da plástica já realizada (ressecção quadrangular da cúspide posterior em dois locais, encurtamento de cordas e implante do anel). Abaixo, ventriculografia pós-operatória demonstrando ausência de refluxo através da valva mitral.

A Figura 10 mostra campo operatório de uma paciente com etiologia de moléstia reumática, observando-se o espessamento das cúspides e dilatação do anel (Figura 10A). A Figura 10B mostra o anel implantado e, a Figura 10C, a plicatura do átrio esquerdo através de sutura contínua abaixo do plano valvar.






Fig. 10 - Na Figura 10A, observe as cúspides espessadas com prolapso e dilatação do anel. Na Figura 10B, após correção (encurtamento de cordas e implante do anel) e ausência de refluxo após teste através de injeção de soro no interior do VE. Figura 10C, plicatura do átrio esquerdo.

A paciente com insuficiência mitral pós-valvoplastia por cateter-balão (Caso 32) realizou duas dilatações da valva mitral. O período entre a primeira dilatação e a operação foi de três meses. Neste caso havia rotura paracomissural anterior e posterior, como mostra da Figura 11.


Fig. 11 - Desenho esquemático da rotura (flechas) da cúspide anterior e posterior (paracomissural), após valvoplastia por cateter-balão.

COMENTÁRIOS

Alguns princípios básicos são necessários para se realizar a operação com segurança. O cirurgião deve dominar a anatomia normal da valva mitral e, principalmente, as alterações patológicas. A identificação de cada alteração anatômica é o primeiro e importante passo para o procedimento. Sem estes conhecimentos os resultados serão desfavoráveis.

Mortalidade Hospitalar

A mortalidade hospitalar na presente experiência foi de 1,5% e está dentro dos resultados da literatura (25-28, 30, 34, 37, 41, 43, 52-54) que variam de 0% a 8,5%. Na casuística nacional, POMERANTZEFF et al. (41) apresentaram mortalidade de 2,6% em 301 pacientes operados. GREGORI et al. (45) mostraram mortalidade de 1,9% em 105 pacientes operados com a técnica de Carpentier. LESSANA et al. (31), em 275 pacientes, apresentaram mortalidade de 4%. Em 1983, CARPENTIER et al. (26), com a maior casuística mundial (1421 pacientes), obtiveram 3,6% de mortalidade hospitalar. COSGROVE et al. (34) relacionaram o grau funcional com a mortalidade. Doentes no GF III apresentaram índice de 4,9% e no GF IV, de 12,5%. Para os pacientes idosos, como em outros procedimentos cirúrgicos, a mortalidade também é elevada, como demonstraram SCOTT et al. (54) com índice de 8,5%.

Importância do Aparelho Valvar Mitral na Contratilidade Ventricular

GALLOWAY et al. (55) relataram mortalidade de 8,5% após troca valvar mitral, incidência comparada com a conservação da valva. Isto se deve à preservação dos músculos papilares e cordas tendíneas. RUSHMER (56), em 1956, observou a existência da relação entre a valva mitral, parede ventricular esquerda, cordas tendíneas, músculos papilares e a sístole ventricular. Durante o período isométrico do ciclo cardíaco, a contração proporcionada pelos músculos papilares traciona o anel mitral para o interior da cavidade ventricular esquerda, encurtando o eixo longitudinal e aumentando o eixo transverso do ventrículo, assim distende as fibras, aumentando a tensão e, conseqüentemente, produzindo uma sístole mais efetiva.

LILLEHEI et al. (1), em 1964, preservaram as cordas tendíneas e músculo papilar posterior e observaram clinicamente boa evolução dos pacientes, confirmando esta teoria. DAVID et al. (2), em 1984, confirmaram, em estudos experimentais e clínicos, a importância da manutenção destas estruturas.

BONCHEK et al. (35) confirmaram, através do estudo hemodinâmico pós-operatório de plástica mitral, diminuição da cavidade ventricular e aumento do índice cardíaco, o que não ocorreu em outro grupo de pacientes submetidos à troca valvar. Concluíram que a continuidade entre valva mitral e ventrículo esquerdo impede a dilatação do mesmo e, conseqüentemente, o seu desgaste.

