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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico em dois tempos do aneurisma toracoabdominal roto com prótese intraluminal sem sutura

Rodrigo de Castro Bernardes0; Fernando A. Roquete REIS FILHO0; Luiz Cláudio Moreira Lima0; Leonardo D'Ávila GONÇALVES0; Marília M. Cedin OLIVEIRA0; Luciana T. Fernandes CASSÉTE0; Ernesto Lentz da Silveira MONTEIRO0; José Marcelo Coutinho de MELLO0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000400007

INTRODUÇÃO

O aneurisma toracoabdominal é um grande desafio ao cirurgião cardiovascular, por se tratar de doença que usualmente atinge camada da população de idade avançada, com graves alterações nos principais órgãos e sistemas. A técnica cirúrgica exige abertura de tórax e abdome, tempo prolongado de pinçamento da aorta, anastomose de ramos espinais e viscerais. Esta grave agressão cirúrgica leva a graves complicações pulmonares, renais, cardiovasculares e neurológicas, que, somadas à grande perda sangüínea muitas vezes leva ao insucesso. A alta taxa de morbimortalidade em operações eletivas (1-3) faz o cirurgião preferir o seguimento clínico de pacientes assintomáticos com risco cirúrgico elevado. Este comportamento espectante oferece a oportunidade de nos confrontarmos com pacientes moribundos, com rotura de aneurisma da aorta toracoabdominal, onde o tratamento cirúrgico convencional e padronizado por CRAWFORD et al. (1-3) determina mortalidade proibitiva.

O objetivo de nosso trabalho é discutir a técnica cirúrgica em dois tempos, empregando prótese intraluminal desenvolvida em nosso Serviço (4, 5). Com esta técnica, abordamos apenas o segmento roto da aorta, tórax ou abdome, diminuindo em muito a agressividade cirúrgica. A anastomose com prótese intraluminal é rápida e fácil, reduzindo em muito o tempo de pinçamento da aorta e, conseqüentemente, a isquemia visceral, com sangramento reduzido e oferecendo ao paciente maior oportunidade de sobrevida, para tratamento definitivo posterior em melhores condições clínicas.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período de 15/10/90 a 20/8/98, 14 pacientes com diagnóstico de aneurisma toracoabdominal roto foram operados em nosso Serviço. Cinco pacientes eram do sexo feminino e 9 do sexo masculino, com idades entre 57 e 93 anos (média de 66 anos). Oito pacientes apresentavam rotura ao nível da aorta torácica e 6 apresentavam rotura na aorta abdominal infra-renal. Cinco pacientes apresentavam aneurisma dissecante e 9 eram portadores de aneurisma aterosclerótico. Destes pacientes, 2 vinham sendo seguidos em regime ambulatorial em nosso Serviço e tiveram a operação contra-indicada por serem idosos (acima de 80 anos), assintomáticos e apresentarem graves alterações da função pulmonar. Todos os pacientes foram admitidos em regime de urgência com quadro de dor torácica ou abdominal, sendo que 4 pacientes apresentavam-se em estado de choque, com alterações da função renal.

Em todos os pacientes o diagnóstico foi confirmado por tomografia computadorizada de tórax e abdome. Somente 1 paciente com diagnóstico de dissecção de aorta foi submetido a aortografia.

Em todos os pacientes foi abordado somente o segmento roto da aorta, localizado pelo sintoma dor, exame físico e tomografia computadorizada.

Todos os pacientes foram operados sob anestesia geral, monitorização hemodinâmica, ritmo cardíaco, saturação de oxigênio, volume urinário e sem o auxílio de circulação extracorpórea.

