José Carlos Dorsa Vieira PontesI; João Jackson DuarteII; Augusto Daige da SilvaIII; Neimar GardenalIV; Amaury Mont’Serrat Ávila Souza DiasII; Ricardo Adala BenfattiII; Guilherme Viotto Rodrigues da SilvaV; Amanda Ferreira Carli BenfattiIV
DOI: 10.5935/1678-9741.20130030
RESUMO
OBJETIVO: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a experiência inicial e pioneira do implante da prótese Inovare pela via transfemoral ou ilíaca.
MÉTODOS: Seis pacientes foram submetidos ao implante valvar aórtico transcateter. A via de acesso foi femoral ou ilíaca, por onde foi inserido o dispositivo de entrega, que consiste em um cateter balão de látex com a prótese "crimpada" sobre o mesmo. Com auxílio de introdutor femoral da marca Gore® DrySeal 24 Fr, posicionava-se uma guia extrarrígida com a ponta atraumática no ventrículo esquerdo, passando-se pelo anel valvar. Após valvuloplastia com cateter balão nos casos de estenose valvar nativa, implante da prótese foi realizado após hipotensão induzida por taquicardia controlada por marcapasso temporário. O posicionamento da valva foi orientado por ecocardiograma transesofágico (ETE) e radioscopia, objetivando posicionar um terço da extensão da prótese para dentro da cavidade ventricular esquerda.
RESULTADOS: O implante valvar com sucesso foi possível nos 6 casos. Não houve necessidade de conversão para cirurgia convencional por impossibilidade de acesso ou migração da prótese. Não houve mortalidade intraoperatória ou hospitalar. Houve redução significativa do gradiente médio pré-operatório de 66,84±15,46 mmHg para 19,74±10,61 mmHg, no pós-operatório (P=0,002), significando redução de 70,46%.
CONCLUSÃO: A prótese Inovare, implantada por via femoral ou ilíaca, foi factível do ponto de vista técnico, apresentando adequado desempenho hemodinâmico no seguimento pós-operatório e não apresentando mortalidade nesta pequena casuística.
ABSTRACT
OBJECTIVE: This paper demonstrates the initial and pioneering experience implant of the Inovare prosthesis implant through transfemoral or iliac artery route.
METHODS: Six patients underwent transcatheter aortic valve implantation. The access was femoral or iliac through which the delivery device, a latex balloon catheter with the crimped prosthesis, was inserted. Through the femoral introducer 24 Fr Gore® DrySeal sheath, an extra stiff guide wire with non-traumatic tip was positioned in the left ventricle by passing through the valve ring. After balloon valvuloplasty, in cases of native valve stenosis, the prosthesis implantation was performed after hypotension induced by tachycardia and controlled by temporary pacemaker. The valve positioning was guided by TEE (transesophageal ecocardiography) and fluoroscopy, aiming to position a third of the length of the prosthesis into the left ventricle cavity.
RESULTS: The successful valve implantation was possible in six cases. There was no need of conversion to open surgery due to inability to access or graft migration. There were no intraoperative or hospital deaths. We observed a significant reduction in the mean gradient of 66.84±15.46 mmHg to 19.74±10.61 mm Hg postoperatively (P=0.002), a reduction of 70.46%.
CONCLUSION: Inovare prosthesis, implanted by femoral or iliac artery was feasible, and determined adequate hemodynamic performance in the postoperative follow-up, showing no mortality in this small series.
ATM: Atmosfera
ETE: Ecocardiograma transesofágico
NNT: Número necessário para tratar
PARTNER: Placement of Aortic Transcatheter Valves
PTFE: Politetrafluoretileno
STS: Society of Thoracic Surgeons
TAVI: Implante de valva aórtica transcateter
INTRODUÇÃO
Em países desenvolvidos, a causa mais comum de estenose valvar aórtica em adultos é a calcificação degenerativa de uma valva normal ou de uma valva bicúspide congênita [1-3]. A prevalência da estenose aórtica grave aumenta com a idade, podendo acometer até 2% dos indivíduos acima dos 65 anos [4]. O surgimento de sintomas determina mau prognóstico e a sobrevida é aproximadamente 60%, em 1 ano, e de 32%, em 5 anos [5]. O intervalo entre o início dos sintomas até o momento da morte é de aproximadamente 2 anos, em pacientes com insuficiência cardíaca, 3 anos, naqueles com síncope, e 5 anos, em pacientes com angina [6]. Nesses casos, a intervenção cirúrgica muda o curso da história natural da doença, uma vez que a mortalidade operatória é baixa, ao redor 4% [7]. Entretanto, 33% dos pacientes com indicação de tratamento cirúrgico não são aceitos para o procedimento, principalmente em decorrência da idade avançada e da disfunção ventricular [8]. Outras condições, como comorbidades associadas, cirurgias cardíacas prévias, ateromatose aórtica e fragilidade biológica, também contribuem para aumentar o risco cirúrgico desses pacientes.
