Objetivo: Avaliar o perfil ventilatório, radiológico e clínico dos pacientes submetidos a cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio em hospital de referência em cardiologia no sul do Brasil. Métodos: A amostra foi composta por 108 indivíduos submetidos a cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul (IC-FUC), no período de abril de 2006 a fevereiro de 2007. A abordagem cirúrgica realizada foi a da esternotomia mediana e os enxertos foram com ponte de safena e/ou artéria mamária interna. Os volumes e capacidades pulmonares, bem como a presença de distúrbios ventilatórios, foram avaliados por meio da espirometria e a força muscular ventilatória da manovacuometria. As avaliações foram realizadas no período pré-operatório e no sexto dia de pós-operatório. Resultados: Observou-se redução significativa do VEF1 e da CVF quando comparados os valores pré-operatórios com os do sexto dia de pós-operatório (P<0,001). O mesmo ocorreu com a força muscular ventilatória expressa em PiMáx e PeMáx do pré para o 6° dia de pós-operatório (P<0,001). A incidência de complicações pulmonares na amostra foi maior no 6º dia de pós-operatório (78%) quando comparados ao 1º dia de pós-operatório (40%). Conclusões: Pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio apresentam redução importante nos volumes e capacidades pulmonares, assim como da força muscular ventilatória no período pós-operatório.
Objective: To assess the ventilatory, radiological and clinical profile of patients undergoing elective CABG in a cardiology reference hospital in South Brazil. Methods: This study included 108 patients undergoing elective CABG surgery, in the period between April 2006 and February 2007 at the Cardiology Institute of Rio Grande do Sul (IC-FUC). The surgical procedure involved median sternotomy, and the saphenous vein and/or internal mammary artery were used for grafting. Lung volume and capacity, as well as the possible existence of ventilatory changes, were assessed by spirometry, and the ventilatory muscle strength was assessed using a vaccum manometer. All evaluations were performed on the preoperative period and on the sixth postoperative day. Results: Preoperative levels of FEV1 and FVC were significantly reduced on the 6th postoperative day (P<0.001) when compared to the preoperative levels. A significant decrease of ventilatory muscle strength, expressed as maximum inspiratory and expiratory pressures (MIP and MEP), was also observed from the pre- to the sixth postoperative day (P<0.001). Pulmonary events were more frequent on the 6th postoperative day (78%) than on the 1st postoperative day (40%). Conclusions: Patients undergone CABG surgery present important reduction in pulmonary volume and capacity, as well as on the ventilatory muscle strength during the postoperative period.
INTRODUÇÃO
Desde 1965, inúmeros trabalhos vêm sendo realizados buscando a relação das doenças cardíacas e sua influência sobre o sistema respiratório, verificando que o comprometimento cardíaco e o processo cirúrgico determinam complicações pulmonares, sendo uma das causas mais comuns de morbidade e mortalidade no período pós-operatório de cirurgia cardíaca [1-3].
Anestesia geral, incisão cirúrgica, circulação extracorpórea (CEC), tempo de isquemia, intensidade da manipulação cirúrgica e número de drenos pleurais podem predispor o paciente à alteração da função pulmonar [1,2,4-6]. Após cirurgia, há redução do volume residual (VR), da capacidade pulmonar total (CPT), da capacidade vital (CV) e da capacidade residual funcional (CRF), levando à formação de atelectasias, com alterações da relação ventilação-perfusão (V/Q), da pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial (PaCO
2) e pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO
2) [2].
A esternotomia mediana, abordagem mais utilizada para o procedimento da cirurgia de revascularização, promove alterações significativas da função pulmonar pela consequente instabilidade do tórax superior, leva a alterações da mecânica ventilatória e tosse ineficaz [7]. A utilização da CEC e a ausência da ventilação pulmonar, durante esse período, também são fatores determinantes no desenvolvimento das complicações pulmonares após cirurgia cardíaca, provavelmente por alterações nas propriedades mecânicas do sistema respiratório decorrentes das modificações da complacência e da resistência pulmonar [8,9].
