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CASE REPORT

Direct communication between the right pulmonary artery and the left atrium: two cases report

Luiz Carlos SCHIMIN*0; Itacir Arlindo FRANCESCHINI*0; Jean Newton Lima COSTA0; Vinícius Sousa de LUCENA*0

DOI: 10.1590/S0102-76382000000400010

INTRODUÇÃO

Comunicação direta entre artéria pulmonar direita (APD) e átrio esquerdo (AE) é uma cardiopatia congênita rara e tem sido reconhecida como uma categoria diagnóstica específica. Suas características semiológicas, terapêuticas e prognosticas a tornam uma entidade nosológica bem distinta das fístulas artério-venosas pulmonares (1). O manuseio clínico isoladamente pode levar a complicações sérias e até à morte, sendo que a cura completa só pode ser obtida com o tratamento cirúrgico.

RELATO DE CASOS

Caso Nº 1

RN com 1 dia de vida, sexo masculino, branco com 3700 g. Apresentava cianose com gasometria evidenciando saturação extremamente baixa (pO2=19 mmHg, sat.O2=27%). O eletrocardiograma mostrava discreta sobrecarga ventricular esquerda (SVE). Radiografia de tórax normal. O exame angiográfico revelou comunicação direta artéria pulmonar - átrio esquerdo (Figura 1). A criança foi submetida a toracotomia esquerda e ligadura do vaso que nos pareceu anômalo, próximo ao lobo pulmonar inferior esquerdo (LIE). Evoluiu mal no período pós-operatório imediato, com importante cianose e dessaturação arterial de O2. A radiografia de tórax mostrava hiperinsuflação do pulmão direito. Realizada arteriografia pulmonar, encontramos ausência de circulação para a base pulmonar esquerda. O RN foi levado a nova operação por esternotomia mediana, desfeita a ligadura do vaso (ramo da artéria pulmonar esquerda para o LIE) e foi identificada estrutura anômala que comunicava a APD com AE. O vaso anômalo foi ligado, obtendo-se melhora imediata da sat.O2 (98,9%). A criança faleceu no 35o dia de vida, com atelectasia pulmonar e pneumonia.



Caso Nº 2

Criança de 5 anos, sexo feminino, branca. Cianose desde o nascimento. Acompanhada periodicamente para esclarecimento diagnóstico. Aos 3 anos, esteve internada nos setores de Hematologia e Pneumologia, para investigação. Foi afastada hemoglobinopatia. A cintilografia pulmonar sugeria fístula artério-venosa (FAV) na circulação pulmonar. O ecocardiograma evidenciava discreto aumento de AE.

Foi admitida no setor de Cardiologia para avaliação e investigação da FAV pulmonar. Apresentava bom desenvolvimento. Eupnéica, cianótica (+++/4) com baqueteamento digital. Ausculta cardiopulmonar normal. Radiografia de tórax e eletrocardiograma evidenciavam discreto aumento de VE.

O cateterismo cardíaco com arteriografia pulmonar mostrou opacificação precoce do AE a partir do ramo direito da AP (Figura 2).



O paciente foi submetido a esternotomia mediana. Identificada estrutura anômala de aproximadamente 5 mm de diâmetro e 3 cm de comprimento que conectava APD-AE (Figura 3). O vaso anômalo foi dissecado. Nenhuma veia pulmonar drenava nele. Procedemos à ligadura do mesmo, havendo imediato aumento da saturação de O2 (95%). O procedimento foi realizado sem circulação extracorpórea (CEC). A criança recebeu alta médica no 7o dia pós-operatório, em bom estado geral, acianótica, com sat.O2=97%.



COMENTÁRIOS

A comunicação direta da AP ou seus ramos para o AE é uma condição rara. São relatados 35 casos em toda a literatura (2). Os casos relatados têm idade que variam de 1 dia a 45 anos, porém apenas 6 com menos de 1 ano(3-5).

Os sinais e sintomas mais freqüentes são dispnéia e cianose, sendo a insuficiência cardíaca mais rara (2,6). Alguns pacientes apresentam sopros cardíacos, que são em grande parte inespecíficos (3). Pode, no entanto, ser evidenciado sopro contínuo descrito em região interescapulovertebral direita(7,8). O eletrocardiograma é normal ou apresenta discreta sobrecarga de ventrículo direito, o que elimina grande parte das cardiopatias congênitas cianóticas. A radiografia de tórax pode mostrar massa para-hilar direita, orientando o diagnóstico para FAV pulmonar(9). O cateterismo cardíaco com angiografia é fundamental para o diagnóstico e programação cirúrgica. A ressonância nuclear magnética tem possibilitado igualmente o diagnóstico desta anomalia (2), mas ainda tem uso bastante restrito.