SARRIS et al. (3), em estudo experimental, desinseriram o músculo papilar do anel mitral e observaram queda importante da função ventricular. Em seguida reinseriram o mesmo músculo no anel e houve melhora imediata da contratilidade. Desta maneira, a diminuição da contratilidade é mecânica e aguda, mas não por alteração intrínseca do miocárdio. Esta observação também foi descrita por outros autores (31, 57).

No presente estudo, somente uma doente evoluiu com baixo débito, o que se atribuiu ao tempo prolongado de pinçamento aórtico.

Mortalidade Tardia e Sobrevida

Na casuística deste trabalho, 3 pacientes faleceram após 45 dias, 25 e 42 meses da operação. A taxa global de mortalidade foi 4,5% e 0,75% ao ano. Após 72 meses a taxa de sobrevida era de 95,5%. Estes dados são comparáveis com os da literatura (24, 25, 27, 28, 37, 43, 45, 58). CARPENTIER et al. (27), em estudo com 551 pacientes, apresentaram mortalidade de 7% em 10 anos, com sobrevida de 82%. Os fatores que influenciaram na mortalidade foram a idade, área cardíaca e a causa básica da doença.

DELOCHE et al. (24), após 17 anos de evolução, apresentaram mortalidade de 19% com sobrevida de 72,4%. A evolução foi melhor nos pacientes portadores de moléstia reumática do que nos de degeneração mixomatosa, com 81,1% e 71,1%, respectivamente. A explicação foi de que os doentes com moléstia reumática eram mais jovens na época da operação. Na experiência presente, a paciente que faleceu de causa cardíaca tinha passado de moléstia reumática.

O tipo de lesão valvar mitral influenciou na mortalidade tardia, fato observado por ANTUNES et al. (37). Na casuística de 241 pacientes, mortlidade tardia foi de 6,2%. Mas houve diferença significativa entre os doentes com dupla lesão mitral (12,8%) e insuficiência mitral (5,5%).

Assim como no material deste estudo, BRAILE et al. (43) tiveram o acidente vascular cerebral como causa mortis. LESSANA et al. (28) obervaram que associação de lesão valvar tricúspide diminuiu a sobrevida com índice de 89% e, com lesão somente na valva mitral, a taxa de sobrevida tardia foi de 92%. No InCor a taxa de sobrevida foi quase superponível à do presente trabalho. POMERANTZEFF et al. (40) descreveram sobrevida de 94,1% no período de sete anos em 39 pacientes estudados.

Reoperações

Na literatura o índice de reoperação varia de 3,5% a 11% (24, 25, 27, 28, 40, 45, 59). Neste trabalho, o índice de reoperação foi de 6,0% (4 pacientes), com taxa de reoperação ao ano de 1% e 96% dos pacientes estavam livres de reoperação aos 72 meses. A causa básica da doença era moléstia reumática e os doentes foram reoperados dentro de 25 meses, sem mortalidade na reoperação. ANTUNES et al. (37) também comentaram que a moléstia reumática é a principal causa de reoperação. Em sua experiência de 241 pacientes operados, a incidência de reoperação foi de 10,4% em um prazo médio de 9,9 meses. Observaram que a causa mais comum de disfunção valvar era a retração da cúspide. Após 4 anos e 6 meses, 78% dos pacientes estavam livres de reoperação. Justificaram alta incidência tendo em vista que 44,4% eram pacientes abaixo de 15 anos de idade.

Ao contrário da presente casuística com incidência de 0% de mortalidade nas reoperações, CARPENTIER et al. (27) relataram mortalidade de 13%. A incidência de reoperação foi de 11%, sendo que a metade dos doentes foi reoperada dentro dos dois primeiros anos de pós-operatório. GREGORI et al. (45) chamaram atenção para as causas da reoperação. Na sua experiência de 105 pacientes, 6 (5,7%) foram reoperados e as causas foram endocardite infecciosa e recorrência da atividade reumática. Nesta casuística, dos 3 pacientes reoperados, 1 evoluiu com recorrência da atividade reumática.

