Objetivo: Demonstrar a viabilidade na feitura de túnel cava inferior-cava superior com retalho da parede atrial direita, evitando o emprego de material protético.
Casuística e Métodos: Foram operados 2 pacientes nos quais se empregou a técnica de anastomose cavo-pulmonar total, sem uso de material protético. O primeiro caso, A.L.M., masc, 4 anos, 15 kg, era portador de atresia tricúspide (EP), com comunicação interventricular (CIV) restritiva. O segundo caso, M.E.N.O., fem, 15 anos, 47 kg, tinha doença de Ebstein. O controle pós-operatório dos pacientes foi feito com ecocardiograma e cateterismo cardíaco. As operações foram realizadas com o emprego de circulação extracorpórea (CEC), e cardioplegia sangüínea como método de proteção miocárdica. A canulação das cavas foi o mais distal possível. A tunelização foi realizada com retalho de tecido atrial direito, suturado ao septo interatrial, deixando-se o seio coronariano e a comunicação interatrial (CIA) para a esquerda.
Resultados: Ambos os pacientes evoluíram, sem complicações, na UTI. O primeiro apresentou derrame pleural discreto à direita, e o segundo mantém-se em estimulação artificial (VVI,R).
Conclusões: A tunelização intra-atrial para anastomose cavo-pulmonar total pode ser realizada sem o uso de material protético, evitando-se os riscos advindos do seu emprego (calcificação, retração, embolização).
The authors describe two cases (one tricuspid atresia without TGA or pulmonary stenosis, but with a restrictive IVC: the second of an Ebstein disease) of total cavo-pulmonary anastomosis using only the tissue of the atrial wall, avoiding any prosthetic material. Both cases were done under cardiopulmonary bypass and cold blood cardioplegia. A flap of the right atrial wall was used to re-direct the blood flow. Pleural effusion in one patient and complete AV block in the other were the complications found. They conclude that right intra-atrial tunneling for total cavo-pulmonary anastomosis, avoiding the use of any foreign material is feasible, thus diminishing the possible late risks (calcification, embolization, retraction) of prosthetic materials.
INTRODUÇÃO
Desde a publicação original de FONTAN & BAUDET (1), em 1971, preconizando a operação de Glenn acrescida de desvio átrio-pulmonar com emprego de homoenxerto aórtico na conexão átrio direito-tronco pulmonar (TP) e ao nível da cava inferior (CI), foram feitas inúmeras publicações de modificações técnicas, como a de KREUTZER et al. (2), em 1973, simplificando a técnica, eliminando os homoenxertos e a operação de Glenn, mantendo a anastomose átrio direito-tronco pulmonar.
Em 1979, BJÖRK et al. (3) idealizaram anastomose átrio-ventrículo-artéria pulmonar, para variações anatômicas possíveis de aproveitamento da cavidade ventricular como bomba pulsátil.
KAWASHIMA et al. (4), em 1984, publicaram a anastomose cavo-pulmonar total para correção de cardiopatias complexas. De LEVAL et al. (5), em 1988, padronizaram a técnica da anastomose cavo-pulmonar total, salientando as vantagens desta em relação à conexão átrio-pulmonar, com diminuição da incidência de arritmias e trombose.
PUGA et al. (6), em 1987, descreveram, para correção átrio-pulmonar, a utilização de retalho atrial direcionando seio coronário para o átrio esquerdo através da CIA; porém, foi necessário o uso de pericárdio para complementação da parede atrial direita. Em 1987, HVASS et al. (7) relataram tunelização extracardíaca com emprego de pericárdio do paciente. SHU-HSUN et al. (8) e STARK & KOSTELKA (9), em 1991, publicam, simultaneamente, conecção cavo-pulmonar total com uso de retalho atrial.
Em 1994, VAN DE WALL et al. (10) descreveram tunelização intracardíaca, com retalho de átrio direito, porção superior, suturado ao septo interatrial, seguido de sutura de retalho posterior sobre aquele, formando, assim, um túnel comunicando a cava inferior (CI) à cava superior (CS), relatada como uma modificação da técnica de Senning.
VAN SON et al. (11), em 1995, descreveram anastomose direta CI-TP, dando ênfase à possibilidade de crescimento do conduto por não utilizar material protético.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram operados 2 doentes com a técnica de anastomose cavo-pulmonar total (CPT), sem uso de material protético, para feitura do túnel entre as cavas inferior e superior.
O primeiro paciente, A.L.M., masculino, 4 anos, 15 kg, portador de atresia tricúspide sem TGA, sem estenose pulmonar e com CIV restritiva.
O 2º caso, M.E.N.O., sexo feminino, 15 anos, 47 kg, portadora de doença de Ebstein com anatomia desfavorável para correção biventricular.
A avaliação pós-operatória foi com ecocardiograma e cateterismo cardíaco.
A indicação cirúrgica para o procedimento "tipo Fontan" obedeceu aos seguintes critérios: idade acima de 2 anos, anatomia da árvore arterial pulmonar sem estenoses, pressão média na artéria pulmonar até 15 mmHg, resistência vascular pulmonar abaixo de 4 unidades Wood, valva atrioventricular suficiente e função ventricular preservada.
Técnica Operatória
As operações foram realizadas por esternotomia mediana, com auxílio de circulação extracorpórea (CEC). A canulação da aorta foi feita da maneira convencional. Foi realizada ampla dissecção da veia cava superior, veia inominada e veia cava inferior. Canulou-se a cava superior próximo à inominada, deixando um coto suficiente para a anastomose cava superior - borda superior da artéria pulmonar direita (APD). A canulação da cava inferior foi feita abaixo do diafragma.
A temperatura em CEC foi de 27°C e a proteção miocárdica com cardioplegia sangüínea a 8°C, anterógrada, intermitente, repetida a cada 30 minutos. O tempo médio de CEC foi de 144 min e o tempo médio de anoxemia foi de 110 minutos.
Após secção da cava superior ao nível da APD, procedeu-se à anastomose término lateral (cava superior - borda superior da APD) e cava superior (coto proximal) à borda inferior da APD. Estas foram realizadas com Prolene 7-0 e com suas bocas anastomóticas levemente desencontradas para não haver competição de fluxo. A atriotomia direita iniciou-se a aproximadamente 1 cm anterior à inserção da cava superior e prolongou-se até a cava inferior, obedecendo a mesma distância. Desta forma, foi possível confeccionar o túnel, suturando este retalho ao septo interatrial deixando-se o seio coronário para a esquerda (Figura 1), com possibilidades, se necessário, de fenestração do túnel. Após completada a sutura do túnel, procedeu-se à sutura do retalho anterior por sobre este (Figuras 2 e 3).
Fig. 1 - Feitura de túnel cava inferior - cava superior.
Fig. 2 - Sutura de retalho atrial anterior sobre o túnel CI-CS.
Fig. 3 - Aspecto cirúrgico das anastomoses CS-APD, túnel CI-APD e retalho atrial anterior suturado sobre o túnel.
RESULTADOS
Os 2 pacientes evoluíram na UTI, sem complicações, mantendo pressões no túnel de 17 mmHg. A extubação deu-se na 3ª hora no 1º caso e na 16ª hora no 2º caso. A alta da UTI foi no 1º PO no 1º caso e no 4º PO no 2º caso.
No primeiro paciente, houve pequeno derrame pleural à direita, resolvido com aumento de diurético. O segundo paciente mantém-se sob estimulação artificial unicameral (VVI,R) por BAVT, causado intenciosamente para a resolução de taquiarritmia por feixe anômalo persistente.
O estudo hemodinâmico demonstrou anastomoses de bom calibre e sem estenose no túnel, havendo fluxo preferencial da CI para a artéria pulmonar direita e CS para a pulmonar esquerda (Figuras 4 e 5). O túnel CI-AP apresenta atividade contrátil regular.
Fig. 4 - Angiografia demonstrando fluxo preferencial cava inferior - artéria pulmonar direita.
Fig. 5 - Angiografia demonstrando fluxo preferencial cava superior - artéria pulmonar esquerda.
A alta hospitalar foi no 7º PO no primeiro caso e no 12º PO no segundo.
COMENTÁRIOS
O procedimento de "Fontan" passou, ao longo dos últimos 26 anos, por aprimoramentos técnicos visando à otimização da condição hemodinâmica. A contração atrial perde, ao longo do tempo, sua finalidade de propulsão, visto que tende à dilatação tornando o fluxo turbulento com conseqüente arritmia e trombose (12). O uso de material protético como parte do túnel exclui a mobilidade pulsátil do conduto.
Vários autores (5, 12) têm demonstrado que a anastomose CPT, por excluir o átrio direito e fazer com que o fluxo cava inferior - cava superior se faça através de um túnel, evita turbilhonamento, com diminuição do risco de trombose e arritmias.
O uso de pericárdio bovino para tunelização ao nível atrial é preocupante, pois retrações mínimas podem provocar obstruções com repercussões hemodinâmicas importantes.
ROSSI et al. (13), em 1986, e ARBUSTINI et al. (14), em 1983, demonstraram calcificação neste tipo de enxerto, tendo nítida relação com o tempo. PIRES et al. (15), em 1997, demonstraram que tecido de pericárdio bovino implantado em átrio se calcifica, retrai e favorece a formação de trombos.
A variação técnica proposta visa a otimizar o resultado a curto prazo, pois mantém contração no túnel, possibilitando melhor drenagem venosa sistêmica. Já a longo prazo, como não se utiliza material protético, espera-se crescimento adequado deste conduto e menor risco de calcificação, retração e embolização.
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