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RELATO DE CASO

Mixoma de átrio direito com origem na veia cava inferior: uma localização rara com implicações diagnósticas e terapêuticas

Noedir A. G Stolf0; Anderson Benício0; Luiz Felipe P Moreira0; Eduardo ROSSI0

DOI: 10.1590/S0102-76382000000300009

INTRODUÇÃO

Os mixomas são os tumores cardíacos primários benignos mais freqüentes. Aproximadamente 75% a 80% têm sua origem no átrio esquerdo; 10% a 20% no átrio direito e de 5% a 10% em ambos os átrios (1). Podem, no entanto, originar-se em outros locais, como aorta, artéria pulmonar, ventrículos, valvas cardíacas ou mesmo em outros órgãos, entre eles ossos e pulmões (2).

Os sinais e sintomas não são típicos ou específicos. Podem simular desde uma estenose e/ou insuficiência mitral até uma síndrome de Budd-Chiari (3). Essas variadas manifestações dependem do local e da extensão do tumor.

Métodos não invasivos, como a ecocardiografia e a tomografia computadorizada de tórax, trouxeram grande contribuição ao diagnóstico dos mixomas intracardíacos. Além da confirmação do diagnóstico, permitem o estabelecimento da tática cirúrgica adequada.

O objetivo desta publicação é o relato do caso do paciente com mixoma que se origina da veia cava inferior, bem como ressaltar alguns aspectos importantes no diagnóstico e na abordagem cirúrgica dos mixomas intracardíacos, que se tornaram evidentes no caso.

RELATO DO CASO

Paciente de 71 anos, do sexo feminino, cor branca, apresentava quadro clínico de síncope e dispnéia aos médios esforços. Não se verificou alteração na radiografia de tórax ou no ECG. O estudo ecocardiográfico mostrou massa em átrio direito, que invadia a valva tricúspide e projetava-se para o interior do ventrículo direito. A tomografia computadorizada de tórax confirmava a presença da massa com as mesmas características. A paciente foi, então, submetida a operação. A circulação extracorpórea foi estabelecida pela canulação da aorta e das veias cavas inferior e superior. Foi estabelecida hipotermia de 28° C e a proteção miocárdica foi realizada pela infusão de solução cardioplégica sangüínea fria à 4° C com reperfusão quente.

Após a abertura do átrio direito observou-se massa tumoral de aspecto regular, lisa, móvel sem evidências de implantação na parede do átrio. O exame do tumor não evidenciou, também, irregularidade que sugerisse base de implantação ou fragmentação. A valva tricúspide se encontrava em perfeito estado, sem nenhum sinal degenerativo ou de comprometimento pela massa. Não havia evidências de implantação do tumor nessa valva. Não houve intercorrência intra-operatória ou na evolução, até a alta hospitalar.

No acompanhamento ambulatorial, através de ecocardiografia de controle pós-operatório, no 4o mês de pós-operatório, evidenciou-se massa residual no átrio direito. Esse mesmo estudo repetido sugeriu que o tumor se originasse na veia cava inferior.

Realizou-se, então, nova operação e a tática cirúrgica empregada foi modificada. A linha arterial foi estabelecida pela canulação da aorta, porém a drenagem venosa foi estabelecida pela canulação da veia cava superior e da veia femoral direita. Foi realizada parada circulatória total em hipotermia profunda de 16° C. Com a abertura do átrio direito e exposição ampla da veia cava inferior, observou-se que o tumor se originava na veia cava inferior junto ao óstio da veia supra-hepática (Figura 1A). Foi ressecada sua base de inserção junto à porção da veia cava, sem que houvesse fragmentação do tumor (Figuras 1B e 2). A reconstrução da veia cava foi realizada com a utilização de retalho de pericárdio bovino.





A paciente recebeu alta no 8º dia de pós-operatório, após evolução sem intercorrências ou complicações.