Além disso, o procedimento anestésico, a utilização da artéria mamária interna e a permanência em ventilação mecânica contribuem para as complicações pulmonares [5,8,10]. A falta de insuflação pulmonar durante a CEC aumenta a taxa de microatelectasias e infecções [9]. A CEC foi considerada por muitos anos como a principal responsável pelos danos pulmonares. Atualmente, com a realização da cirurgia de revascularização do miocárdio sem CEC, essa idéia começa a ser questionada, uma vez que os danos pulmonares são consideráveis também com tal técnica [5].
A função pulmonar está prejudicada no pós-operatório de cirurgia cardíaca, devido a diversos fatores característicos dessa cirurgia de grande porte que irão predispor o paciente no desenvolvimento de complicações respiratórias, como alelectasia e pneumonia [7]. Por isso, a fisioterapia representa um papel importante no tratamento dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, tanto no período pré-operatório quanto no pós-operatório, com o objetivo de prevenir ou minimizar as complicações respiratórias [11]. O atendimento engloba diversas técnicas como padrões ventilatórios, deambulação precoce, cinesioterapia, posicionamento e estímulo à tosse [12]. As técnicas utilizadas na fisioterapia respiratória variam de acordo com os países e com a prática de cada serviço [13].
O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil ventilatório, radiológico e clínico dos pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio em hospital de referência em cardiologia, no sul do País.
MÉTODOS
A pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de coorte, prospectivo, longitudinal, composto por indivíduos submetidos à cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio com ponte de safena e/ou artéria mamária interna, através da esternotomia mediana, no período de abril de 2006 a fevereiro de 2007, no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia IC-FUC.
Amostra
A pesquisa realizou-se com 108 indivíduos submetidos à cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio, com uso de circulação extracorpórea (CEC), operados de segundas a sextas-feiras pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Não fizeram parte deste estudo pacientes que realizaram cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) associada à troca e/ou plastia de valva, aneurisma de ventrículo esquerdo, pacientes com CRM prévia e aqueles que, no período pós-operatório, permaneceram na unidade pós-operatória (UPO) no dia da segunda avaliação ou que retornaram para tal unidade, nesse período.
Inicialmente avaliaram-se 123 pacientes. Destes, oito foram a óbito, um realizou CRM sem CEC e os restantes de seis pacientes não completaram todas as etapas e foram considerados como perda do estudo.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IC/FUC. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à entrada no estudo.
Realizou-se uma avaliação pré-operatória que consistia na coleta de dados de identificação do paciente, informações detalhadas sobre fatores de risco e doenças associadas, tais como: idade avançada, tabagismo, obesidade, presença de pneumopatia, hipertensão arterial sistêmica, diabete mellitus, angina, insuficiência cardíaca e classificação da
New York Heart Association, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Também se verificou a avaliação dos volumes e capacidades pulmonares, presença de distúrbio ventilatório por meio da espirometria e força muscular respiratória por meio da manovacuometria. O acompanhamento dos pacientes consistiu em informações das características do procedimento cirúrgico, complicações pulmonares pós-cirúrgicas por meio do serviço de radiologia, avaliação dos volumes e capacidades pulmonares, avaliação do distúrbio ventilatório, avaliação da força muscular ventilatória e evolução clínica do paciente até o momento da alta.
Observaram-se as radiografias obtidas no período pré-operatório, no primeiro e no sexto dia de pós-operatório, conforme laudo radiológico analisado pelo serviço de radiologia. No pré-operatório e no sexto dia pós-operatório, os pacientes realizaram o exame na radiologia na posição sentado; no primeiro dia pós-operatório, o exame na unidade pós-operatória foi na posição de decúbito dorsal, sem a presença do tubo orotraqueal. Identificaram-se complicações radiológicas pulmonares, tais como: áreas desarejadas e/ou consolidação, derrame pleural e pneumotórax.
Nesta pesquisa, consideraram-se pacientes de idade avançada aqueles indivíduos com idade
> 65 anos. Definiu-se sobrepeso como índice de massa corporal (IMC)
> 25,0 a 29,9 kg/m
2, obesidade como IMC
> 30,0 a 34,9 kg/m
2 e obesidade mórbida IMC
> 40,0 e acima kg/m
2. Os pacientes foram divididos em tabagistas e não tabagistas, e os tabagistas subsequentemente foram categorizados conforme o número de anos/carteira fumado, independente de o tabagismo ser atual ou prévio.
