Walter J. GomesI; Grupo de Trabalho da SBCCV no Programa Nacional para o Tratamento Integral de Crianças com Diagnóstico de Cardiopatia Congênita; Aldemir José da Silva Nogueira; Fabio Biscegli Jatene; José Teles de Mendonça; José Wanderley Neto; Leonardo Andrade Mulinari; Luiz Fernando Caneo; Marcelo Biscegli Jatene; Marcelo Matos Cascudo; Valdester Cavalcante Pinto Júnior
DOI: 10.5935/1678-9741.20130024
Tornou-se insustentável a aceitação da qualidade do atendimento à saúde dos brasileiros. Sentido pela população, mas afetando principalmente os pacientes, seus familiares, os médicos e todos os demais profissionais envolvidos, e mais ainda quando compromete as crianças portadoras de cardiopatias congênitas, alijadas do direito básico do tratamento adequado e da possibilidade de continuar vivendo.
O artigo de Pinto Jr., publicado neste fascículo da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, abordando a dificuldade do atendimento à população de crianças portadoras de cardiopatias congênitas, é oportuno e retrata bem parte dessa realidade vivida no dia-a-dia por todos nós [1].
Dolorosa é a constatação dos dados epidemiológicos que apontam que, das 23.000 crianças que nascem anualmente no Brasil com diagnóstico de cardiopatia congênita e necessitariam de tratamento cirúrgico, 65% não têm acesso ao procedimento indicado. Os maiores índices de defasagem encontram-se nas regiões Norte e Nordeste (93,5% e 77,4%, respectivamente) e os menores, nas regiões Sul e Centro-Oeste (46,4% e 57,4%, respectivamente). Essas crianças evoluem com a história natural da doença e consequente elevada mortalidade e restrição de qualidade de vida, situação evitável considerando que mais de 70% dessas crianças têm potencial de cura com o tratamento correto. Os recursos dirigidos para o tratamento das cardiopatias congênitas são insuficientes e, frequentemente, realocados para outros setores, onde resultados de produtividade são mais visíveis e impressionam autoridades [2,3].
Com a continuada preocupação com essa omissão, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV) tem engendrado esforços para encontrar soluções para solver a deficiência. Reunindo um grupo de especialistas que se debruçou sobre o problema, diversas propostas foram apontadas para sua resolução definitiva e, em seguida, encaminhadas para discussão com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
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A conjunção de esforços da SBCCV, encampada com vigor e entusiasmo pela SBC, na pessoa de seu presidente Dr. Jadelson Pinheiro de Andrade. e com a participação também da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), com inclusão dos seus departamentos, resultou na formação de um comitê de especialistas integrantes dessas Sociedades, que elaborou o Programa Nacional para o Tratamento Integral de Crianças com Diagnóstico de Cardiopatia Congênita. Esse Programa tem por objetivo criar um instrumento a ser viabilizado junto ao Ministério da Saúde e demais segmentos sociais e governamentais, permitindo solver definitivamente o sinistro quadro do tratamento das crianças com cardiopatias congênitas no País [4].
Dentre as propostas apresentadas destaca-se a criação junto ao Ministério da Saúde de uma secretaria especializada - a Secretaria Especial para o Tratamento da Criança com Cardiopatia Congênita (SETRACCC) - com disponibilização de recursos para gestão e tratamento integral da criança com cardiopatia congênita. A gestão dessa Secretaria possibilitaria a canalização dos recursos específicos para tratamento dos pacientes com cardiopatias congênitas, evitando a dispersão que ocorre na utilização desses recursos, além da criação dos Centros de Tratamento Integral à Criança com Cardiopatia Congênita (CETICCCs). Propõe a alocação de recursos financeiros destinados unicamente ao tratamento integral da criança com cardiopatia congênita, assim como a ampliação da capacidade de atendimento e aumento da qualificação dos centros já existentes, a abertura de novos centros nas regiões desprovidas e o treinamento de equipes especializadas para esse atendimento, distribuídos de forma equitativa entre as diversas regiões do País. Dessa maneira, garantindo o acesso universal a esse tipo de tratamento a todos os pacientes necessitados.
Conforme preconizado na proposta, o financiamento deverá ser realizado por verba suplementar específica, com os recursos liberados por meio da secretaria especial, independentemente das verbas ordinárias do SUS.
O Programa reafirma e preconiza ser cumprido o texto do Estatuto da Criança, em seu Art. 11: "É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde".
Com a proposta entregue e sob apreciação do Ministério da Saúde no momento, é premente que a sensibilização da gravidade do problema possa resultar em ações positivas e concretas, que viabilizem o atendimento e revertam o quadro instalado de olvidamento dessa população de crianças. E que esse exemplo possa ser usado para corrigir e tornar mais justo e eficaz todo o atendimento de saúde no País.
REFERÊNCIAS
1. Pinto Júnior VC, Fraga MNO, Freitas SM, Croti UA. Regionalização da cirurgia cardiovascular pediátrica brasileira. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2023;28(2):256-62.
2. Pinto Jr VC, Fraga MNO, Freitas SM. Análise das portarias que regulamentam a Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta Complexidade. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):463-8. [MedLine] Visualizar artigo
3. Caneo LF, Jatene MB, Yatsuda N, Gomes WJ. Uma reflexão sobre o desempenho da cirurgia cardíaca pediátrica no Estado de São Paulo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):457-62. [MedLine] Visualizar artigo
4. Pinheiro JA, et al. Programa Nacional para o Tratamento Integral de Crianças com Diagnóstico de Cardiopatia Congênita.