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RELATO DE CASO

Aneurisma toracoabdominal roto: modificação do circuito de perfusão visceral

Eduardo Faccini Rocha; Ana Terezinha Guillaumon; Nilson Antunes; Reinaldo Wilson Vieira

DOI: 10.1590/S0102-76382004000400016

RESUMO

Paciente portador de aneurisma toracoabdominal (ATA) tipo lV, roto, submetido a tratamento cirúrgico utilizando perfusão visceral assistida por bomba centrífuga e oxigenador de membrana neonatal. Este circuito permite a perfusão visceral com sangue oxigenado, durante o período de isquemia, e infusão de volume rápido via venosa após a retirada da pinça.

ABSTRACT

A patient with ruptured type IV thoracoabdominal aortic aneurysm (TAAA), underwent surgical treatment utilizing visceral perfusion assisted by a centrifugal pump and neonatal membrane oxygenator. This circuit allows visceral perfusion with oxygenated blood during the ischemic period and the fast infusion of intravenous volume after clamp removal.
INTRODUÇÃO

Desde o relato de cirurgia de correção de aneurisma toracoabdominal feito por Etheridge et al., em 1954, e o aperfeiçoamento da técnica cirúrgica por Crawford, em 1965, avanços técnicos têm contribuído para a melhoria dos resultados cirúrgicos. Embora os cuidados intra e pós-operatórios tenham evoluído consideravelmente na cirurgia eletiva, a correção cirúrgica do aneurisma toracoabdominal roto permanece com prognóstico reservado [1-3].

Nos aneurismas toracoabdominais podem ser utilizadas diferentes técnicas quanto à perfusão ou não das artérias distais ao pinçamento [1,3-8], entre elas podemos citar: " clamp and go", pinçamento da aorta sem perfusão distal; perfusão dos óstios renais com solução cristalóide gelada; "shunt" aorto-distal, com perfusão visceral seletiva e passiva; "shunt" axilo-visceral, com perfusão passiva; "shunt" veia femoral - artéria femoral ou femoro-visceral, utilizando-se oxigenador e bomba para infusão; "shunt" átrio-femoral, com perfusão visceral seletiva e infusão ativa através de bomba; "shunt" entre veia pulmonar esquerda e artéria femoral e/ou artérias viscerais; circulação extracorpórea (CEC) com hipotermia profunda com parada circulatória.

Nos métodos de perfusão passivos não se consegue controle adequado da pressão de perfusão, nem do volume infundido nas artérias viscerais.

Quanto aos métodos de perfusão ativa, com ou sem o uso de oxigenador, ficou demonstrado que diminuem o risco de paraplegia e isquemia visceral, entretanto o seu uso não é rotineiro em aneurismas tipo III ou IV, onde o tempo de pinçamento é menor, ficando reservado para casos especiais [1,6-8]. Temos optado por perfusão visceral, com circuito entre a veia femoral e as artérias viscerais através de um sistema modificado, no qual um "shunt" permite a associação de uma bomba de infusão venosa rápida ao circuito de CEC parcial.

RELATO DO CASO

P.F., masculino, 57 anos, realizou exame tomográfico que mostrou aneurisma da aorta abdominal (envolvendo mesentérica superior e as artérias renais), medindo 7,5 cm em seu maior diâmetro com hematoma posterior.

Conduta

Operação realizada via toracofrenolaparotomia no oitavo espaço intercostal esquerdo, abordado o retroperitônio com exposição da aorta na sua posição torácica até a sua bifurcação, identificando os seus ramos viscerais.

Havia um hematoma contido, retroperitoneal e um aneurisma de aproximadamente 8 cm de maior diâmetro, estendendo-se da artéria mesentérica superior até a bifurcação de aorta. Dissecada a veia femoral esquerda e realizada heparinização sistêmica com 200 unidades/kg. Introduzida cânula venosa aramada (Tecnobio Ind. Com. Repr. Ltda.) de 20 Fr até veia cava inferior e conectada ao circuito de CEC parcial modificado. Pinçamento proximal e distal do aneurisma com abertura em toda sua extensão. Identificados os óstios viscerais e iniciada a perfusão com sangue oxigenado normotérmico, através de cateteres Pruitt 9Fr, em ambas as artérias renais, artéria mesentérica superior e tronco celíaco. A pressão de perfusão visceral foi mantida em 60mmHg com fluxo de 300 ml/min (Figura 1).