A avaliação dos volumes e capacidades pulmonares, bem como da presença ou não de distúrbio ventilatório, foi realizada no Serviço de Pneumologia do IC-FUC, com espirômetro portátil (Microloop® - Micro Medical Limited). As espirometrias foram realizadas no pré-operatório e no sexto dia após a cirurgia. Avaliou-se a capacidade vital forçada (CVF), o volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1), em seus valores absolutos e porcentuais previstos para indivíduos com a mesma idade, sexo, peso e altura. A espirometria foi executada seguindo as normas da
American Thoracic Society e do consenso Brasileiro sobre espirometria [14].
Após realização dos testes, os laudos foram emitidos pelo médico pneumologista responsável pelo serviço, utilizando-se os valores obtidos para CVF e VEF
1 e o diagnóstico da espirometria. Os testes espirométricos realizaram-se com os pacientes na posição sentada, sendo orientados a inspirar profundamente e, em seguida, expirar totalmente o ar o mais rápido possível, e continuar expirando. A manobra ocorreu por três vezes, com um minuto de intervalo, escolhendo-se o maior valor obtido durante o teste. Os pacientes, no 6º dia pós-operatório, encontravam-se na unidade aberta.
A avaliação da força muscular ventilatória também se verificou em momentos pré-operatório e 6º dia de pós-operatório, no laboratório de função pulmonar, por meio da mensuração da pressão inspiratória máxima (PiMáx) e pressão expiratória máxima (PeMáx), por meio do aparelho manovacuômetro tipo aneróide, com intervalo operacional de + 150 a - 150 cmH
2O (Suporte® - Indústria Brasileira). Os indivíduos realizaram a avaliação na posição sentada, sendo considerado o maior valor após três esforços.
Outras verificações efetuadas incluem tempo de ventilação mecânica, tempo de permanência na unidade pós-operatória e do tempo de internação hospitalar. No tempo de ventilação mecânica, considerou-se ventilação prolongada nos pacientes que permanecerem por um período maior do que 24 horas.
Todos os pacientes receberam atendimento fisioterapêutico, no período pré-operatório e pós-operatório, de duas vezes ao dia pelo serviço de fisioterapia do IC-FUC. No pré-operatório, realizaram-se orientações sobre cirurgia, pós-operatório imediato, exercícios ventilatórios e tosse. No pós-operatório imediato, monitorização da ventilação mecânica, desmame e extubação, e com o paciente em ventilação espontânea, realizou-se fisioterapia respiratória convencional (exercícios ventilatórios, posicionamento no leito, manobras de vibração e compressão torácica, estímulo da tosse e deambulação) até a alta hospitalar.
Análise estatística
Neste estudo, realizou-se uma análise descritiva, com variáveis contínuas expressas por média, mediana, intervalos interquartis 25-75 e desvio padrão, e as variáveis categóricas por frequência e porcentual. Na comparação das provas de função pulmonar no pré e pós-operatório, utilizou-se o teste t de Student para amostras emparelhadas. Na comparação de tempo de internação e permanência na unidade de terapia intensiva, utilizou-se o teste não paramétrico Mann-Whitney, considerando-se um alfa crítico de 0,05. Utilizou-se para os cálculos o programa
Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 15.0.
RESULTADOS
Avaliaram-se 108 pacientes, com idade média de 62,2
+ 9,6 anos, submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio com utilização de circulação extracorpórea (CEC), sendo 74% do sexo masculino. A altura média do grupo estudado foi 1,65
+ 0,1 m, peso médio de 75,0
+ 12,5 kg, e o índice de massa corpórea (IMC) foi 27,3
+ 4,3 kg/m2. Fração de ejeção com média de 63,3
+ 14,4 ml.
Dos 108 pacientes, 97 (89,8%) realizaram cirurgia de revascularização do miocárdio com artéria mamária interna e 11 (10,2%) exclusivamente com pontes de safena. Todos fizeram uso de dreno de mediastino, sendo que os 97 pacientes com enxerto de artéria mamária interna fizeram uso de dreno pleural, com inserção na região subxifóide.