COMENTÁRIOS

Os mixomas representam 35% a 50% dos tumores cardíacos primários (4). Apresentam grande diversidade de sintomas, os quais se relacionam com o tamanho e a posição que ocupam. Os sintomas mais freqüentes são: sintomas relacionados à falência ventricular direita, sintomas constitucionais (febre, perda de peso) e síncope. Outros também podem estar presentes: fraqueza, fadiga, dor torácica, palpitações, obstrução da veia cava superior, fenômenos embólicos sistêmicos e pulmonares. Podem também apresentar envolvimento das valvas mitral e tricúspide, simulando quadros de estenose e/ou insuficiência.

Os mixomas do átrio direito geralmente se originam na fossa oval ou na base do septo interatrial. A origem do mixoma na veia cava inferior é extremamente rara; encontramos na literatura o relato de apenas 3 casos (3, 5, 6).

A particular localização do mixoma na veia cava inferior, como no presente relato, pode implicar em alguns problemas diagnósticos, bem como cirúrgicos.

A grande contribuição ao diagnóstico dos mixomas foi a utilização da ecocardiografia. Em alguns casos, como no relatado, por não se pensar no diagnóstico ou por falta de boa janela ecocardiográfica, o diagnóstico pode não ser preciso. A utilização da ecocardiografia transesofágica e a tomografia computadorizada de tórax parecem trazer informações adicionais em relação ao ecocardiograma transtorácico.

O tratamento do mixoma é eminentemente cirúrgico. Deve ser instituído tão logo estabelecido o diagnóstico. A manipulação desses tumores deve ser delicada e a boa exposição é obrigatória, no sentido de se identificar não só o sítio de implantação, como também eventuais massas residuais, mesmo em outras câmaras.

A técnica operatória obedece aos conceitos básicos da cirurgia cardíaca. Entretanto, alguns aspectos devem ser levados em consideração no tratamento cirúrgico do mixoma. Antes de qualquer manipulação, é de fundamental importância o pinçamento tanto da aorta quanto do tronco pulmonar, no sentido de se evitar a embolização de fragmentos, visto que os mixomas se constituem de massas gelatinosas e friáveis.

Quanto à localização do mixoma no átrio direito, deve-se realizar a canulação da veias cavas cuidadosamente.

Apesar da característica benigna dos mixomas atriais e do baixo índice de recidiva, o tratamento cirúrgico deve ser o mais agressivo possível. A base de implantação do mixoma deve ser ressecada reconstruindo o septo ou parede atrial com material biológico ou protético (pericárdio bovino ou dacron).

Outro fator de fundamental importância é a investigação de todas as câmaras cardíacas. Além da exposição biatrial, a biventricular também pode ser necessária, no sentido não só de se evitar a recidiva, como também o risco de embolização.

Apesar do caráter benigno dos mixomas intracardíacos, o tratamento radical e o acompanhamento com ecocardiografia periódica é imprescindível.

A localização do mixoma na veia cava inferior, embora muito rara, deve sempre ser lembrada. A sua não identificação pré-operatória, como ocorreu na primeira operação no presente relato, pode levar a planejamento cirúrgico inadequado e incompleta ressecção do tumor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Bjessmo S & Ivert T - Cardiac myxoma: 40 year's experience in 63 patients. Ann Thorac Surg 1997; 63: 697-700.

2 Read R C - Cardiac myxoma and surgical history. Ann Thorac Surg 1980; 29: 395-6.
[ Medline ]

3 Cujec B, Ulmer B, McKaigney et al. - Right atrial myxoma presenting as Budd-Chiari syndrome. Ann Thorac Surg 1987; 44: 658-9.
[ Medline ]

4 Devig P M, Clark T A, Aaron B L - Cardiac myxoma arising from the inferior vena cava. Chest 1980; 78: 784-6.
[ Medline ]

5 Bortolotti U, Faggian G, Mazzucco A et al. - Right atrial myxoma originating from the inferior vena cava. Ann Thorac Surg 1990; 49: 1000-2.
[ Medline ]

6 Selvaraj A, Kumar R, Ravikumar E - Surgical management of the right atrial myxomas: a 15 year experience with review of the literature. J Cardiovasc Surg (Torino) 1999; 40: 101-5.

Article receive on quarta-feira, 1 de dezembro de 1999

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