LESSANA et al. (28) observaram que os pacientes pertencentes ao Grupo III de sua classificação (amplitude aumentada em uma cúspide e restrição em outra) apresentaram maior morbidade e, aos 7 anos de pós-operatório, 88% estavam livres de reoperação.

O mesmo grupo (30), em 1990, relatou incidência de 7,9% de reoperação. Após 13 anos de pós-operatório, 72,1% estavam livres de reoperação. A incidência foi maior quando a valva tricúspide estava comprometida (45,8%), ao contrário do comprometimento isolado da valva mitral (88,9%).

Tromboembolismo

Felizmente o tromboembolismo é uma situação rara após plástica da valva mitral. Na presente casuística 1 paciente faleceu por acidente vascular cerebral após 25 meses e considerou-se como sendo de causa embólica, apesar da ausência de dados. Aos 72 meses, 98,4% destes pacientes estavam livres de tromboembolismo. Na experiência de DAVID et al. (36), 95% estavam livres de tromboembolismo após 1 ano e 94%, após 8 anos. Os fatores predisponentes foram fibrilação atrial e idade acima de 60 anos, levando à incidência de até 3 vezes.

Esta mesma incidência foi relatada por LESSANA et al. (30), com níveis de 94,7% livres de embolia após 13 anos. Neste estudo, dos 6 pacientes que apresentaram embolia, 5 estavam com fibrilação atrial. DELOCHE et al. (24) também apresentaram 93,9% livres de fenômenos tromboembólicos em 15 anos de evolução, com taxa linearizada de 0,4% paciente-ano.

A plástica da valva mitral reduziu a incidência de tromboembolismo, fato observando por ORSZULAK et al. (53). Os pacientes submetidos à troca valvar mitral apresentaram 8,0 eventos/100 paciente-ano contra 1,8 eventos/100 paciente-ano em atitude conservadora da valva mitral. Os autores concluíram que a plástica reduziu em até quatro vezes esta complicação.

Avaliação do Ritmo Cardíaco, Grau Funcional (GF) e Sopro Sistólico em Foco Mitral (SSFM):

# Ritmo cardíaco: No período pré-operatório BROFMAN (42) descreveu ritmo sinusal presente em 93,1% dos casos e FA em 6,8%, passando para 96,4% e 3,5% ao ritmo sinusal e FA, respectivamente. Nos pacientes deste trabalho, 71,2% estavam em ritmo sinusal no pré-operatório, mudando para 83,3% no PO e dos 24,2% com FA no pré-operatório, 13,6% permaneceram com o mesmo ritmo com significância estatística. Justifica-se a maior incidência de ritmo sinusal daquele autor tendo em vista que sua experiência foi maior em pacientes jovens.

# Grau funcional: A melhora do GF foi significativa, não somente no presente material como nos demais trabalhos (24, 30, 34, 36, 37, 44, 45). No pré-operatório, esta experiência mostrou que 62,1% dos pacientes estavam no GF III e 34,8%, no GF IV. No pós-operatório, 80,3% passaram para o GF I e 12,1%, para o GF II. Esta diferença foi estatisticamente significativa com p < 0,001. Os números foram semelhantes aos que relataram COSGROVE et al. (34), em que 76,6% estavam no GF III ou IV no pré-operatório e 96,2% passaram para o GF I ou II.

Dos 105 pacientes operados por GREGORI et al. (45), no pré-operatório 40% estavam no GF III e 54,3%, no GF IV. No pós-operatório, 85,7% estavam no GF I e 3,8%, no GF II. ANTUNES et al. (37) analisaram doentes com moléstia reumática e de todos os pacientes que estavam no GF III ou IV, 85% passaram para o GF I.

Deve-se esta melhora no PO à preservação da continuidade entre as cordas tendíneas e o anel mitral.

Na literatura, apenas o presente trabalho menciona estes resultados com análise estatística.

# Sopro sistólico no foco mitral (SSFM): Observação de LESSANA et al. (30) revelaram ausência do sopro em 42% e sopro leve em 51%, ou seja, melhora em 93% dos casos. Os resultados são semelhantes aos presentes uma vez que 92,4% dos desta série de doentes aqui relatados apresentaram SSFM de + e/ou a sua ausência no pós-operatório, sendo que a diferença foi estatisticamente significativa (p < 0,001). Foi observado que SSFM de intensidade leve não alterou a evolução clínica no pós-operatório (37, 60).

Avaliação Dopplerecocardiográfica

O estudo Dopplerecocardiográfico uni e bidimensional complementado com Doppler foi um grande avanço para avaliar a indicação e os resultados da operação. Sendo um método não invasivo, substituiu o estudo hemodinâmico na maioria dos casos.

Na literatura existem vários trabalhos relacionando os estudos Dopplerecocardiográficos com os resultados da plástica da valva mitral (24, 33, 36, 40, 45, 52, 59-61). As principais alterações foram verificadas quanto à área valvar, presença de regurgitação mitral e dimensões das cavidades esquerdas. Os presentes resultados foram semelhantes aos de ADEBO & ross (59), em que, no pós-operatório, houve diminuição do diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo de 6,46 cm para 5,09 cm e, nos pacientes deste estudo, de 5,96 cm para 5,33 cm. Em ambos os trabalhos a diferença foi estatisticamente significativa. Ainda, ADEBO & ROSS (59) relataram diminuição do tamanho do átrio esquerdo em 12%. Nos casos presentes foi de 17,9%, também com diferença significativa estatisticamente. Nas duas experiências não houve alteração do encurtamento percentual. A justificativa seria a presença do movimento paradoxal do septo interventricular, que é uma situação comum em pós-operatório de cirurgia cardíaca.

POMERANTZEFF et al. (40) também observaram diminuição significativa do DDVE, o encurtamento percentual não se alterou e o tamanho do AE passou de 6,13 cm para 5,07 cm, com diferença estatisticamente significativa. No presente trabalho o tamanho do AE passou de 5,67 cm para 4,65 cm. Os autores consideraram que a permanência dos valores do encurtamento porcentual no pós-operatório reflete ausência de refluxo mitral, caso contrário haveria piora destes valores. UVA et al. (61) também relataram diminuição importante do DDVE (de 6,42 cm para 5,05 cm).

Neste estudo, nos casos em que se realizou a redução do AE pela técnica proposta por KAWAZOE et al. (62), o átrio esquerdo reduziu de tamanho em 27,4%. Pela presença de poucos casos não foi possível fazer-se a relação estatística.

O Dopplerecocardiograma foi importante para avaliar o refluxo através da valva mitral, como demonstraram SPENCER et al. (33). No total de 95 pacientes acompanhados, 82 não apresentaram refluxo e em 12 pacientes o refluxo foi leve. Na presente casuística, o refluxo foi ausente ou leve em 85% dos pacientes, com diminuição significativa após o tratamento. Esta mesma incidência também foi observada por GREGORI et al. (45), os quais utilizaram o mesmo anel e a mesma técnica cirúrgica (de Carpentier).

DAVID et al. (36) apresentaram resultados semelhantes em pacientes cuja etiologia era degeneração mixomatosa (86% com refluxo leve ou ausente).

A presença de refluxo leve ou moderado é comum no pós-operatório de plástica de mitral como descreveram alguns autores (24, 33, 36, 40, 45, 52, 61), incluindo este trabalho, onde a evolução tardia é sempre satisfatória. Mas FIX et al. (60) realizaram estudo pioneiro, comparando a evolução tardia dos pacientes que apresentaram refluxo de + ou ++ de intensidade (76 pacientes) com os pacientes que não tiveram refluxo (76 pacientes). Após quatro anos observaram que a mortalidade, tromboembolismo, grau funcional, sobrevida (86%) e reinternações eram iguais. Mas houve uma pequena diferença quanto ao índice de reoperações nos pacientes com refluxo leve e/ou moderado (83% x 94%). Concluíram que, nos casos onde permaneceu regurgitação leve ou moderada, o controle pós-operatório deveria ser mais freqüente e a tendência seria de não retornar ao sistema cardiopulmonar caso existisse refluxo leve ou moderado.