A distribuição da classe funcional de acordo com a
New York Heart Association da amostra foi de classe I, 48%, classe II, 37%, classe III, 9% e classe IV, 5%. Quanto às doenças associadas à doença cardíaca, 75% da amostra apresentavam hipertensão arterial sistêmica. Quanto à sintomatologia da angina, a mais prevalente foi a de repouso, com 35%; 44% apresentavam infarto agudo do miocárdio prévio; e 9% tinham história prévia de acidente vascular cerebral.
Em relação às co-morbidades existentes na amostra, 72,2% dos pacientes eram tabagistas, sendo divididos em grupos por anos/carteira (menor que 20 anos, 15,7%, de 20 a 40 anos, 31,5%, e maior que 40 anos, 25,0%). Observou-se que 52% da amostra apresentavam sobrepeso; 38% encontravam-se em idade avançada; 4,6% apresentavam-se com asma; 2,8%, com DPOC; e 29,6% apresentavam diabetes mellitus.
As variáveis transoperatórias avaliadas foram: tempo de cirurgia, 267
+ 0,6 min; tempo de isquemia, 54,0
+ 18,5 min; tempo de CEC 78,3
+ 27,1 min. Registrou-se hipotermia com média de 34,2
+ 0,7ºC e, para o número de enxertos, o percentil 25% foi dois, percentil 75% foi três e mediana de três enxertos.
O tempo médio de ventilação mecânica (VM) foi de 17,5
+ 29,7 horas, com mediana de 11 horas. Observou-se que 93,5% dos pacientes permaneceram em VM por um tempo inferior a 24 horas, enquanto 6,4%, por tempo superior a 24 horas.
Vinte e dois (20,4%) pacientes apresentaram fibrilação atrial no pós-operatório, e dois (1,8%) desenvolveram mediastinite.
Espirometria
Quando comparados os valores espirométricos do período pré-operatório para o pós-operatório, foram respectivamente: VEF
1 2,4
+ 0,7 litros para 1,4
+ 0,5 litros e CVF 2,9
+ 0,6 litros para 1,7
+ 0,5 litros. No 6º dia de pós-operatório, os valores diminuíram significativamente (P<0,001). Os valores da espirometria em litros/minutos e o percentual do previsto podem ser visualizados na Tabela 1.
Assim, no pré-operatório, 70 (65%) dos pacientes apresentavam espirograma normal; 23 (21%), distúrbio ventilatório obstrutivo; 14 (13%), distúrbio ventilatório inespecífico; e um (1%); distúrbio ventilatório restritivo. No 6ºPO, 56 (52%), com distúrbio ventilatório restritivo; 29 (27%), com distúrbio ventilatório inespecífico; 20 (18%), com distúrbio ventilatório obstrutivo; e três (3%), com espirograma normal. O distúrbio ventilatório pré e pós-operatório pode ser visualizado na Figura 1.
Fig. 1 - Comparação do distúrbio ventilatório do pré-operatório para o sexto dia de pós-operatório
Quanto à gravidade do distúrbio ventilatório, no período pré-operatório, 36 (33%) apresentavam gravidade leve; um (1%), gravidade moderada; e um (1%), gravidade importante. No 6ºPO, quanto à gravidade do distúrbio ventilatório,46 (42%) pacientes demonstraram gravidade leve; oito (7%), gravidade moderada; e 51 (47%), gravidade importante. A gravidade pré e pós-operatória pode ser vista na Figura 2.
Fig. 2 - Comparação da gravidade do distúrbio ventilatório do pré-operatório para o sexto dia de pós-operatório
Manovacuometria
Na Figura 3, é possível observar os valores de PiMáx e PeMáx, nos períodos pré e pós-operatório. O valor médio da PiMáx no período pré-operatório foi de 65,8
+ 28,6 cmH
2O, com queda significativa para 42,4
+ 19,9 cmH
2O, no 6° dia de pós-operatório (P<0,001). O mesmo ocorreu com a PeMáx, com valor médio no período pré-operatório de 89,3 + 34,4 cmH
2O, com queda significativa para 59,2 + 26,6 cmH
2O, no 6° dia de pós-operatório (P<0,001).
