Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

24

Views

RELATO DE CASO

Ressecção de mixoma ventricular esquerdo após acidente vascular cerebral embólico

Marcus Vinicius Ferraz de ARRUDAI; Domingo M BraileII; Marcos Rogério JoaquimI; Marcelo José Ferreira SoaresIII; Raquel Helena ALVESIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000400022

RESUMO

Mixoma cardíaco é o tumor primário mais comum do coração. Sua principal localização é no átrio esquerdo, mas pode surgir em qualquer câmara cardíaca. Os sintomas clínicos são variáveis, mas dispnéia e embolia são os mais freqüentes. Relatamos o caso de um jovem com acidente vascular cerebral isquêmico embólico causado por um grande mixoma no ventrículo esquerdo. O paciente foi submetido a cirurgia três semanas após o acidente vascular cerebral. O tumor foi ressecado com cuidado, sem fragmentar. O tratamento cirúrgico foi eficaz. Enfatizamos a raridade da presente localização, juntamente com uma revisão da literatura atual.

ABSTRACT

Cardiac myxoma is the most common primary tumor of the heart. The tumor is located mainly in the left atrium but can arise from any heart chamber. Clinical symptoms are variable but dyspnea and embolism are the most frequent. We report a case of a young man that had embolic ischemic stroke caused by a large left ventricular myxoma. The patient underwent surgery three weeks after the stroke. The tumor was carefully resected without fragmentation. Surgical treatment was effective. We emphasize the rarity of this location together with a review of the current literature.
INTRODUÇÃO

Os tumores cardíacos representam 0,2% de todos os tumores encontrados no organismo. Dentre os tumores cardíacos, o mixoma é o mais freqüente, respondendo por 50% destes [1]. Sua localização pode variar, sendo mais comum no átrio esquerdo. Quando encontrado no ventrículo esquerdo, pode evoluir assintomático, ocasionar embolia arterial periférica ou acidente vascular cerebral.

Acidentes embólicos têm sido relatados com freqüência, o que pode ocasionar incapacidade ou morte súbita [2]. Em casos de tumor no ventrículo esquerdo, deve ser instituído o tratamento cirúrgico logo que estabelecido o diagnóstico.

Relatamos o caso de um jovem com acidente vascular cerebral embólico em decorrência de um mixoma no ventrículo esquerdo. O paciente foi submetido a cirurgia cardíaca para ressecção da massa tumoral.


RELATO DO CASO

Paciente D.A.S., sexo masculino, 22 anos, procedente de Piracicaba-SP, deu entrada no Pronto Socorro Municipal com confusão mental, sonolência, respondendo a estímulos verbais e com crise convulsiva.

Encaminhado para o Hospital dos Fornecedores de Cana de Piracicaba, foi avaliado pelo neurologista que identificou afasia e hemiplegia direita. Realizada ressonância magnética de crânio que evidenciou um acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) em núcleos da base e no território da artéria cerebral média esquerda.

No 2° dia da internação hospitalar, foram solicitados exames cardiológicos. O ecocardiograma evidenciou imagem compatível com massa de 3,0 x 2,7 cm, aderida em parede apical de ventrículo esquerdo e câmaras cardíacas com dimensões normais.

A ressonância magnética de tórax confirmou a presença de massa tumoral ovulada, medindo 5,0 x 4,0 x 3,0 cm, na parede lateral do ventrículo esquerdo, sem outras alterações morfológicas no coração.

O paciente permaneceu internado e foi programada a cirurgia para ressecção desta massa em 3 semanas, de acordo com a orientação do neurologista.

A cirurgia foi realizada por meio de esternotomia mediana, com estabelecimento de circulação extracorpórea tipo aorto-bicaval, cardioplegia sanguínea anterógrada e retrógrada em normotermia.

Após a interrupção dos batimentos cardíacos, foi realizada uma incisão de 4 cm na parede lateral do ventrículo esquerdo, visualizando-se um tumor de aspecto gelatinoso e disforme, medindo 7,0 x 6,5 x 2,5 cm.

O tumor foi ressecado com manuseio cuidadoso, evitando-se sua fragmentação e com margem de segurança de 0,5 cm.

Realizada inspeção da cavidade, seguida de fechamento do ventrículo esquerdo com fios de polipropileno 3-0 ancorados em pericárdio bovino.

Interrupção da circulação extracorpórea, revisão da hemostasia, drenagem do mediastino, esternorrafia e sutura do subcutâneo e pele.

O paciente foi encaminhado para a UTI - Cardiológica. O exame de anatomopatológico confirmou tratar-se de um mixoma cardíaco. O pós-operatório transcorreu sem intercorrências, com melhora significativa do déficit neurológico.

Realizada nova ressonância de tórax para controle e o paciente recebeu alta hospitalar no 5° dia de pós-operatório.


DISCUSSÃO

Os mixomas respondem por aproximadamente 50% das neoplasias primárias do coração. Apesar de apresentar caráter histológico benigno, podem levar a evolução desfavorável, sendo responsáveis por complicações incapacitantes ou até morte súbita. Podem ocasionar eventos embólicos pulmonar e sistêmico em decorrência de sua fragmentação ou mesmo por obstrução valvar [2].