Essas limitações propiciaram a busca por alternativas de tratamento para esse grupo de pacientes de alto risco. Diversos grupos propuseram opções à substituição valvar convencional. A valvoplastia aórtica com balão foi proposta, em 1986, por Cribier et al. [9], entretanto essa técnica não promoveu sobrevida satisfatória, com 65% de mortalidade anual, sendo que, ao final de 12 meses, apenas 40% dos pacientes estavam livres de reintervenção, troca valvar aórtica cirúrgica, bloqueio atrioventricular ou morte [10].
A primeira descrição de implante valvar por meio de cateter foi feita por Davies [11], em 1965. Andersen et al. [12], em 1992, descreveram o implante experimental de uma estrutura metálica sobre a qual eram montadas cúspides. Cribier et al. [13] descreveram o primeiro implante em humanos, em um caso de extrema gravidade, obtendo resultado imediato satisfatório, com redução expressiva do gradiente transvalvar, melhora da fração de ejeção e do estado clínico de choque cardiogênico.
O PARTNER Trial (Placement of Aortic Transcatheter) [14], primeiro trial randomizado, demonstrou superioridade do implante de valva aórtica transcateter em comparação à terapêutica clínica, em pacientes contraindicados para o tratamento cirúrgico convencional, tanto em termos de mortalidade quanto de qualidade de vida. A grande casuística mundial de implante de valva aórtica transcateter refere-se às próteses Edwards - Sapien e a Corevalve (Medtronic). Em nosso meio, Gaia et al. [15] relataram seus resultados com o implante transapical da prótese nacional - Inovare (Braile Biomédica).
O presente trabalho vem demonstrar a experiência inicial e pioneira do implante da prótese Inovare pela via transfemoral realizado no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
MÉTODO
Seleção dos pacientes
Entre abril e julho de 2012, foi desenvolvido estudo prospectivo em que 6 pacientes foram selecionados para o implante valvar aórtico transcateter, após concordarem com o termo de consentimento livre e informado e aprovação do Comitê de Ética da instituição. Esses pacientes eram provenientes do ambulatório de válvulas do Hospital Universitário de Mato Grosso do Sul. Já estavam sob acompanhamento clínico há alguns meses. Todos os pacientes tinham indicação de tratamento cirúrgico de implante de prótese valvar aórtica, que estava sendo protelado em virtude do alto risco operatório. O risco operatório foi determinado para cada paciente utilizando-se o Society of Thoracic Surgeons (STS) escore, considerando como de alto risco escores maiores que 10% de mortalidade operatória. Outros critérios foram considerados para a indicação do procedimento: expectativa de vida maior que 1 ano; avaliação da fragilidade biológica realizada por equipe multidisciplinar, com base na análise de fatores como mobilidade, força, capacidade de realização de atividades de vida diária, estado nutricional e presença de déficits cognitivos; presença de cirurgias prévias de revascularização do miocárdio com enxertos pérvios ou cirurgias prévias envolvendo aorta descendente. Esses critérios de indicação são demonstrados na Tabela 1.
As contraindicações consideradas para o procedimento estão elencadas na Tabela 2.
Todos os pacientes foram submetidos a exames clínicos, laboratoriais, ecocardiograma e angiotomografia de tórax e abdome, que avaliou o diâmetro do anel valvar aórtico e o diâmetro do sistema arterial ilíaco-femoral. A cineangiocoronariografia foi realizada em todos pacientes, para avaliação da anatomia coronariana, assim como o nível da emergência de seus óstios.
Escolha da prótese
Foram utilizadas, em todos os casos, bioprótese de pericárdio bovino montada em gaiola de estrutura metálica de cromo-cobalto transcateter balão-expansível (Braile Biomédica®, São José do Rio Preto, Brasil), em tamanhos de 22 mm a 28 mm de diâmetro, conforme o anel valvar aórtico ou o diâmetro interno da bioprótese com disfunção, considerando-se um sobre tamanho de pelo menos 20% (Over Size) - Tabela 3. O diâmetro do anel valvar foi mensurado a partir de ecocardiograma transtorácico pré-operatório e confirmado com angiotomografia pré-operatória (Figura 1) e ecocardiograma transesofágico (ETE) durante o procedimento (Figura 2).
ETE no intraoperatório
A sonda transesofágica é inserida logo após a indução anestésica e intubação orotraqueal. Foi então realizada a avaliação da valva aórtica, objetivando confirmar o grau de insuficiência e estenose valvar. Foram registrados os gradientes transvalvares médio e máximo, a estimativa da área valvar antes e após o implante da valva transcateter. No momento da entrega e liberação da prótese, o ETE orientou o posicionamento da prótese no anel nativo, sendo considerada posição ideal a introdução de um terço da prótese dentro da via de saída do ventrículo esquerdo.
Técnica operatória
Os pacientes foram todos submetidos a anestesia geral e ventilação mecânica após cateterização venosa central e colocação de eletrodo de marcapasso temporário posicionado em ventrículo direito. Foram preparados e monitorizados como se fossem ser submetidos a cirurgia cardíaca convencional.
Via de acesso e cateterização
É previamente definida a partir do diâmetro das artérias femorais e ilíacas bilaterais, além do diagnóstico de calcificações, estenoses ou tortuosidades desses vasos. Considerou-se como via de acesso adequada diâmetros de artérias femorais acima de 8 mm, na ausência de estenoses e tortuosidades importantes, uma vez que o diâmetro do introdutor necessário para o implante da prótese Inovare é de 24 Fr. Em um caso em que o diâmetro da artéria femoral era menor que 8 mm, optamos por acesso via artéria ilíaca externa comum. Uma vez definida a via de acesso, realizou-se a dissecção da artéria que receberia o dispositivo de entrega valvar. A artéria femoral contralateral foi então puncionada. Pelas duas artérias foi inserido fio-guia extra-stiff, com auxílio de introdutores apropriados e posicionados dentro do ventrículo esquerdo, como preparo para receber o cateter-balão da valvoplastia e o cateter de entrega da prótese. Foi puncionada, também, a artéria braquial direita para cauterização com cateter "pig tail", que foi posicionado em aorta ascendente para a realização da aortografia. O cateter-balão da valvuloplastia foi posicionado na aorta ascendente sob orientação radioscópica. Na arterial femoral escolhida como via de acesso, foi inserido o dispositivo de entrega, que consiste em um cateter-balão de látex com a prótese "crimpada" sobre o mesmo (Figura 3), por meio de introdutor femoral da marca Gore® DrySeal 24 Fr e posicionado em aorta ascendente sob radioscopia.
Valvuloplastia aórtica
Esse procedimento foi realizado nos casos de estenose valvar em valva nativa, após o posicionamento de um balão posicionado no nível do anel aórtico. Foi realizado após hipotensão com pressão arterial média de 30 mmHg, induzida com aumento da frequência cardíaca até aproximadamente 180 batimentos por minuto, a partir de estimulação cardíaca artificial com marcapasso externo. O cateter-balão foi posicionado dentro do anel valvar aórtico e insuflado com pressão de 2 ATM (atmosfera). Em seguida, foi realizada avaliação com ETE e constatada a diminuição do gradiente transvalvar aórtico e surgimento ou aumento da insuficiência valvar (Figura 4).
Implante da prótese valvar
Foi realizado após valvuloplastia com cateter-balão, nos casos de estenose valvar nativa, e sem a realização da valvuloplastia, nos casos de disfunção de bioprótese pré-existente. O implante da prótese foi realizado após hipotensão induzida por taquicardia controlada por marcapasso temporário previamente implantado. Procurou-se manter a pressão arterial média de 30 a 40 mmHg durante a liberação da prótese. O posicionamento da válvula foi orientado pelo ETE e pela radioscopia, objetivando posicionar um terço da extensão da prótese para dentro da cavidade ventricular esquerda. Após o implante, foi realizada aortografia para avaliação da presença de refluxos e da perviedade dos óstios coronarianos. O posicionamento protético ideal também foi confirmado pelo ETE. O sucesso do procedimento foi atestado pela diminuição do gradiente transvalvar e aumento da área valvar nos casos de estenoses e pela melhora do grau de insuficiência nos casos de disfunção das biopróteses. A ausência de consideráveis refluxos paraprotéticos também foi verificada como padrão da qualidade do implante.