Fig. 3 - Comparação dos valores de pressão expiratória e inspiratória máxima
Achados radiológicos
No pré-operatório, 86% das radiografias apresentavam-se normais, enquanto, no sexto dia de pós-operatório, apenas 22% das radiografias eram normais. Pode-se observar a incidência de complicações radiológicas pulmonares dos pacientes no pré-operatório, no 1º dia pós-operatório e no 6º dia pós-operatório. Verificou-se maior número de radiografias alteradas no 6º dia de pós-operatório (78%) quando comparado ao 1º dia de pós-operatório (40%), sendo no 6º dia de pós-operatório o derrame pleural mais prevalente na amostra (41%).
O tempo de permanência na unidade pós-operatória (UPO) foi de 72
+ 52 horas, com mediana de 63 horas. O tempo de internação não difere dos pacientes que apresentavam distúrbio ventilatório no pré-operatório, em relação àqueles que apresentavam espirograma normal, com média 13,49
+ 6,2 dias, para os com distúrbio ventilatório e 13,08
+ 8,8 dias, para os com espirograma normal.
No decorrer deste estudo, houve oito (6,5%) óbitos da amostra inicial, sendo um (0,8%) por disfunção ventilatória grave; um (0,8%) por embolia pulmonar; um (0,8%) por choque séptico; e cinco (4%) por choque cardiogênico.
DISCUSSÃO
Neste estudo, observou-se importante prejuízo na função pulmonar no pós-operatório de CRM, evidenciado pela redução significativa (P<0,001) do VEF
1, da CVF, da força muscular ventilatória inspiratória e expiratória. Essas alterações na função pulmonar são um frequente achado na literatura após a cirurgia cardíaca [4,5,13,15], sendo uma complicação bem conhecida, mas suas causas ainda estão sendo exploradas.
A CEC é considerada como a principal responsável pelos danos pulmonares, sendo que todos os pacientes submetidos a CEC sofrem algum distúrbio da função respiratória, devido a diversos fatores, como edema intersticial, congestão pulmonar, lesão no endotélio vascular pulmonar e microatelectasias [8,9,11,16,17].
A cirurgia cardíaca predispõe a alterações na mecânica respiratória, volumes pulmonares e trocas gasosas, podendo desencadear alterações respiratórias no pós-operatório. Essas alterações estão relacionadas a causas diversas, como função pulmonar e cardíaca no pré-operatório, tempo de CEC e grau de sedação [7] à intensidade da manipulação cirúrgica e ao número de drenos pleurais, sendo os fatores intra-operatórios os principais responsáveis por alterar a mecânica respiratória no pós-operatório imediato [2,6].
A disfunção diafragmática pode ocorrer como consequência do ato cirúrgico, pela manipulação, ou do uso da solução cardioplégica, pela lesão térmica. A paresia ou paralisia diafragmática causada pela inibição do nervo frênico contribui para maior queda dos volumes e capacidades pulmonares [18]. Torna-se fundamental melhor entendimento e maior investigação a respeito dos recursos disponíveis na atualidade para reverter o quadro de disfunção pulmonar associado à cirurgia cardíaca e suas possíveis repercussões [17]. A fisioterapia dentro deste contexto tem sido cada vez mais requisitada [19], já que utiliza técnicas capazes de melhorar a mecânica respiratória, a reexpansão pulmonar e a higiene brônquica [15].
Vários pesquisadores têm mostrado vantagens da RM sem CEC, principalmente em relação à redução da taxa de morbidade no pós-operatório, menor tempo de intubação orotraqueal, diminuição das complicações respiratórias e, consequentemente, resultando em menor tempo de internação associado à redução dos custos hospitalares [5,8,10,20,21].