Os pacientes portadores de rotura da aorta torácica descendente foram submetidos à toracotomia no quarto espaço intercostal esquerdo. Após colabamento do pulmão esquerdo por entubação seletiva com tubo de Carlens, a aorta foi examinada e localizada a rotura. A aorta foi contornada por dois fios de Ethibond 5 junto à origem da artéria subclávia e na porção pós rotura em aorta ainda aneurismática porém estável. Após heparinização (10000 u.i) a aorta foi pinçada proximalmente, após a origem da artéria subclávia esquerda, deixando a porção distal aneurismática despinçada, segundo a técnica do "Open Distal" descrita por COOLEY et al.(7). Após abertura do saco aneurismático sobre a área rota da aorta, retirados os trombos e medida a luz aórtica, escolhem-se um anel que poderia ser confortavelmente introduzido. Uma prótese tubular de pericárdio bovino Labcor foi preparada com os anéis em suas extremidades. A extremidade proximal da prótese foi anastomosada na luz aórtica junto à origem da artéria subclávia (Figura 1A). A extremidade distal da prótese foi, então, posicionada na luz aórtica em tecido aneurismático estável, quando se procede a firme ligadura circunferencial sobre o sulco do anel (Figura 1B). Procede-se, então, à ligadura dos ramos intercostais e fechamento do saco aneurismático sobre a prótese.


Fig. 1A - Prótese intraluminal anastomosada proximalmente. Técnica do "Open Distal".


Fig. 1B - Prótese intraluminal anastomosada em tecido aneurismático.

Os pacientes com rotura da aorta abdominal infra-renal foram submetidos a laparotomia mediana xifopúbica. Após a localização da rotura, a aorta foi contornada por fios de Ethibond 5 abaixo da origem das artérias renais. Após a abertura do saco aneurismático, a aorta foi medida e, da mesma forma, escolheu-se um anel que pudesse ser confortavelmente introduzido na luz aneurismática da aorta (Figura 2A). Após o preparo da prótese tubular, o anel foi posicionado na luz aórtica quando, então, procede-se à firme ligadura circuferencial extravascular sobre o sulco do anel (Figura 2B). A anastomose distal foi realizada em aorta terminal, artérias ilíacas ou femorais, de acordo com a indicação de cada caso.


Fig. 2A - Prótese intraluminal posicionada em aorta infra-renal.


Fig. 2B - Prótese intraluminal anastomosada em aorta abdominal infra-renal.

RESULTADOS

Um paciente faleceu no pós-operatório imediato por falência de múltiplos orgãos. Dois pacientes evoluiram com progressão da insuficiência renal diagnosticada no pré-operatório e foram tratados conservadoramente, não necessitando métodos dialíticos. Dois pacientes apresentaram insuficiência respiratória, necessitando ventilação mecânica prolongada e antibioticoterapia, com recuperação total. Nenhum paciente apresentou paraplegia ou paraparesia. O sangramento no pós-operatório foi em média de 670 ml/paciente e nenhum paciente retornou ao bloco cirúrgico, para revisão da hemostasia.

O tempo médio de pinçamento de aorta nos pacientes com rotura torácica foi de 9 minutos, com o máximo de 14 minutos e o mínimo de 4 minutos. Os pacientes vêm sendo seguidos num período que varia de 2 meses a 7,4 anos com média de 3,6 anos, em acompanhamento ambulatorial de 6 em 6 meses. Foram realizadas ressonância nuclear magnética e tomografia computadorizada de tórax e abdome, mostrando aorta estável, estando todos os pacientes sobreviventes assintomáticos. Um paciente faleceu no quinto ano de seguimento, por provável rotura de aneurisma torácico. Um dos pacientes foi submetido a aortografia em pós-operatório, que demonstra a correção do aneurisma torácico com a prótese intraluminal e a persistência da dilatação ao nível do segmento abdominal (Figura 3). Um paciente em melhores condições clínicas recusou o tratamento cirúrgico para correção total do restante do aneurisma.


Fig. 3 - Ressonância nuclear magnética mostrando anastomose com prótese intraluminal em aorta descendente. Observar a anastomose em tecido aneurismático.

COMENTÁRIOS

O tratamento cirúrgico com substituição de toda a aorta deve ser considerado como ideal nos casos de doença aneurismática envolvendo todos os segmentos aórticos (8). Em pacientes com aneurisma do arco aórtico associado à doença da aorta distal, CRAWFORD et al. (1-3) recomendam a troca total da aorta com técnica cirúrgica em vários tempos. BORST et al. (4) introduziram a técnica da "tromba de elefante" para facilitar a operação que envolve o arco aórtico e aorta descendente, propondo a operação em vários estágios.