Crafoord, em Estocolmo, no ano de 1954, realizou a primeira ressecção cirúrgica com êxito de um mixoma cardíaco [3]. Em 20% dos pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico, a etiologia é cardíaca [4].

Em pacientes com história de acidente vascular cerebral, a cirurgia com circulação extracorpórea e heparinização sistêmica deve ser retardada por quatro semanas e ter acompanhamento do neurologista [5].

O presente paciente, conforme orientação do neurologista, foi submetido ao procedimento cirúrgico três semanas após o AVC, temendo nova embolização.

Recentes estudos sugerem que o tumor produz e libera interleucina no sistema circulatório, que pode ser responsável por manifestações inflamatórias ou auto-imunes. [6].

Os tumores intraventriculares mais freqüentes são os sarcomas. A ocorrência de um mixoma nesta localização é rara [7].

Geralmente, 75% a 80% dos mixomas estão localizados no átrio esquerdo, 18% no átrio direito e, mais raramente, nos ventrículos ou multicêntricos [8].

A clássica tríade é habitualmente encontrada em portadores de mixoma cardíaco, caracterizada por obstrução do fluxo sangüíneo, levando a insuficiência cardíaca intermitente, sintomas inespecíficos semelhantes à gripe, anorexia, perda de peso, e fenômenos embólicos [9].

Os mixomas geralmente são pediculados, mas podem apresentar variações. Em relação aos aspectos macroscópicos, sua superfície pode ser lisa ou lobulada. Formas ovaladas, arredondadas e irregulares têm sido descritas, e a coloração acastanhada parece ser predominante.

Sua consistência também é variável: gelatinosa ou firme. O peso e o tamanho dependem da fase e da evolução da doença [1].

Os exames de ecocardiograma, tomografia e ressonância permitem realizar o diagnóstico de tumores cardíacos primários sem o uso de procedimentos invasivos [2].

Uma vez feito o diagnóstico de mixoma cardíaco, a exérese cirúrgica deve ser realizada sem atrasos, devido ao risco constante de episódios embólicos [6].

O manuseio cuidadoso das estruturas cardíacas e da tumoração durante sua remoção diminui a possibilidade de fragmentação e ocorrência de fenômeno embólicos no intra-operatório.

A ressecção da base de implantação deve ser feita com boa margem de segurança para evitar recidiva [2]. A incidência de recidiva de mixomas é muito baixa, normalmente está relacionada à excisão incompleta da base de implantação tumoral ou quando um sarcoma mesenquimal foi histologicamente mal interpretado [10].

Como medida preventiva destas recorrências, preconiza-se o acompanhamento periódico do paciente, incluindo avaliação ecocardiográfica, que permite detectar precocemente a existência de uma recidiva, propiciando melhor manejo e planejamento do tratamento cirúrgico [10].

O paciente deste relato encontra-se em acompanhamento ambulatorial e, até o presente momento, não apresentou nenhum sinal clínico de reincidência tumoral.


REFERÊNCIAS

1. Lima PRL, Crotti PLR. Tumores cardíacos malignos. Rev Bras Cir Cardiovascular. 2004;19(1):64-73.

2. Motta AAR, Colen Filho E, Colen EA, Vieira JAS, Alves MAP, Borges MF, et al. Mixoma do átrio esquerdo: relato de 3 casos. Rev Bras Cir Cardiovascular. 1997;12(4):377-83.

3. Grebenc ML, Rosado-de-Christenson ML, Green CE, Burke AP, Galvin JR. Cardiac myxoma: imaging features in 83 pacients. Radiographics. 2002;22(3):673-89. [MedLine]

4. Almeida LA, Hueb JC, Moraes Silva MA, Bazan R, Estrozi B, Raffin CN. Cerebral ischemia as initial neurological manifestation of atrial myxoma: case report. Arq Neuropsiquiatr. 2006;64(3A):660-3. [MedLine]

5. Brick AV, Souza DSR, Braile DM, Buffolo E, Lucchese FA, Silva FPV, et al. Diretrizes da cirurgia de revascularização miocárdica, valvopatias e doenças da aorta. Arq Bras Cardiol. 2004;82(supl. 5):1-20. [MedLine]

6. Sá MI, Abreu A, Cabral S, Reis AH, Torres S, de Oliveira F, et al. Myxoma in the right ventricular outlow tract. Rev Port Cardiol. 2007;26(4):377-81. [MedLine]

7. Ipek G, Erentug V, Bozbuga N, Polat A, Guler M, Kirali K, et al. Surgical management of cardiac myxoma. J Card Surg. 2005;20(3):300-4. [MedLine]

8. Escobar FS, Attié F, Barrón JV, Marroquín SR, del Abadiano JA. Left ventricular myxoma. Arch Cardiol Mex. 2004;74(4):290-4. [MedLine]

9. Takakura IT, Godoy MF, Soares MJ, Moscardini AC, Braile DM. Mixoma atrial esquerdo com acidente vascular cerebral isquêmico em criança. Arq Bras Cardiol. 1998;71(2):135-7. [MedLine]

10. Manfroi W, Vieira SRR, Saadi EK, Saadi J, Alboim C. Múltiplas recorrências de mixomas cardíacos com embolia pulmonar aguda. Arq Bras Cardiol. 2001;77(2):161-3.

Article receive on segunda-feira, 3 de março de 2008

CCBY All scientific articles published at rbccv.org.br are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY