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RELATO DE CASO

Aneurisma em ponte de veia safena para artéria coronária marginal esquerda, roto para o brônquio esquerdo

Luiz César Guarita SouzaI; Salomon O RojasI; Ricardo MazzieriI; Dante F SenraI; Marcos F BerlinckI; Januário Manoel de SouzaI; Sérgio Almeida de OliveiraI

DOI: 10.1590/S0102-76381996000400015

RELATO DO CASO

J.G.M., 68 anos, branco, tabagista e diabético de longa data, foi submetido a cirurgia de revascularização do miocárdio com ponte de veia safena para a artéria interventricular anterior em 1975. Após 10 anos, foi reoperado com realização de pontes de veia safena para a artéria coronária direita e para a artéria marginal esquerda, sendo esta última com trajeto retro-aórtico passando pelo seio transverso. A ponte para a artéria interventricular anterior estava ocluida, sendo realizada endarterectomia e anastomose com a artéria torácica interna esquerda.

Teve alta hospitalar em bom estado geral, permanecendo assintomático até dezembro de 1995, quando, subitamente, apresentou dispnéia, dor torácica e hemoptise, sendo internado para investigação, após 15 dias do inicio dos sintomas. Ao exame físico, estava descorado, dispnéico, com episódios freqüentes de tosse com escarros hemoptóicos. A pressão arterial era de 140/90 mmHg, freqüência cardíaca com ritmo irregular de 69 batimentos cardíacos por minuto. O eletrocardiograma mostrou ritmo de fibrilação atrial, com distúrbio de condução do ramo direito e isquemia ínfero-lateral. A radiografia de tórax mostrava congestão pulmonar moderada e difusa. A tomografia computadorizada revelou lesão expansiva mediastinal, localizada à esquerda do átrio esquerdo, deslocando a veia pulmonar inferior esquerda posteriormente. A lesão estava em íntima relação com a artéria pulmonar esquerda e com o brônquio do lobo inferior esquerdo, tendo densidade semelhante ao das partes moles, sugerindo que a lesão fosse de natureza vascular (Figura 1).


Fig. l - Lesão expansiva mediastinal, tendo densidade semelhante ao das partes moles, sugerindo que a lesão fosse de natureza vascular.



À angiografia pulmonar observou-se circulação arterial pulmonar com aspecto angiográfico dentro dos limites da normalidade, não havendo evidência de aneurisma ao nível das artérias pulmonares. Identificou-se, no entanto, deslocamento cranial da veia do lobo inferior à esquerda, possivelmente devido ao efeito expansivo da lesão evidenciada à tomografia. O tempo de circulação arteriovenosa transcorreu normalmente, não havendo evidência de drenagem venosa precoce. Observou-se, também, imagem sugestiva de contraste residual em brônquio esquerdo, possivelmente devido à cineangiocoronariografia, suspeitando-se, desta forma, de uma fístula coronário-brônquica (Figura 2).


Fig. 2 - Deslocamento cranial da veia do lobo inferior à esquerda, possivelmente devido ao efeito expansivo da lesão evidenciada à tomografia.



A cineangiocoronariografia mostrou oclusão proximal da artéria coronária direita, oclusão proximal da artéria interventricular anterior e oclusão do ramo marginal esquerdo da artéria circunflexa. As pontes das veias safenas para artérias coronárias direita e marginal esquerda estavam pérvias. Entretanto, a ponte de veia safena para a artéria marginal esquerda apresentava, em seu terço distal, um grande aneurisma (Figura 3).


Fig. 3 - Ponte de veia safena para a artéria marginal esquerda apresentava, em seu terço distal, um grande aneurisma.



A artéria torácica interna estava anastomosada, a artéria interventricular anterior com bom fluxo e sem lesões. A ventriculogram esquerda evidenciou hipocinesia ântero-lateral.

Com o diagnóstico de grande aneurisma da ponte de veia safena para a artéria marginal esquerda, parcialmente roto para o brônquio esquerdo, foi indicada a correção cirúrgica. A operação foi realizada através de uma esternotomia mediana anterior. A circulação extracorpórea foi iniciada com canulação de artéria e veias femorais esquerdas. Após liberar o coração das aderências, o átrio direito foi canulado para completar a drenagem venosa. A temperatura sistêmica foi baixada para 30ºC. A aorta ascendente foi pinçada, sendo realizada cardioplegia anterógrada sangüínea oxigenada. A ponte para a artéria marginal esquerda foi isolada no seu trajeto retroaórtico e ligada. Após exposição da face lateral do ventrículo esquerdo, o aneurisma da ponte foi melhor visibilizado; localizava-se logo antes da anastomose com a artéria coronária marginal esquerda, medindo aproximadamente 4,0 cm x 5,0 cm. O aneurisma foi incisado, havia trombos, os quais foram removidos.

O pericárdio posterior estava rompido pelo aneurisma, o qual invadia o lobo pulmonar inferior esquerdo. Havia contiguidade do aneurisma com o brônquio esquerdo. A veia safena foi ligada antes e após o aneurisma. O paciente foi reaquecido e a circulação extracorpórea interrompida. O paciente manteve-se em boas condições hemodinâmicas. O mediastino foi drenado e realizada síntese da toracotomia.

A evolução pós-operatória inicial foi satisfatória, sendo o paciente extubado algumas horas após a operação. Nos primeiros quatro dias, manteve-se bem, embora com muita secreção pulmonar e freqüentes broncoespasmos, controlados com fisioterapia respiratória e uso de broncodilatador e antibioticoterapia. No 5º pós-operatório, foi diagnosticada infecção pulmonar, necessitando nova entubação manual e assistência ventilatória mecânica. A insuficiência respiratória foi progressiva, levando a parada cárdio-respiratória no 15º pós-operatório, evoluindo ao óbito.


COMENTÁRIOS

O comprometimento dos enxertos de veia safena pela aterosclerose é freqüente após alguns anos de funcionamento, sendo mais acentuado nos pacientes com graves dislipidemias. Esta é a causa comum da oclusão tardia das pontes de veia safena. Dilatações aneurismáticas das veias, secundárias a aterosclerose têm sido observadas não raramente; entretanto, o caso aqui relatado reveste-se de algumas peculiaridades, como o grande volume da formação aneurismática e a complicação com fistulização para o pulmão, levando ao aparecimento de hemoptise.

Embora não tenha sido comprovada a presença de comunicação direta do aneurisma com a árvore brônquica, a hemorragia poderia ter sido provocada por pequenas roturas tamponadas ou apenas por escara de decúbito sobre a árvore brônquica.

Dilatações aneurismáticas das veias safenas com acentuada degeneração aterosclerótica são comuns, embora não maior que uma ou duas vezes o diâmetro original da veia. Estas dilatações levam à oclusão do enxerto por trombose, sendo excepcional a evolução para rotura.

A correção cirúrgica pôde ser realizada com ligadura da veia safena (ponte) antes e após o aneurisma. Infelizmente, o quadro de insuficiência respiratória agravou-se no pós-operatório, levando o paciente ao óbito.

A prevenção da aterosclerose com adequado regime dietético e medicamentoso deve sempre ser observado nos pacientes operados com pontes de veia safena para maior sobrevida dos enxertos e evitarem-se complicações, como a aqui descrita.

Article receive on quinta-feira, 31 de outubro de 1996

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