A presente condição pode ser explicada por uma conexão precoce entre artéria pulmonar (AP) e veia pulmonar (VP), antes que ocorram suas segmentações. Após tal conexão, haveria uma incorporação da VP na parede do AE, levando à formação de um shunt anômalo. A comunicação direta entre AP e AE pode, portanto, representar uma variação de FAV pulmonar, separada anatomicamente apenas por estar em posição intrapericárdica(4). Outra explicação seria a agenesia de um lobo pulmonar acessório e que o subseqüente desaparecimento do leito capilar pulmonar resultaria em uma VP comunicando diretamente a AP com o AE (10). Muitas dúvidas persistem e as variantes anatômicas podem ser decorrentes de desenvolvimentos embriológicos diferentes (11).

As anomalias associadas mais freqüentes são os hemangiomas, estenose de ramo pulmonar e fístula artério-venosa pulmonar (12).

SILVA et al. (12) e, posteriormente, OHARA et al. (13) caracterizaram tipos anatômicos possíveis (Figura 4) de comunicação direta entre ramo direito da AP e AE. O tipo I caracteriza-se por presença de vaso anômalo comunicando ramo da AP e AE; no tipo II existe contigüidade anatômica entre as duas estruturas; o tipo III é semelhante ao tipo I, mas com drenagem de veias pulmonares no vaso anômalo, o tipo IV assemelha-se ao III associado a drenagem pulmonar anômala. O conhecimento desta morfologia é extremamente importante na programação cirúrgica adequada, pois um diagnóstico incorreto poderá levar à ligadura ou secção da comunicação em um ponto que excluiria o retorno venoso pulmonar ou mesmo a ligadura de um ramo da AP.



A primeira correção cirúrgica com sucesso foi realizado por Blalock, em 1948, relatado por AYTAC & TUNCALI (11). A técnica cirúrgica utilizada desde então variou desde dissecção e ligadura simples, procedimento mais usado, até reparo intracardíaco em CEC, situação indicada quando o vaso anômalo e aneurismático (9).

A literatura mostra uma sobrevida de mais de 70% e os óbitos sem tratamento cirúrgico são decorrentes de embolia ou abscesso cerebral (14).

Podemos afirmar que a comunicação direta entre APD e AE, apesar de cardiopatia congênita rara, é facilmente diagnosticada com angiografia e, atualmente, com ressonância nuclear magnética. A intervenção cirúrgica precoce é recomendável com mortalidade aceitável. Os pacientes não diagnosticados ou mantidos em observação clínica podem morrer em decorrência de ruptura da fístula, embolias ou abscesso cerebral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Sassolas F, Long J L, Bozio A et al. - Communication artère pulmonaire droite-oreillette gauche: une rare cause d'hipoxemie refractaire chez le nouveau-né. Pediatrie 1984; 39: 203-8.
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2 Stuckey S - Direct communication between the right pulmonary artery and the left atrium: magnetic resonance findings. Australas Radiol 1993; 37: 216-20.
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3 Almeida O D, Cortelazzi P S, Godoy M F et al. - Comunicação direta entre o ramo direito da artéria pulmonar e o átrio esquerdo: relato de um caso e revisão da literatura. Arq Bras Cardiol 1985; 45: 271-5.
[ Medline ] [ Lilacs ]

4 Arendrup H - Direct communication between the pulmonary artery and left atrium. Scand J Thorac Cardiovasc Surg 1982; 16: 157-60.
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5 Lekuona I, Cabrera A, Inguanzo R, Cid C, Agosti J - Direct communication between the right pulmonary artery and the left atrium. Thorax 1986; 41: 78-9.
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6 Ito T, Yokota H, Murata H et al. - Direct communication between the pulmonary artery and left atrium: a case report and review of the literature. J Cardiovasc Surg 1986; 27: 108-12.

7 Kroeker E, Adams H, Leon A et al. - Congenital communication between a pulmonary artery and left atrium. Am J Med 1963; 34: 721-5.

8 Verel D, Grainger R, Taylor D - Direct communication of a pulmonary artery with the left atrium. Br Heart J 1964; 26: 856-8.

9 Abe T, Kuribayashi R, Sato M, Nieda S - Direct communication of the right pulmonary artery with the left atrium: a case report and review of literature. J Thorac Cardiovasc Surg 1972; 64: 38-44.
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10 Lucas R V, Lund G W, Edwards J E - Direct communication of a pulmonary artery with the left atrium: an unusual variant of pulmonary arteriovenous fistula. Circulation 1961; 24: 1409-14.

11 Aytac A & Tuncali T - Direct communication of a pulmonary artery with the left atrium: first reported case of all four pulmonary veins entering the communication. J Thorac Cardiovasc Surg 1967; 54: 553-6.

12 de Souza e Silva N A, Giuliani E R, Ritter D G, Davis G D, Pluth J R - Communication between right pulmonary artery and left atrium. Am J Cardiol 1974; 34: 857-63.
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13 Ohara H, Ito K, Kohguchi N et al. - Direct communication between the right pulmonary artery and the left atrium: a case report and review of the literature. J Thorac Cardiovasc Surg 1979; 77: 742-7.
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14 Miao W Z, Qian J Q, Chen X Y, Shao S C, Wang S, Chen E - Direct communication between right pulmonary artery and left atrium: a case report. Chin Med J (Engl) 1984; 97: 623-6.
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Article receive on Wednesday, March 1, 2000

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