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ARTIGO ORIGINAL

Proteção da recuperação funcional do miocárdio pelo omeprazol após isquemia-reperfusão em corações isolados de ratos

Otoni Moreira GomesI; Mônica de Mônico MagalhãesII; Rafael Diniz AbrantesIII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000300016

RESUMO

Objetivo: Analisar efeitos do omeprazol na proteção da recuperação funcional de corações isolados de ratos submetidos à lesão de isquemia-reperfusão. Métodos: Foram estudados 12 ratos Wistar, peso corpóreo médio de 280g. Após anestesia com injeção intra-abdominal de 10mg de cetamina e 2mg de xilazina, os corações foram removidos e mantidos em perfusão com solução Krebs-Henseleit (95%O2 e 5% CO2, 37oC, 110-120mmHg de pressão de perfusão e pressão diastólica de 8 mmHg) em sistema Langendorff, modificado, descartável, modelo FCSFA-ServCor (Comex Ltda.). Os seis corações do Grupo I (GI) e os seis do Grupo II (GII) foram submetidos a 20 minutos de isquemia e 30 minutos de reperfusão. Nos corações do Grupo II, imediatamente antes da isquemia, foram administrados via perfusão coronária 200mcg de omeprazol. Foram controlados frequência cardíaca (FC), fluxo coronário (FCo), pressão sistólica (PS), +dP/dt e -dP/dt, após estabilização (t0) e no final da reperfusão (t30). Empregou-se método não paramétrico de Kruskal-Wallis (P<0,05) para análise estatística dos dados. Resultados: Não ocorreram diferenças (P>0,05) entre os valores de FCo e FC nos dois grupos. No final do período de reperfusão (t30), foram significantes (P<0,05) as variações da PS reduzida para 28,0±3,6% do valor inicial (t0) no Grupo I e para 79.0±5,9% no Grupo II; a +dP/dtmax declinou para 31,0±5,6% no GI, mantendo-se em 99,4±11,2% (P<0,05) no GII e a -dP/dtmax declinou para 26,0±7,3% no GI, mantendo-se em 82,0±2, 2% no GII (P<0,05). Conclusão: A administração do omeprazol antes da indução da isquemia coronária protegeu significantemente a recuperação funcional do miocárdio.

ABSTRACT

Objective: To evaluate the myocardium contractility alterations of isolated hearts of rats, submitted to ischemia and reperfusion with and without administration of the omeprazole. Methods: Twelve Wistar breed rats with 270g mean body weight was studied. After anesthesia by intraperitoneal injection of ketamine 10mg and xylazine 2mg, their hearts were removed and perfused with Krebs-Henseleit solution (95% of O2 and 5% of CO2, 37oC, 110-120mmHg perfusion pressure, 8 mmHg ventricular diastolic pressure) in the São Francisco de Assis disposable Langendorff system model Comex Ltda, MG. The six hearts of Group I (GI) and of the Group II (GII) were submitted to 20 min ischemia and 30 min reperfusion. In GII hearts, intracoronary injection of omeprazole 200 mcg was done immediately before the ischemia period induction. The following parameters were registered after the stabilization period (t0), and after the reperfusion period (t30): heart rate (HR), coronary flow (CoF), systolic pressure (SP), +dP/dt and -dP/dt. The Kruskal-Wallis test (P<0.05) was applied to statistical analysis. Results: There were no significant differences (P>0.05) between groups among HR and CoF values. Differences (P<0.05) occurred between groups, I e II after the reperfusion period (t30) regarding systolic pressure reduced for 28.0±3.6% in the control group GI and for 79.0±5.9% in GII; The +dP/dtmax declined to be only 31.0±5.6% in GI, preserving 99.4±11.2% values in GII (P<0.05). The t30 -dP/dtmax values were GI 26.0±7.3% and GII 82.0±2.2% (P<0.05). Conclusion: The omeprazole administration before ischemia induction significantly protected the myocardium function recovery.
INTRODUÇÃO

Lindberg et al.[1], em 1986, demonstraram o efeito inibidor da bomba H/K em células parietais do estômago para redução da acidez do suco gástrico e tratamento da úlcera péptica. Posteriormente, outros inibidores da bomba de H/K foram desenvolvidos, entre eles o Lanzoprazole, Pantoprazole, Rabeprazole e Tenatoprazole[2], sendo de prescrição mais frequente o omeprazol.

Embora tenham sido desenvolvidos com objetivo terapêutico específico de tratamento da hiperacidez gástrica, em anos recentes os inibidores de bomba de prótons foram associados com benefícios no tratamento da angina pectoris e isquemia miocárdica, tendo em vista que a dor torácica do refluxo gastroesofágico pode simular sintoma de doença arterial coronária e a dor da esofagite pode também constituir estresse suficiente para motivar isquemia e dor cardíaca em pacientes portadores das duas afecções, razão pela qual se tem descrito que o tratamento da gastroesofagite reduziu a frequência das crises anginosas[3-5].

Outra evidência muito importante sugerindo o efeito protetor do omeprazol na isquemia coronária é a constatação de que sua administração reduziu a frequência de crises anginosas e dos sinais eletrocardiográficos de isquemia miocárdica durante estudos com testes ergométricos em coronariopatas[6]. Contudo, não existem ainda demonstrações experimentais específicas comprovando as hipóteses clínicas de seu efeito protetor na isquemia-reperfusão coronária.

Constitui objetivo da presente investigação analisar os efeitos do omeprazol na proteção da contratilidade miocárdica de corações isolados de ratos submetidos à lesão de isquemia-reperfusão.


MÉTODOS

Com aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição, foram estudados 12 ratos Wistar sem distinção de sexo, com peso corpóreo médio de 280g. Após anestesia com injeção intra-abdominal de 10mg de cetamina e 2mg de xilazina, os animais foram submetidos à toracotomia mediana ampla e 500UI de heparina regular injetadas no átrio direito. Para segurança e agilidade na preparação, a aorta ascendente foi isolada com a técnica de três fios[7], com o primeiro tracionando e elevando a raiz aórtica para proteção das cúspides e evitar a canulação ventricular; o segundo tracionando e elevando a extremidade cefálica da aorta ascendente, e o terceiro, passado entre os dois primeiros, para amarrar a aorta sobre a cânula após introduzida (Figura 1A e B). Uma cânula de perfusão foi introduzida e fixada na aorta ascendente, prevenindo-se a lesão das cúspides aórticas, para garantia de perfusão coronária adequada; em seguida, o átrio esquerdo foi aberto e uma cânula multiperfurada introduzida e exteriorizada pela ponta do ventrículo esquerdo. Por fim, a artéria pulmonar foi aberta na origem para facilitar o escoamento do ventrículo direito.


Fig. 1 - A: Isolamento da aorta para canulação; B: Canulações da aorta e ventrículo esquerdo



Os corações foram removidos, decorrido tempo máximo de três minutos de procedimento e reperfundidos para recuperação funcional com solução de Krebs-Henseleit (95% O2 e 5% CO2, 37oC, em sistema de Langendorff, modificado, descartável, modelo FCSFA-ServCor (Comex Ind. & Com. Ltda.) (Figura 2), com sistema de circulação e aquecimento de água e teletermômetro modelos Braile Biomédica Ltda, biomonitor BESE® e impressora matricial Epson®. Após dez minutos de reperfusão coronária, o cateter transventricular foi removido e um cateter com balão pré-calibrado introduzido no ventrículo esquerdo.


Fig. 2 - Diagrama do Sistema de Estudo do Coracao Isolado. 1. Termopermutador, 2. Reservatorio de perfusato. 3. Microfiltro (20µ), 4. Manometro, 5.Teletermometro, 6. Camara, 7. Carbogenio (95% 02+5% C02), 8. Coracao, 9. Balao intraventricular, 10. Injetor de drogas, 11. Coletor de Fluxo, 12. Monitor de ECG e Pressao Ventricular, 13. Impressora, 14. Conjunto descartavel



Todos os corações estudados apresentaram parâmetros de contratilidade miocárdica normais (com pressão sistólica igual ou superior a 110 mmHg, na pressão diastólica de 8 mmHg, a partir do décimo minuto de recuperação, sendo o registro de controle (t0) obtido no 15o minuto da recuperação. Os seis corações do Grupo I (GI) foram submetidos a 20 minutos de isquemia e 30 minutos de reperfusão. Nos seis corações do Grupo II (GII), imediatamente antes da isquemia, foram administrados via perfusão coronária 200mcg de omeprazol, bloqueador de bomba K/H ATPase de uso clínico mais frequente em nosso meio (Figura 3). Foram controlados frequência cardíaca (FC) em bpm, fluxo coronário (FCo) em ml/min., pressão sistólica (PS) em mmHg, +dP/dtmax e -dP/dtmax em mmHg/seg, após o período de estabilização (t0) e 30 minutos após o início da reperfusão coronária (t30).


Fig. 3 - Variação percentual da Pressão Sistólica, +dP/dtmax  e -dP/dtmax.



Para análise estatística, empregou-se o método não paramétrico de Kruskal-Wallis, com nível de significância estatística de P<0,05.


RESULTADOS

Não ocorreram diferenças (P>0,05) entre os valores de FCo e FC nos dois grupos (Tabela 1). No final do período de reperfusão (t30), foram significantes (P<0,05) as variações da PS reduzida, em médias, de 138±14,7(t0) para 38±14,4mmHg (t30), equivalente a 28,0±3,6% do valor inicial (t0) no Grupo I, e de 140±15,6 (t0) para 112±25mmHg (79.0±5,9%) em t30 do Grupo II; a +dP/dtmax declinou para 31,0±5,6% em t30 (t0 3328±1187,4 e t30 996±449,6mmHg/seg) no GI, mantendo-se em 99,4±11,2% (P<0.05) em t30 no GII (t0 3374±1247; t30 3141±1681,1mmHg/seg). A -dP/dtmax declinou para 26,0±7,3% (t01859±203,9; t30 407±284,1) no GI, mantendo-se em 82,0±2,2% no GII (P<0,05)(t0 1859±203,9; t30 1570±515,7mmHg/seg)(Tabela 2 e Figura 3).






DISCUSSÃO

Nagashima et al.[8], em 1994, pioneiramente, demonstraram a existência da bomba de prótons H+-K+ATP também no miocárdio, estudando também sua interferência eletrofisiológica em corações de cobaias[9], motivando pesquisas subsequentes, como os estudos multicêntricos GUARDIAM e ESCAMI, de revisão com bloqueadores da bomba de prótons Na+-H+ eniporida e cariporida, destacando proteção miocárdica contra lesões de isquemia reperfusão, porém com resultados contrastantes e dúvidas sobre o efeito profilático e a indicação de uso terapêutico[10]. Mais recentemente, em 2008, Budzynski et al.[6] descreveram efeitos benéficos do omeprazol na proteção de crises anginosas e das alterações eletrocardiográficas de isquemia durante teste ergométrico em pacientes coronariopatas.

Na presente investigação, constatou-se proteção significante do omeprazol contra lesões de isquemia-reperfusão em corações isolados de ratos, com redução da +dP/dt para 31±5,6%, e da -dP/dt para 26±7,3%, em médias, após 30 minutos de reperfusão pós-isquêmica no Grupo I (controle) e valores médios de +dP/dt de 99,4±11,2% e -dP/dt 82±2,2% no Grupo II, com administração de 200mcg de omeprazol pré-isquemia. Esses resultados associam os benefícios do omeprazol com resultados de proteção miocárdica referidos para estudos com pré-condicionamento isquêmico[11-15]. A base farmacocinética pode estar relacionada com alterações transmembrana de gradientes de H+-K+, primeiros sinalizadores de isquemia miocárdica, responsáveis pela alteração da repolarização expressa na morfologia da onda T do eletrocadriograma[16]. Os estudos de Hotta et al. [17], em 1998, em corações isolados de cobaias, com análise fluorométrica e por ressonância magnética, de fato confirmam as alterações iônicas intracelulares agudas da isquemia-reperfusão miocárdica com alterações do pH e concentrações de N+, H+e Ca+ citosólicos, comprovando bloqueio e proteção também pelo omeprazol.

Estudos complementares poderão determinar com precisão a interação dos bloqueadores de bomba de prótons com os fenômenos de pré e pós-condicionamento isquêmico miocárdico, com potencial de definição favorável para uso clínico terapêutico e preventivo nas coronariopatias e na proteção miocárdica para cirurgias cardíacas. Neste particular, o precondicionamento por bloqueadores de bomba de H+/K+ pré-operatório poderá otimizar a proteção cardíaca, substituindo oclusões intermitentes de artérias coronárias ou da própria aorta, com potencial lesivo parietal e de eficácia já contestada [18], diferindo da conclusão da presente investigação, constatando proteção significante da contratilidade miocárdica pelo omeprazol contra lesões induzidas pela isquemia-reperfusão coronária.


REFERÊNCIAS

1. Lindberg P, Nordberg P, Alminger T, Brändström A, Wallmark B. The mechanism of action of the gastric acid secretion inhibitor omeprazole. J Med Chem. 1986;29(8):1327-9. [MedLine]

2. Sachs G, Shin JM, Howden CW. Review article: the clinical pharmacology of proton pump inhibitors. Aliment Pharmacol Ther. 2006;23(Suppl 2):2-8. [MedLine]

3. Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP. Braunwald's heart disease. Philadelphia:Saunders;2008.

4. Dobrzycki S, Baniukiewicz A, Korecki J, Bachórzewska-Gajewska H, Prokopczuk P, Musial WJ, et al. Does gastroesophageal reflux provoke the myocardial ischemia in patients with CAD? Int J Cardiol. 2005;104(1):67-72. [MedLine]

5. Gomes OM, Faraj M. Cardiologia da família. 1ª ed. Belo Horizonte:Edicor;2005.

6. Budzynski J, Klopocka M, Pulkowski G, Suppan K, Fabisiak J, Majer M, et al. The effect of double dose of omeprazole on the course of angina pectoris and treadmill stress test in patients with coronary artery disease: a randomised, double-blind, placebo controlled, crossover trial. Int J Cardiol. 2008;127(2):233-9. [MedLine]

7. Gomes OM, Gomes ES, Carvalho JI, Faraj M. Adaptações técnicas na preparação de Langendorff para estudo de corações isolados de pequenos animais. Coração. 1999;9:36-8.

8. Nagashima R, Odashiro K, Morita S. Evidence for the existence of myocardial H+-K+ATP and its electrophysiological effects. Jpn Heart J. 1994;35(suppl):473-4.

9. Nagashima R, Tsuda Y, Maruyama T, Kanaya S, Fujino T, Niho Y. Possible evidence for transmembrane K(+)-H+ exchange system in guinea pig myocardium. Jpn Heart J. 1999;40(3):351-64. [MedLine]

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Article receive on terça-feira, 15 de junho de 2010

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