Em relação ao gradiente transvalvar, no pré-operatório o presente estudo mostrou gradiente médio de 11,9 mmHg, passando para 5,5 mmHg no pós-operatório (p = 0,0036). Estes dados coincidem com os de GALLER et al. (52), em que o gradiente passou de 10 mmHg para 6 mmHg. O gradiente baixo após a operação indica ausência de estenose na via de entrada do VE.

Evolução Tardia - Moléstia Reumática x Regeneração Mixomatosa

Dentro da experiência de cada autor, em alguns trabalhos foram referidos os resultados tardios comparando a etiologia básica da doença. CARPENTIER (26) relatou índice de reoperação em pacientes com moléstia reumática e degeneração mixomatosa de 1,6%/paciente-ano e 0,7%/paciente-ano, respectivamente. No presente trabalho os 4 pacientes que foram reoperados eram da etiologia reumática.

LESSANA et al. (30) observaram, em 275 pacientes, sobrevida de 92,5% para moléstia reumática e 88,6% para a degeneração mixomatosa. Esta diferença se deve aos pacientes mais jovens operados de moléstia reumática. Mas o índice de pacientes livres de reoperação foi 67,4% para moléstia reumática e 98,3% para degeneração mixomatosa, revelando melhor prognóstico para a degeneração mixomatosa.

DELOCHE et al. (24) estudaram 206 pacientes, no período de 10 anos, e constataram sobrevida de 81% para os doentes com moléstia reumática e 71% para os de degeneração mixomatosa. A sobrevida foi menor para o grupo de degeneração mixomatosa porque os pacientes eram mais idosos na época da operação. Contudo, a porcentagem dos doentes livres de problemas relacionados com a valva foi maior no grupo com degeneração mixomatosa (73,9%) do que na moléstia reumática (51,4%). Os autores notaram que a possibilidade de plástica da valva mitral era de 70% para moléstia reumática e 95% para degeneração mixomatosa.

Na presente casuística observou-se fato semelhante. Nos 4 pacientes que foram reoperados, a etiologia era moléstia reumática. Os índices desfavoráveis para moléstia reumática se deve à recorrência da atividade reumática e às próprias lesões anatomopatológicas da valva mitral, como descreveu LESSANA et al. (28). Notou-se que o índice de sobrevida é pouco menor quando a etiologia é moléstia reumática, mas a incidência dos pacientes livres de reoperação é maior no grupo da degeneração mixomatosa.

Resultados Após Troca Valvar e Plástica Mitral

A mortalidade e morbidade na reconstrução mitral tem sido menor em relação à troca valvar, conforme publicaram alguns autores (34, 37, 53, 55, 63-65). ANTUNES et al. (37) verificaram incidência de tromboembolismo na troca valvar e reconstrução de 3,92%/ paciente-ano e 0,35%/paciente-ano, respectivamente. Mesmo nos pacientes com uso de anticoagulante a incidência é menor na atitude conservadora.

ADEBO & ROSS (59) observaram que a sobrevida nos doentes submetidos à plástica, após seis anos, é de 95%, na troca por prótese mecânica é de 66% a 78% e por prótese biológica, de 82% a 90%.

Na experiência de GALLOWAY et al. (55), cerca de 75% dos pacientes estavam livres de eventos ocasionados pelo procedimento conservador e 45%, quando submetidos à troca valvar, incidência esta com significância estatística. Ainda em relação aos eventos cardíacos, ORSZULAK et al. (53) relataram 1,8 eventos/paciente-ano para os doentes submetidos à reconstrução e 8 eventos/paciente-ano para troca valvar. A sobrevida para cirurgia reparadora e substituição valvar foi de 92% e 72%, respectivamente. Este índice também atingiu significância estatística.

