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ARTIGO ORIGINAL

Drenagem venosa assistida através da utilização controlada de vácuo no reservatório venoso do oxigenador

Luiz Fernando CANÊO0; Domingos D. LOURENÇO FILHO0; Roberto Rocha e Silva0; Fabio B Jatene0; Fabio TURRI; Adolfo A. LEIRNER0

DOI: 10.1590/S0102-76381999000200011

INTRODUÇÃO

As técnicas de operações minimamente invasivas trouxeram novos desafios para a equipe cirúrgicas. A incisão nesses procedimentos é menor e as cânulas da circulação extracorpórea (CEC) ocupam grande parte desse espaço. A canulação da artéria e veia femoral tem sido empregada com o propósito de retirar essas cânulas do campo operatório, mas podem acrescentar maior morbidade ao paciente. No intuito de possibilitar a utilização de cânulas venosas de menor calibre, algumas formas de auxilio à drenagem venosa foram propostas e podemos citar entre elas a utilização da bomba centrífuga, a bomba de rolete e o vácuo. A utilização do vácuo proposta recentemente por B Foster et al. (1), apresentada durante o Congresso de Ultrech em 1997, parece ser bastante segura e eficiente e ganhou um grande número de adeptos.

O objetivo deste trabalho é apresentar um sistema que permite o emprego controlado do vácuo, aplicado no reservatório venoso do oxigenador e a experiência clínica inicial com a sua utilização.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Para testar a segurança da aplicação da pressão negativa nos oxigenadores disponíveis em nosso Serviço, foi aplicada a pressão máxima permitida pela rede de vácuo (250 mmHg negativo). Este teste foi realizado na Divisão de Bioengenharia do InCor-HC-FMUSP, com o oxigenador vazio em temperatura ambiente e com o oxigenador cheio de soro fisiológico à temperatura de 40°C.

Em 11 pacientes submetidos à revascularização do miocárdio através de esternotomia total e em 9 pacientes submetidos à esternotomia parcial para a correção de comunicação interatrial (4 pacientes) e tratamento cirúrgico isolado da valva aórtica (5 pacientes), foi utilizado um dispositivo regulador de vácuo no reservatório venoso do oxigenador.

O dispositivo regulador de vácuo é formado por uma válvula redutora de vácuo comercialmente disponível (GH20VT, ITT Conoflow Regulators & Controls, St. George, SC, USA), um filtro coletor de líquidos (Filtro Mini B3-3-879, Park, Belo Horizonte, MG, Brasil) e um manômetro eletrônico de pressão negativa desenvolvido pela Divisão de Bioengenharia do Instituto do Coração-HC-FMUSP (Figuras 1 e 2).


Fig. 1 - Válvula de vácuo (A) e filtro de retenção de líquido (B).


Fig. 2 - Detalhe do manômetro digital de pressão negativa.

Esse dispositivo foi interposto entre a linha de vácuo da rede hospitalar de um lado e o reservatório venoso de outro. Isso permitiu a regulagem da pressão da rede ao nível desejado pelo perfusionista de acordo com a necessidade de drenagem venosa. O oxigenador de membrana (Braile Biomédica, São José do Rio Preto, SP - Brasil) foi mantido totalmente vedado e o reservatório de cardiotomia ocluído intermitentemente, conforme necessidade de esvaziamento do sangue aspirado do campo operatório (Figura 3). Alguns oxigenadores disponíveis no mercado não permitiram a completa vedação do sitema e, portanto, não foram usados. Em todos os casos foi utilizada a bomba de rolete (bomba oclusiva) no circuito arterial.


Fig. 3 - Esquema do sistema de drenagem a vácuo empregado no reservatório venoso.

A perfusão foi estabelecida de forma habitual, utilizando cânula venosa única (Medtronic DLP, Grand Rapids, MI, USA) aramada, cujo diâmetro variou de 26 a 32 Fr.

A eficiência da drenagem venosa, o vácuo máximo utilizado, a hemólise no final da CEC, e as condições clínicas do paciente foram estudadas.

RESULTADOS

Todos os oxigenadores testados suportaram a pressão negativa, porém alguns modelos disponíveis no mercado não permitiram a sua completa vedação. Foi observada, no primeiro caso da aplicação clínica desse dispositivo, a formação de condensação de vapor de água na linha interposta entre o regulador de vácuo e o reservatório venoso do oxigenador. Nos demais casos foi associado um filtro retentor de líquido que solucionou o problema.