Anastomose envolvendo óstios viscerais em prótese tubular de Dacron 24mm/30cm.

Ao término da anastomose proximal, cessada a perfusão visceral e iniciada a infusão venosa rápida de Ringer lactato (RL) - Figura 2.



Ao término da anastomose distal e conforme parâmetros hemodinâmicos, realizou-se nova infusão rápida de RL antes da retirada do pinçamento distal (Figura 2). Com a estabilização hemodinâmica, foi retirada a cânula da veia femoral esquerda, seguida da reversão da heparina com sulfato de protamina (metade da dose calculada). Fechamento das cavidades por planos.

Dados operatórios

O tempo de operação foi de 5 horas e 30 minutos, com sangramento estimado em 4 litros. Transfundidos hemoderivados e 800 ml de sangue recuperado com "Cell Saver". O tempo de pinçamento visceral foi de 30 min e o tempo de pinçamento total de 55 min. A diurese intra-operatória foi adequada e o volume total infundido pela bomba venosa rápida foi de 1900 ml de RL. Paciente desentubado no pós-operatório imediato.

Para circulação extracorpórea parcial modificada utilizou-se: bomba centrífuga fabricada por International Biophyscs Corporation - Austin /Texas/ USA; oxigenador de membrana neonatal e reservatório de cardiotomia adulto fabricado por Braile Biomédica Ind. e Com. Ltda. O "priming" foi realizado com RL.

COMENTÁRIOS

Nos aneurismas toracoabdominais tipo III e IV, muitos autores utilizam a técnica do "clamp and go". A justificativa apresentada é de que o tempo de pinçamento aórtico é relativamente curto, com baixo risco de isquemia medular [3-5,8].

Nos casos de reoperações ou roturas, nos quais o tempo de pinçamento pode ser prolongado, a utilização da perfusão visceral pode contribuir para a preservação da função renal e hepática, diminuindo os efeitos deletérios decorrentes da isquemia intestinal, reduzindo o risco de insuficiência renal aguda, distúrbios da coagulação e outras alterações com repercussão hemodinâmica [1,6].

Nesse caso, optamos por realizar a perfusão visceral durante o pinçamento da aorta supradiafragmática com um circuito que associa a circulação extracorpórea "parcial" com uma bomba de infusão venosa rápida.

O reservatório de cardiotomia foi utilizado para infusão venosa de solução cristalóide. Foi utilizado um oxigenador de membrana neonatal, visando diminuir a dose de heparina necessária nesse circuito (TCA desejado de 300 seg). O fluxo necessário para perfusão visceral é cerca de 60ml/min por ramo arterial, e o oxigenador neonatal tem capacidade de oxigenar até 1000ml/min [6,8].

A vantagem do circuito é a infusão venosa rápida através de bomba centrífuga com o "shunt" associado ao circuito. Desse modo, obteve-se uma bomba venosa com custo muito baixo. Essa infusão de volume pela bomba coincide exatamente com o final das anastomoses proximal e distal, quando se faz necessário um volume extra devido à hipotensão decorrente da interrupção do pinçamento aórtico.

Mesmo em cirurgias eletivas de aneurismas toracoabdominais tipos III e IV, esse circuito de perfusão seria interessante. Associando-se uma bomba de infusão venosa rápida extra, garante-se acesso venoso pela veia inferior e aumenta-se o tempo permitido para uma anastomose segura. Ainda há a possibilidade de se associar perfusão com sangue frio em artérias renais e acrescentar um trocador de calor na infusão venosa para aquecimento do paciente, se necessário.

Os circuitos tradicionais já mencionados poderiam ser utilizados nesse caso. Contudo, não resolveriam o nosso problema com a bomba de infusão rápida. Estes circuitos necessitam de doses maiores de heparina (circuitos de extracorpórea) ou não têm controle do fluxo de perfusão visceral (perfusão passiva).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Article receive on quinta-feira, 1 de julho de 2004

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