Guizilini et al. [5] apontaram a CEC como uma das causas para o prejuízo da função pulmonar devido ao aumento da resistência da via aérea e possível aumento da disfunção diafragmática, comparando a função pulmonar de pacientes que utilizaram ou não CEC. Concluíram que há prejuízo após a cirurgia cardíaca, porém, nos procedimentos envolvendo CEC, o dano é maior. Szeles et al. [8] observaram que o
odds ratio para hipoxemia foi de 2,3 para CEC, até 120 minutos; e 3,1 para CEC superior a 120 minutos, em relação a cirurgias sem CEC. É importante ressaltar que os pacientes selecionados para realização sem CEC apresentavam melhores condições clínicas do que aqueles habitualmente submetidos a intervenção cirúrgica com CEC, o que poderia caracterizar um viés de seleção.
Silva et al. [16] analisaram a evolução intra-hospitalar de doentes com 70 anos ou mais, submetidos a revascularização miocárdica sem CEC, com uso de
shunt intracoronário. Operados em urgência, emergência e eletivamente, os pacientes da amostra apresentaram adequada evolução pós-operatória e baixos índices de complicações e mortalidade. Embora alguns estudos apontem que a morbidade relacionada à CRM tem sido atribuída à CEC, e outros indiquem que o procedimento sem CEC atenua a resposta inflamatória com consequente melhora na função pulmonar, o papel da CEC, como potencializadora da disfunção pulmonar no pós-operatório, ainda é controverso.
Saad e Zambom [22] verificaram queda das capacidades pulmonares e do VEF
1 no pós-operatório imediato, mas recuperação total desses valores no quinto dia pós-operatório em cirurgias de grande porte tóraco-abdominais. Isso não acontece na cirurgia cardíaca, pois, conforme demonstrado neste estudo, há ainda uma significativa diminuição dos volumes e capacidades pulmonares no sexto dia pós-operatório. Giacomazzi et al. [4] também observaram prejuízo significativo da função pulmonar, não se restabelecendo completamente até o quinto dia de pós-operatório. Esse prejuízo encontrado na função pulmonar está relacionado a fatores únicos à CRM, como CEC e incisão cirúrgica.
O dreno de tórax também traz alteração significativa do VEF
1 e da CVF. Guizilini et al. [1] indicaram como sendo pior o dreno intercostal quando comparado ao dreno subxifóide, pela fricção provocada durante o movimento respiratório. A dor pós-operatória e a presença de drenos estão implicadas diretamente na manutenção dos baixos volumes pulmonares [4]. Os pacientes desta amostra não tiveram dreno intercostal, sendo que os 97 (100%) dos pacientes com enxerto de mamária utilizaram dreno pleural localizado na região subxifóide.
Neste estudo, a maioria dos pacientes (52%) apresentou distúrbio ventilatório restritivo no 6º dia de pós-operatório, sendo que, no pré-operatório, apenas um (1%) tinha o padrão restritivo. Estudos de Shapira et al. [23] avaliaram a função pulmonar no período pré-operatório, após a extubação, na alta e três meses após a cirurgia em pacientes submetidos a revascularização do miocárdio. Encontraram, após a cirurgia, um padrão pulmonar restritivo afetando todos os volumes pulmonares. Na alta, os volumes permaneciam reduzidos na ordem de 19% a 33% em relação aos valores pré-operatórios. Após três meses, apenas mínimas alterações estavam presentes.
O uso da artéria torácica interna (ATI) pode representar um trauma cirúrgico adicional e diminuir o aporte sanguíneo para a musculatura intercostal, reduzindo a força muscular ventilatória [24]. Guizilini et al. [5] demonstraram em seu estudo que há prejuízo da função pulmonar no pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio com emprego da artéria torácica interna esquerda e pleurotomia, independente do uso ou não da CEC.
Em relação à força muscular ventilatória, estudo realizado por Mendes e Borghi-Silva [11] relacionou a diminuição da força muscular respiratória com a piora da função pulmonar e, conseqüentemente, com maior incidência de complicações pulmonares. O estudo de Bellinetti e Thomson [25] verificou a força muscular ventilatória nas toracotomias e laparotomias eletivas, e os resultados indicaram que a função muscular ventilatória pré-operatória abaixo do valor previsto esteve associada a um risco relativo maior de complicações pulmonares pós-operatórias. Neste estudo, avaliou-se a força muscular ventilatória e encontrou-se diferença estatisticamente significativa na PiMáx e PeMáx entre as avaliações pré-operatória e sexto dia de pós-operatório.