Seguimento Hospitalar
Após a realização dos procedimentos, os pacientes foram conduzidos até o setor de pós-operatório para cuidados intensivos. Em todos pacientes, usou-se heparina de baixo peso molecular com dose de 40 mg ao dia, a partir primeiro pós-operatório. O sucesso do procedimento foi definido como o implante correto da valva no anel aórtico, com melhora dos parâmetros hemodinâmicos prévios ao ecocardiograma, com ausência de vazamentos valvares ou perivalvares significativos, na ausência de complicações fatais. Os desfechos avaliados foram: mortalidade por qualquer causa (30 dias, global e pós-alta); eventos cardiovasculares maiores; internação por disfunção protética ou deterioração clínica; classe funcional; acidente vascular cerebral; complicação vascular; insuficiência renal e sangramentos maiores. Acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio foram definidos conforme as recomendações do Valve Academic Research Consortium [16].
Parâmetros Ecocardiográficos
Os pacientes foram avaliados ecocardiograficamente logo após o procedimento, com 7 e 30 dias. Os parâmetros avaliados foram: diâmetros sistólico e diastólico do ventrículo esquerdo, função sistólica do ventrículo esquerdo, gradientes transvalvares aórticos máximos e médios, área valvar aórtica e presença de refluxos valvares ou paravalvares aórticos.
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada com auxílio do programa BioStat versão 5.3.5. O nível de confiança de 0,05 foi utilizado como significativo.
RESULTADOS
Seis pacientes foram submetidos ao implante de valva aórtica transcateter, sendo quatro do sexo masculino e dois do sexo feminino. A idade média foi de 65,83 ± 20,18 anos. Todos os casos foram realizados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em sala cirúrgica híbrida. A indicação do procedimento em quatro (66,6%) pacientes foi por estenose valvar. Um desses pacientes apresentava estenose precoce de bioprótese valvar aórtica implantada há 1 ano. Nos outros dois (33,3%) casos, a indicação foi por insuficiência de bioprótese previamente implantada. O escore STS médio de mortalidade desses pacientes foi de 12,09 ± 1,28%. A Tabela 4 apresenta as doenças valvares tratadas, o escore de gravidade de cada paciente e os parâmetros ecocardiográficos prévios ao procedimento.
O implante valvar com sucesso foi possível nos seis casos. Esses implantes foram realizados por via transfemoral em quatro casos; nos outros dois pacientes, optou-se pelo acesso pela artéria ilíaca externa, pois as artérias femorais apresentavam diâmetros menores que 7 mm. Não houve necessidade de conversão para cirurgia convencional, por impossibilidade de acesso ou migração da prótese. Não houve mortalidade intraoperatória ou hospitalar nesse grupo.
Foram utilizados os seguintes tamanhos de dispositivos: 2 de 22 mm, 2 de 24 mm, 1 de 26 mm e 1 de 28 mm. Nos casos de valve-in-valve, foram utilizadas duas próteses 22 mm e 1 de 24 mm.
O resultado hemodinâmico avaliado pelo ecocardiograma foi satisfatório. Nos pacientes com estenose de valva aórtica nativa ou de bioprótese, foi observada redução significativa do gradiente médio de 66,84 ± 15,46 mmHg para 19,74 ±10,61 mmHg, no pós-operatório (P=0,002), determinando uma redução de 70,46%. O gradiente transvalvar médio de cada paciente, antes e após o procedimento, encontra-se demonstrado na Figura 5. A Figura 6 demonstra as medidas ecocardiográficas pré e pós-implante da prótese valvar aórtica transcateter. A evolução demonstrou que essa redução do gradiente foi mantida nos exames subsequentes (Tabela 5). Nos pacientes que apresentavam insuficiência da bioprótese, houve aumento discreto do gradiente médio transvalvar, sem determinar qualquer grau de estenose com consequência hemodinâmica, apresentando melhora importante da função sistólica do ventrículo esquerdo (Figura 7). De maneira geral, a média da fração de ejeção desses seis pacientes era de 46,66 ± 15,2%, no pré-operatório, aumentando para 61,16 ± 12,25%, após o procedimento, apresentando incremento de 31,11% (P=0,0001).