Em relação à mortalidade, COSGROVE et al. (34) revisaram vários trabalhos e descreveram mortalidade de 1,9% para a reconstrução mitral e 10,3% para a troca valvar, com diferença estatisticamente significativa (p < 0,0001). Justificou-se a baixa mortalidade nas plásticas pela presença da continuidade entre o anel mitral, cordas tendíneas, músculos papilares e parede ventricular. Este conceito já foi comentado neste estudo. No presente trabalho a mortalidade nos pacientes submetidos à plástica valvar mitral foi nula e, em nosso Serviço, para 181 pacientes submetidos à troca valvar mitral isolada a mortalidade foi de 4,6%.

Emprego do Anel Rígido ou Flexível

Alguma controvérsia existe na utilização dos anéis, sendo que a dúvida seria no comprometimento da função ventricular. CASTRO et al. (66) observaram, em cães, que o anel flexível não altera a contração dos diversos segmentos do VE. O anel rígido diminuiu a contração da porção laterobasal, a qual engloba a valva mitral, e do septo basal, correspondente à via de saída do VE. Mas o anel rígido não causou efeito deletério para o VE.

Porém, DAVID et al. (67) afirmaram o bom desempenho do anel flexível. Estudaram 27 pacientes portadores de anel flexível e rígido. Observaram importante diminuição do diâmetro diastólico do VE para ambos os anéis, mas o DSVE diminuiu mais nos pacientes com anel flexível. Da mesma forma, houve diminuição do volume sistólico do VE para o grupo do anel flexível. Após 4 meses notaram melhor desempenho do VE na série do anel flexível. Comentaram que o anel rígido impede o final da contração ventricular e recomendaram o uso do anel flexível quando a etiologia é degeneração mixomatosa. Segundo os autores, na moléstia reumática o anel rígido não altera a contração do VE porque o anel do paciente já se encontra mais rígido pela própria doença.

Melhor função sistólica na parte ínfero-basal do VE foi observada em estudos pós-operatórios realizados por DURAN et al. (68), nos pacientes portadores de anéis flexíveis.

Todavia, DELOCHE et al. (24) relataram que não há diferença entre os dois tipos de anéis e apontaram que a incidência de deiscência do anel flexível e rígido era de 2,88% e 0,5%, respectivamente.

O anel flexível interferiu menos no movimento do anel mitral e levou a menor diminuição da contratilidade basal do VE. O anel rígido produziu leve insuficiência aórtica subvalvar pela sua compressão e diminuiu o movimento da cúspide posterior, mas sem significado clínico. Estes fatos foram observados por videoendoscopia em trabalho experimental em porcinos (69).

O anel empregado no presente trabalho foi considerado semi-rígido porque é fixo somente na parte posterior e aberto na anterior, proporcionando maior movimento nesta área (Gragori-comunicação pessoal-Rio de Janeiro-1998).

Obstrução da Via de Saída do VE

É uma complicação cuja incidência varia de 2% a 11% (51, 52, 70-72), mas alguns autores não têm relatado esta complicação (24, 66, 73). As explicações da obstrução seriam: 1) excesso de tecido da cúspide anterior e posterior presente na via de saída do VE durante a sístole ventricular; 2) diminuição do ângulo mitroaórtico; 3) presença do anel rígido; 4) cavidade ventricular esquerda de tamanho normal; 5) abaulamento do septo ventricular e 6) anel mitral pequeno. É uma situação mais comum nos pacientes com síndrome de Barlow, que apresentam excesso de tecido valvar e cordas delgadas e muito longas e cavidade ventricular esquerda normal.

O grupo da Universidade de Nova Iorque (52, 70) relatou incidência de 6,2% até 10,7%. A conduta para o tratamento desta complicação foi apenas a atitude conservadora. Ou seja, interromperam medicação como digital, drogas vasoativas (dopamina, dobutamina), aumentaram volemia do paciente e administraram betabloqueador e até bloqueador lento dos canais de cálcio. A conduta seria semelhante para o tratamento da hipertrofia septal assimétrica. Após estas considerações não foi necessária nova intervenção cirúrgica para refazer a reconstrução ou substituir a valva mitral e comentaram que o anel rígido seria uma das principais causas da obstrução.