O fluxo arterial utilizado nos 20 pacientes foi de 3.804,54 ± 335,74 ml/min e o vácuo utilizado foi de 62,40 ± 11,69 mmHg negativo. O átrio direito apresentou-se colabado durante todo o procedimento cirúrgico e o campo operatório mostrou-se "seco" todo o tempo.

Não observamos hemoglobinúria macroscópica nos casos estudados. Os parâmetros de coagulação observados no coagulograma após a CEC não apresentaram alterações diferentes das habituais.

Na evolução pós-operatória não foi observada evidência clínica relacionada com problemas de drenagem venosa ou embolia arterial.

COMENTÁRIOS

Tendo em vista que alguns oxigenadores não permitem a total vedação para a utilização do vácuo no reservatório venoso quando desejado, seriam necessárias algumas modificações pelos fabricantes.

O fluxo calculado para o paciente foi sempre respeitado sem maiores dificuldades de drenagem venosa, mesmo com cânulas de menor calibre. À medida em que fomos obtendo experiência clínica com esse dispositivo, observamos que era possível a utilização de cânulas venosas progressivamente de menor calibre com a mesma segurança e com os mesmos níveis de pressão negativa. Em alguns casos a drenagem venosa esteve momentaneamente comprometida, observada pelo enchimento abrupto do átrio direito sendo prontamente resolvida com o reposicionamento da cânula. Talvez o desenvolvimento de cânulas com maior número de orifícios em sua porção distal permitam seu melhor posicionamento e proporcionem melhor drenagem.

A pressão negativa utilizada nesta série foi maior que a recomendada pelos trabalhos iniciais (1), sem que observássemos maiores complicações. Por outro lado, é díficil determinar a necessidade dessas pressões para manter o mesmo nível de drenagem venosa. Isso deve-se ao fato de que muitas vezes o retorno venoso está comprometido pela redistribuição de líquidos durante a CEC e não necessariamente restrito pelo diâmetro da cânula.

Os sinais indiretos de hemólise podem ser questionados e talvez mereçam melhor estudo laboratorial, muito embora não haja referência ainda publicada.

A utilização de cânulas de menor calibre poderiam levar a uma congestão venosa passiva e comprometer a drenagem venosa cerebral com alterações neurológicas. Tal preocupação não se confirmou em nossa série, já que o átrio direito manteve-se colabado durante todo o procedimento e não observamos alterações neurológicas ainda que discretas.

Outro problema relacionado à utilização de vácuo é a possibilidade de embolia aérea graças à aceleração do fluxo na chegada do sangue ao oxigenador, que acarreta um fenômeno conhecido como cavitação, permitindo a formação de microêmbolos no sistema (2, 3). Apesar de não observarmos evidências clínicas de embolia aérea em nossos pacientes, devemos estar atentos para essa complicação.

Devemos observar que o vácuo aplicado ao reservatório venoso é transmitido a todo o sistema, inclusive à linha arterial. As bombas arteriais não oclusivas (bomba centrífuga) podem permitir a aspiração de grande quantidade de ar no sistema quando desligadas; por isso, elas não são recomendadas.

O vácuo aplicado ao reservatório venoso do oxigenador permite o início da CEC utilizando um menor volume de priming, se mantivermos a linha venosa vazia. Isso pode levar a menor hemodiluição do paciente e é mais uma vantagem do sistema (4).

Em conclusão, o uso de pressão negativa no reservatório venoso do oxigenador parece ser importante instrumento no desenvolvimento das técnicas de operações minimamente invasivas. Propicia ao cirurgião um campo "seco" e maior espaço para realização do procedimento cirúrgico, sem agregar novas complicações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Foster B, Hamad N, Hall C - Vacuum assisted venous drainage: perfusion´s contributions to minimally invasive surgical techniques. In: Annual Academy Meeting - AACP. New Orleans, 1998: 10-2.

2 Nelson D & Lich V - Ultimate guide to assisted venous drainage. In:. Revison#5, electronic paper: clinical techniques. Available from: http://www.perfusion.com ed ; 1998.

3 Rider S, Simon L, Rice B, Poulton C - Assisted venous drainage, venous air, and gaseous microemboli transmission into the arterial line: an in-vitro study. JECT 1998; 30: 160-5.

4 Taketani S, Sawa Y, Masai T et al. - A novel technique for cardiopulmonary bypass using vacuum system for venous drainage with pressure relief valve: an experimental study. Artif Organs 1998; 22: 337-41.

Article receive on quinta-feira, 1 de abril de 1999

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