Entre nós, os pacientes portadores de aneurisma toracoabdominal são em média de idade avançada, apresentando doenças associadas e estado geral precário devido ao estado de consumpção causado pela doença. A tendência do clínico frente a um paciente com este perfil, em seu consultório, é de protelar o tratamento cirúrgico, propondo o tratamento clínico, principalmente se o paciente é assintomático. Se a mortalidade com o tratamento cirúrgico eletivo é elevada, o estado crítico com rotura do aneurisma e estado de choque agrava o tratamento cirúrgico convencional com a troca de toda a aorta toracoabdominal por toracofrenolaparotomia.

Em nossa experiência, a abordagem de uma só cavidade, tórax ou abdome, proporciona uma operação menos agressiva, pela possibilidade de diminuir o tempo cirúrgico e o sangramento.

Com o emprego da prótese intraluminal, a prótese pode ser realizada de maneira rápida, fácil e hemostática, diminuindo substancialmente o tempo de pinçamento aórtico, a isquemia visceral e o sangramento. Em nossos casos, o tempo médio de pinçamento aórtico foi de 9 minutos.

A anastomose, realizada em tecido aneurismático (Figura 4), se mostrou segura e em nenhum dos casos observamos rotura ao nível de ligadura em tecido doente. Por se tratar de doença aneurismática, o calibre da aorta é sempre satisfatório, facilitando a anastomose intraluminal (Figura 5).


Fig. 4 - Fotografia cirúrgica da anastomose intraluminal em tecido aneurismático.


Fig. 5 - Aortografia pós-operatória mostrando correção de aneurisma dissecante. Anastomose com prótese intraluminal em tecido aneurismático.

A abordagem somente do segmento aórtico roto, oferece ao paciente maior oportunidade de sobrevida, possibilitando o tratamento total da aorta, quando indicado, em melhores condições clínicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Crawford E S, Coselli J S, Svensson L G, Safi H J, Hess K R - Diffuse aneurysmal disease (chronic aortic dissection, Marfan and mega aorta syndromes) and multiple aneurysm. Treatment by subtotal and total aortic replacement emphasizing the elephant trunk operation. Ann Surg 1990; 211: 521-37.

2 Crawford E S, Coselli J S, Safi H J - Partial cardiopulmonary bypass, hypothermic circulatory arrest and posterolateral expossure for thoracic aortic aneurysm operation. J Thorac Cardiovasc Surg 1987; 94: 824-7.

3 Crawford E S, Svensson L G, Coselli J S, Safi H J, Hess K R - Aortic dissection and dissecting aneurysms. Ann Surg 1988; 208: 254-73.

4 Borst H G, Walterbusch G, Schaps D - Extensive aortic replacement using elephant trunk prosthesis. Thorac Cardiovasc Surg 1983; 31: 37-40.

5 Bernardes R C, Reis Filho F A R, Castro A C et al. - Correção cirúrgica dos aneurismas da aorta: novo dispositivo que transforma qualquer tipo de prótese em prótese intraluminal. Rev Bras Cir Cardiovasc 1994; 9: 54-9.
[ Lilacs ]

6 Bernardes R C, Reis Filho F A R, Marino R L et al. - Surgical correction of aortic disease using intraluminal, crimped bovine pericardial graft. Ann Thorac Surg 1995; 60 (2 Suppl): S316-21.

7 Cooley D A & Baldwin R T - Technique of open distal anastomosis for repair of descending thoracic aortic aneurysms. Ann Thorac Surg 1992; 54: 932-6.

8 Massimo C G, Presenti L F, Favi P P, Crisci C, Cruz Guadrón E A - Simultaneous total aortic replacement from valve to bifurcation: experience with 21 cases. Ann Thorac Surg 1993; 56: 1110-6.

Article receive on quinta-feira, 1 de outubro de 1998

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