Porém, LEE et al. (71) recomendaram nova intervenção quando ocorre a obstrução da via de saída do VE. No total de 1045 pacientes operados, 22 (2,1%) evoluíram com obstrução. Destes 22 casos, em 14 realizaram nova plástica e nos 6 restantes trocaram a valva mitral, sendo que nesta reintervenção 2 pacientes faleceram.

JEBARA et al. (51), da escola francesa (Carpentier), apresentaram incidência de 4% a 6%, principalmente nos pacientes portadores da síndrome de Barlow. Salientaram que a obstrução era decorrente do excesso de tecido das cúspides e não da presença do anel rígido. Desta maneira idealizaram uma técnica cirúrgica para diminuir o excesso de tecido da cúspide posterior, que seria a técnica do deslizamento (sliding technique). Os autores utilizaram esta técnica em 82 pacientes sem nenhum caso de obstrução da via de saída do VE. PERIER et al. (72) também empregaram esta técnica em 48 pacientes com degeneração mixomatosa, sem ocorrência de complicação.

Já se sabendo desta possível complicação, no presente estudo empregou-se esta técnica em um dos pacientes, o qual apresentava excesso de tecido das cúspides anterior e posterior. Estudo Doppler-ecocardiográfico pós-operatório não demonstrou gradiente de pressão na via de saída do VE.

Insuficiência Mitral Pós-Valvoplastia por Cateter-Balão

Com aumento do número de procedimentos por cateter-balão para tratar estenose mitral, têm ocorrido alguns casos de insuficiência mitral. ACAR et al. (74,75) relataram experiência expressiva de reconstrução mitral pós valvoplastia por cateter-balão. Em 1990 (74), operaram 10 pacientes. Destes, 1 paciente apresentava rotura do músculo papilar, havia 1 caso com rotura da cúspide anterior, 1 com rotura paracomissural anterior e 4 com rotura paracomissural posterior. O tempo entre o procedimento e tratamento cirúrgico variou de uma hora a três meses. Os autores chamaram atenção para os pacientes com hipertensão pulmonar pois, além da insuficiência mitral, adquirem comunicação interatrial pela punção transeptal, tendendo à má evolução. Na presente casuística, uma das pacientes apresentou rotura paracomissural anterior e posterior, situação esta não descrita por ACAR et al. (74). Um dos principais motivos da rotura pelo cateter-balão seria o erro técnico e a contra-indicação da dilatação.

Hemólise

Nas plásticas valvares, a hemólise tem sido descrita como tratamento parcial da lesão valvar mitral levando à insuficiência residual. Mas nem sempre ocorre, como descreveram WILSON et al. (76). Em um dos dois casos operados não havia refluxo mitral, sendo necessária troca valvar. Observaram que pequena parte do anel estava sem endotelização e que a hemólise após plástica mitral é situação rara.

GREGORI et al. (45) relataram 2 casos de anemia hemolítica (1,9%), mas sem necessidade de reoperação. DAVID et al. (36) reoperaram 6 casos, sendo que 2 apresentaram hemólise. KOUTLAS et al. (77) publicaram 3 casos de rotura tardia da plástica mitral, sendo que em um deles havia anemia hemolítica.

Existe alternativa para o controle da hemólise em pós-operatório de cirurgia cardíaca, que é uso de betabloqueador, como descreveram OKITA et al. (78). Utilizaram em 2 casos com remissão da hemólise, provavelmente pela diminuição da velocidade do sangue contra o anel. O incoveniente seria a má tolerância ao betabloqueador. Na presente experiência, uma paciente evoluiu com hemólise, sendo reoperada três meses após a plástica.

Gestação

Dentro deste estudo 71,1% dos pacientes eram do sexo feminino. Destas pacientes, cerca de 60% tinham idade inferior a 30 anos. Quatro pacientes apresentaram gestação a termo, sendo bem controladas, e foram submetidas a parto normal sem intercorrências, exceto a paciente que abandonou o tratamento. Esta experiência demonstra a efetividade e segurança da plástica mitral. REED et al. (79) comentaram este aspecto com aumento de 7 vezes da segurança da plástica sobre a troca valvar.