Os baixos valores significativos espirométricos e de força muscular ventilatória também podem refletir o medo ou o desinteresse do paciente em colaborar com os testes de função pulmonar, já que estes dependem da cooperação do paciente. Uma vez que não existem meios confirmatórios de que ele tenha despendido todo o esforço possível, essa é uma limitação dos testes voluntários [4].
As alterações radiológicas mais comumente observadas no pós-operatório de cirurgia cardíaca com CEC são as atelectasias [9,15], principalmente em relação ao lobo inferior esquerdo. As atelectasias estão associadas ao prejuízo nas trocas gasosas, na complacência pulmonar, na redução dos volumes e capacidades pulmonares. São consideradas clinicamente relevantes quando progridem em extensão ou são persistentes, associadas à hipoxemia e ao aumento do trabalho respiratório [17]. A incidência de complicações pulmonares é difícil de ser determinada pela literatura, devido à separação realizada pelos autores, como complicações de significância clínica e mesmo radiológica da doença [13]. Cabe ressaltar que os achados radiológicos deste estudo foram sem relevância clínica, sendo que a maior incidência de complicações pulmonares radiológicas foi encontrada no 6º dia de pós-operatório.
Em relação ao tempo de ventilação mecânica, Arkdur et al. [10] demonstraram que pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio, que requerem ventilação mecânica prolongada (superior a 24 horas), apresentaram diminuição significativa na função pulmonar quando comparado ao grupo de tempo inferior a 24 horas. Concluíram que os pacientes que necessitaram de ventilação mecânica superior a 24 horas foram aqueles que permaneceram em maior tempo de CEC e pinçamento aórtico e que as complicações pós-operatórias e risco de complicações foi 3,5 vezes maior neste grupo. No estudo de Guizilini et al. [5], o tempo de intubação orotraqueal dos pacientes submetidos a cirurgia sem CEC foi significativamente menor quando comparado ao grupo com CEC. Nesta amostra, a maioria dos pacientes permaneceu em ventilação mecânica por tempo inferior a 24 horas.
A hipoxemia grave é uma complicação frequente no pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio, promovendo aumento da duração da ventilação mecânica, da incidência de infecções pulmonares, da permanência na unidade de terapia intensiva, e dos custos hospitalares e mortalidade [8]. Szeles et al. [8] estudaram 481 pacientes adultos submetidos a cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio, considerando hipoxemia grave uma relação PaO
2/FiO
2 menor que 150 na admissão à unidade de terapia intensiva. O tempo de extubação dos pacientes com hipoxemia grave foi maior que nos outros pacientes. Na análise multivariada, as variáveis idade, peso, necessidade de CEC prolongada e disfunção ventricular esquerda foram identificadas como preditores independentes para hipoxemia grave.
Lopes et al. [21] mostraram em seu estudo melhora na oxigenação dos pacientes em pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca, que utilizaram ventilação não invasiva por 30 minutos, após a extubação, quando comparados ao grupo controle com cateter nasal de oxigênio.
CONCLUSÃO
Conclui-se que os pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio apresentam importante piora da função pulmonar no período pós-operatório. O fato de haver tão pronunciada redução na função pulmonar e na força muscular ventilatória, no sexto dia pós-operatório, enfatiza a importância de características únicas a esta cirurgia na gênese da disfunção ventilatória. O prejuízo encontrado na função pulmonar e na força muscular ventilatória pós-operatória está associado a fatores transoperatórios, tais como esternotomia, circulação extracorpórea, anestesia geral, mais do que a função pulmonar pré-operatória.
Este estudo abordou o perfil ventilatório, clínico e radiológico dos pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio durante a internação hospitalar. Sugere-se a realização de estudos com conclusões a longo prazo, com avaliações dos pacientes após três e seis meses de pós-operatório, ou ainda associar a melhor intervenção fisioterapêutica com o perfil dos pacientes, já que se sabe que o prejuízo da função pulmonar é importante durante o período pós-operatório intra-hospitalar.
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