Após as intervenções nas valvas aórticas nativas, houve presença de insuficiência paravalvar discreta em todos os pacientes, enquanto que, após as intervenções nas biopróteses, não houve refluxo residual.
Não ocorreu necessidade de implante de mais de uma válvula no mesmo paciente.
A Figura 8 demonstra o aspecto angiográfico após o implante bem sucedido, mostrando o posicionamento da prótese e a perviedade dos óstios coronarianos.
Complicações
A maior complicação vascular ocorrida foi rotura de artéria ilíaca direita em um caso, com sangramento importante, que foi resolvido após a insuflação de cateter-balão em aorta abdominal com interrupção do fluxo sanguíneo distal, seguida de laparotomia exploradora e realização de anatomose ilíaco-femoral com enxerto de politetrafluoretileno (PTFE).
Houve, também, um caso de hematúria após sondagem vesical em paciente que apresentava hiperplasia prostática, sendo acompanhada conservadoramente, com resolução espontânea. Não houve incidência de bloqueio atrioventricular com necessidade de implante de marcapasso definitivo em nenhum caso. Observou-se, em 5 (83,3%) pacientes, presença de plaquetopenia, com valor médio de 40000 plaquetas e mínimo de 18000 plaquetas no pós-operatório, recuperado espontaneamente durante o período de internação, sem que a causa dessa plaquetopenia fosse identificada. Em um dos pacientes, houve agudização da insuficiência renal crônica, que foi tratada conservadoramente, não havendo necessidade de hemodiálise. Esse mesmo paciente apresentou quadro de pneumonia, que evoluiu bem com a antibioticoterapia convencional. A média do período de internação foi de 7 dias. Houve necessidade de reinternação do paciente 1 após 4 dias da alta, devido a quadro de congestão pulmonar decorrente de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo previamente existente (fração de ejeção do ventrículo esquerdo = 28%), sem relação com a prótese implantada. Nessa nova internação, o paciente permaneceu no hospital por 4 dias, para otimização das doses dos diuréticos e vasodilatadores, obtendo alta com melhora. Na presente casuística, não foram observados infarto do miocárdico ou acidente vascular cerebral.
DISCUSSÃO
A troca valvar aórtica, desde 1960, tem sido a única opção para o tratamento da estenose valvar aórtica grave, aumentando a sobrevida desses pacientes, independentemente da idade, com mortalidade estimada em 4% [17]. Como já afirmado anteriormente, aproximadamente um terço dos pacientes com estenose aórtica grave são inelegíveis para o tratamento cirúrgico convencional, devido ao alto risco operatório [8].
O tratamento medicamentoso para esses pacientes resulta em sobrevida de 60% e 32%, em 1 e 5 anos, respectivamente [5]. O implante de valva aórtica transcateter surge como opção terapêutica para esses graves pacientes e vem apresentando ótimos resultados, demonstrando não inferioridade em relação à troca valvar aórtica convencional, após 1 ano de seguimento, com 20% de redução da mortalidade absoluta em comparação ao tratamento clínico de pacientes inoperáveis, com NNT=5 [14].
No presente estudo, o acesso para a abordagem valvar foi o transarterial, femoral ou ilíaco. Vários estudos demonstraram maior mortalidade nos casos de procedimentos transapical, quando comparados ao acesso transfemoral [18-21]. Atribuem-se esses resultados à maior gravidade dos pacientes selecionados para o procedimento transapical e pela maior duração da curva de aprendizado dessa modalidade de abordagem. Entretanto, acreditamos que a manipulação do coração pode determinar maior instabilidade hemodinâmica e sangramentos, e que a dinâmica respiratória pode ficar prejudicada pela abertura da cavidade pleural, piorando a função respiratória no pós-operatório, especialmente em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, uma vez que essa comorbidade atua como preditor independente de sobrevida [19]. Um estudo multicêntrico francês [22], além de demonstrar maior mortalidade hospitalar (13.9% vs. 8.5%), evidenciou maior incidência de sangramentos maiores (3,4% vs. 1,5%) e maior tempo de internação (13.3±7.8 dias vs. 10.5±8.1 dias) nos pacientes abordados pela via transapical em relação àqueles tratados pelo acesso transfemoral.
A complicação mais grave nessa casuística inicial refere-se à ruptura da artéria ilíaca direita com sangramento intraoperatório resolvido com insuflação de balão de látex em aorta abdominal, para interrupção do fluxo sanguíneo e realização de anastomose ilíaco-femoral direita com enxerto de PTFE. Os principais registros mundiais relatam maior incidência de complicações vasculares com o acesso transfemoral [19,21,22]. Entretanto, o desenvolvimento e a evolução dos materiais, como introdutores e próteses, possivelmente viabilizará a abordagem por artérias de menor diâmetro e, consequentemente, diminuirá a incidência das complicações vasculares. A abordagem pela artéria ilíaca externa tem sido utilizada em nossa casuística como alternativa ao calibre pequeno das artérias femorais.
A prótese Inovare, atualmente concebida para o acesso transapical, apresentou características de perfil e capacidade de ser "crimpada" até atingir diâmetros que permitam o seu implante pela via transfemoral. Essa prótese apresenta boa navegabilidade pela aorta e ecogenicidade adequada para a orientação ecocardiográfica de seu posicionamento no anel aórtico.
Neste grupo estudado, não observamos a presença de refluxo transvalvar. O refluxo paravalvar ocorreu em 3 pacientes, 50% de todos os casos, discreto em todos, sendo que nos casos de valve-in-valve não ocorreram refluxo, semelhante ao relatado por Gaia et al. [15]. Recentemente, moderado e importante refluxo valvar tem sido identificado como um fator de risco independente de mortalidade em curto e médio prazo após implante de valva aórtica transcateter [19,23]. O mesmo é observado em longo prazo, onde a mortalidade é de 21% nos casos de refluxos moderados e importantes e de 6% naqueles sem refluxos ou com refluxos discretos [24]. Nesta série, nenhum paciente apresentou bloqueio atrioventricular total ou necessidade de implante de marcapasso definitivo. Da mesma forma, não houve mortalidade hospitalar nesta série.
Apesar dessa casuística ser pequena, trata-se de pacientes graves com STS escore médio de 12,09 ± 1,28%, resultado considerado muito satisfatório para uma experiência inicial considerando uma mortalidade hospitalar em torno de 5% a 10%, como descrevem os seguintes registros: Canadian registry, 10,4% [25]; SOURCE (SAPIEN Aortic Bioprosthesis European Outcome) registry, 8,5% [21]; FRANCE (French Aortic National CoreValve and Edwards) registry, 12.7% [22]; German registry, 8,2% [26]; e Italian registry, 5,4% [23]. No PARTNER B cohort, a mortalidade em 30 dias foi 5%, e de 5,2% no PARTNER A cohort [20,27].
Em nosso meio, Gaia et al. [28] relataram mortalidade global de 42,42% e hospitalar de 18,18% em 33 pacientes submetidos a implante de valva aórtica transcateter por via transapical, que apresentavam EuroScore médio de 39,30% e STS escore médio de 30,28%, ou seja, a maior gravidade desses pacientes justifica a mortalidade mais elevada que aquela apresentada pelos maiores estudos mundiais [20-26]. Um estudo recente realizado na Itália [29] avaliou 165 pacientes submetidos ao implante de valva aórtica transcateter. Esses pacientes foram agrupados de acordo com o EuroScore logístico maior ou menor que 20%. A mortalidade hospitalar foi significativamente maior para o grupo com escore mais alto, 15,6% contra 2,4% do grupo com escore mais baixo e a mortalidade tardia (12 meses) de 25,7% no grupo de pacientes mais graves contra 6,8% no grupo menos grave. Isso sugere que a mortalidade atualmente descrita pela literatura poderia estar significantemente influenciada pelo alto risco da população selecionada para esse procedimento. Talvez a indicação desse procedimento para pacientes de menor risco poderia apresentar taxas de mortalidade inferiores e até comparáveis às da cirurgia convencional. Novos estudos comparando o procedimento transcateter com a cirurgia convencional nos grupos de pacientes de risco baixo ou intermediário serão necessários para análise comparativa.
CONCLUSÃO
Considerando-se as limitações do presente estudo e da pequena casuística, pode-se concluir que a prótese Inovare, implantada por via femoral ou ilíaca, foi factível do ponto de vista técnico, apresentando adequado desempenho hemodinâmico no seguimento pós-operatório.
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Article receive on sábado, 17 de novembro de 2012