Encurtamento de Cordas no Nível da Cúspide e Transposição de Cordas

Nesta casuística o implante do anel foi realizado em 100% dos pacientes. A segunda técnica mais importante foi o encurtamento das cordas alongadas, como propuseram CARPENTIER et al. (26, 27). A incidência de encurtamento de cordas variou de 17% (41) até 76% (27). Para se realizar o encurtamento é necessária excelente exposição do músculo papilar para o sepultamento das cordas. Mas, em algumas situações, isto não é possível, como ocorre com o músculo papilar anterior. Nestes casos, o encurtamento no nível da cúspide (superior) facilita muito o procedimento. GREGORI et al. (50) descreveram encurtamento no nível superior, onde realizaram pequena incisão na cúspide e por esta incisão tracionaram a corda alongada. Logo no início desta experiência, modificou-se esta técnica em que simplesmente eram passados os pontos na corda alongada e com as agulhas transfixava-se a cúspide correspondente. Deste modo, resultou facilidade onde era difícil a exposição do músculo papilar. O encurtamento das cordas foi realizado em 31 pacientes, com incidência de 46,9%.

Durante muito tempo os doentes portadores de prolapso anterior eram submetidos à troca valvar. Em poucos casos eram realizadas ressecções triangulares. Porém CARPENTIER (26), em 1983, publicou a técnica de transposição de cordas da cúspide posterior para a anterior. Porém, existem outras técnicas para correção de rotura de cordas, como publicaram DAVID et al. (80), que utilizaram cordas artificiais de PTFE (politetrafluoroetileno). Em 43 pacientes operados, 2 foram reoperados após 13 meses. Considera-se que o tempo de seguimento é curto e difícil o cálculo do tamanho exato da corda articial.

Outra alternativa para correção de cordas rotas seria a técnica empregada por GREGORY et al. (48), onde retiraram pequena tira da cúspide anterior e fixaram na parte fibrosa do músculo papilar. Ainda GREGORI et al. (47) realizaram autotransplante de cordas da valva tricúspide para a valva mitral, com bons resultados. Seria interessante empregar este procedimento nos casos onde houvesse necessidade de se atuar também sobre valva tricúspide.

Após Carpentier, os primeiros a relatar experiência com transposição de cordas foram LESSANA et al. (29, 32). Em 1988, publicaram 29 casos e não tiveram reoperações. Afirmaram que a corda posterior sempre alcança a cúspide anterior. A indicação desta técnica se estende também para cordas alongadas e finas.

UVA et al. (61) operaram 44 pacientes e indicaram a técnica de transposição nos casos em que as cordas eram finas e o músculo papilar hipoplásico. Observaram que a incidência desta técnica é pequena pelo número de reconstruções que são realizadas. SALATI et al. (81) submeteram 48 pacientes a esta técnica e, após 3 anos de evolução, 91,5% estavam livres de reoperação. O estudo Doppler-ecocardiográfico revelou desvio de sangue para a parede lateral do VE. Ainda, não houve modificação Dopplerecocardiográfica nos exames realizados após 10 anos da operação. No presente trabalho, em um dos casos no qual se realizou a tramposição apresentava rotura de cordas tendíneas por seqüela de endocardite infecciosa. A evolução pós-operatória foi bastante satisfatória. Após estes resultados favoráveis, será possível ampliar ainda mais esta técnica.

CONCLUSÕES

1) A plástica da valva mitral com emprego do Anel de Gregori e Braile é um procedimento reprodutível.

2) A melhora do Grau Funcional foi estatisticamente significativa.

3) A diminuição do SSFM e os bons resultados obtidos pelo estudo Dopplerecocardiográfico indicam a eficácia da plástica da valva mitral no tratamento da insuficiência e dupla lesão mitral.

4) A plástica da valva mitral deve ser realizada sempre que possível.
Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, no Hospital Nossa Senhora das Graças e na Clínica de Fraturas e Ortopedia XV. Curitiba, PR, Brasil.

Article receive on quarta-feira, 1 de abril de 1998

CCBY All scientific articles published at rbccv.org.br are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY